É difícil precisar a data. Mas a qualquer momento, nestas últimas semanas de 2023, a Fazenda Conforto, situada no município de Nova Crixás, em Goiás, deve bater uma marca impressionante: a entrega de 1,5 milhão de bois para abate.
O primeiro milhão foi atingido em julho de 2020. A um ritmo de 170 mil cabeças por ano, levará menos de seis anos para chegar ao segundo. E possivelmente menos tempo ainda para o terceiro.
Verdadeira linha de montagem de engorda bovina, a propriedade rural de 12 mil hectares funciona em escala industrial, como desejava seu fundador, Alexandre Negrão, falecido em agosto passado. E acelera, também no espírito do ex-piloto de automobilismo.
O volante de um dos maiores confinamentos do País está nas mãos do empresário Sergio Pellizzer, genro de Negrão. E ele mantém ritmo de crescimento, mesmo em um raro ano em que a receita da Conforto recuará.
“Será um pouco menos que os R$ 1,15 bilhão do ano passado”, afirma Pellizzer em entrevista ao AgFeed. “Isso por conta da queda do preço da arroba, porque em número de animais, mantivemos o crescimento”.
Assim, 2023 será um ano que deixará marcas profundas e conflitantes na história da Conforto. A maior delas, sem dúvida, a morte de Negrão. Alguns meses antes, no entanto, ele e Pellizzer haviam dado um passo inédito na trajetória do negócio: a compra de uma nova área para iniciar uma expansão – territorial, a princípio, e de capacidade, em um futuro próximo.
Com 5 mil hectares, a Conforto 2 está recebendo as sementes de soja de sua primeira safra. A propriedade fica no município de Formosa do Araguaia, no estado de Tocantins, a cerca de 300 quilômetros de Nova Crixás.
Desde abril, quando foi feita a aquisição, a empresa investiu, segundo Pellizzer, cerca de R$ 80 milhões na “transformação da fazenda em tempo recorde” (o valor não inclui o preço pago pela terra, não revelado), para o desenvolvimento de 2,5 mil hectares para lavouras já neste ano. E a preparação para, em 2024, começar a receber a atividade principal: pecuária.
Pellizzer afirma que o planejamento da Conforto é estabelecer, no ano que vem, um modelo de semiconfinamento na nova fazenda, com capacidade estática de 15 mil animais para recria e adaptação, com a terminação sendo feita na fazenda original.
“Fizemos a opção de expandir em área que não ficasse muito distante”, diz o CEO. “Assim, conseguimos levar para essa área o adubo que produzimos em Nova Crixás e trazer os bois para o confinamento com um custo logístico não muito alto”.
Com isso, adiciona-se uma peça importante na engrenagem de oferta de bois ao confinamento e, posteriormente, à indústria. A Conforto é, segundo Pellizzer, o maior fornecedor individual de animais para abate nos frigoríficos da JBS no Brasil.
Os bois são entregues para a planta de Mozarlândia (GO), uma das maiores do grupo de proteína animal. “Temos uma parceria muito produtiva, de ajuda mútua”, diz o executivo. “Eles nos dão garantia de escala e nós garantimos a eles o fornecimento para abate e processamento”.
Fertilizantes Conforto
Os negócios da empresa vão, dessa forma, se encadeando e gerando novas oportunidades. Uma delas, que deve ganhar mais visibilidade em 2024, é a produção de fertilizantes com a marca Conforto.
Já há alguns anos a empresa tem investido na transformação dos resíduos da pecuária no confinamento em adubos orgânicos. Primeiro para uso na própria área de lavouras da fazenda, que ocupa 5,5 mil hectares para a produção de milho, soja e pastagens, tudo voltado para a alimentação do rebanho.
“Verticalizamos a operação e, no nosso plano de negócios, prevemos que em três anos esteja bem estendida, chegando ao mercado e atingindo novos públicos”, diz Pellizzer.
Atualmente, a Conforto comercializa os fertilizantes em operações de barter com agricultores da região, recebendo em troca milho para uso na fazenda, que consome anualmente cerca de 3 milhões de sacas do grão.
“A gente mapeou 200 mil hectares em volta de Nova Crixás que eram pastagens e viraram lavoura nos últimos dois anos”, conta. “É muita área de grão chegando e, com a troca por adubo, conseguimos otimizar nossa operação para aquisição do milho”.
O próximo passo, que deve ser dado no próximo ano, é definir parceiros para levar a marca Fertilizantes Conforto ao mercado. Ele revela que tem sido procurado por revendas e distribuidores nesse sentido, mas ainda estuda qual o melhor modelo comercial a ser adotado.
A capacidade instalada na fazenda é para 150 mil toneladas de adubo por ano, sendo que hoje a produção está em 100 mil.
O CPF bilionário
Além da unidade de produção de fertilizantes, a estrutura da Conforto engloba fábrica de ração, silos de armazenamento de grãos (há mais três em construção), parque para geração de energia fotovoltaica, represa, 2 mil hectares com lavouras irrigadas com 16 pivôs e uma área de reserva que ocupa quase 30% da propriedade.
Dentro dela, segundo Pellizzer, há 40 quilômetros de trilhas ecológicas, para manutenção e visitação das áreas preservadas. A produção agrícola é feita em sistema de ILPF (integração lavoura, pecuária e floresta), com plantio de eucalipto. E que será transformado em ILPFE, com a adesão da produção de biogás a partir de resíduos, também prevista para 2024.
O confinamento é feito em três módulos, comando uma capacidade estática de 76 mil animais. É a origem e o fim de todo o negócio.
“A fazenda não é pequena, mas não é gigante. Cada cantinho é muito bem investido. O Alexandre tinha a característica de investir sempre”, afirma Pellizzer, referindo-se ao sogro.
Assim, o faturamento saltou de R$ 250 milhões, em 2019, para R$ 1,15 bilhão em 2022. Segundo o executivo, toda a atividade da Conforto passa por auditoria externa há alguns anos, com uma estrutura cada vez mais profissionalizada.
Tudo isso, como é muito comum no mundo da agropecuária, ainda está vinculado ao CPF do fundador, que iniciava o processo de transição dos negócios rurais – Negrão também era dono da indústria de medicamentos Medley e da fabricante de pás eólicas Aeris – em pessoa jurídica.
Com a sua morte, o status passou a condomínio rural dos herdeiros. Pellizzer estima que o processo até o CNPJ deve levar até dois anos. A família não tem pressa, já que contabilmente pode fazer sentido manter o status atual, sobretudo em momentos de investimento mais alto.
Rastreabilidade no radar
Pellizzer afirma que a produtividade da atividade pecuária na Conforto é de 150 arrobas por hectare, 30 vezes a média brasileira, que é de cinco arrobas por hectare. E atribui esse desempenho ao uso intensivo de tecnologia na propriedade.
“Somos uma fazenda de inovação, um living lab”, diz. “Estamos sempre pensando em como melhorar, como conseguir algo mais”.
Uma das inovações em curso na propriedade é o uso de tecnologia de irrigação de luz nas lavouras, em parceria com a Esalq, a Philips, e a Nortel. Com o uso de lâmpadas especiais para promover o desenvolvimento das plantas, esperam um ganho de 15% na produtividade.
Outro foco da Conforto é no desenvolvimento de soluções para digitalização da aquisição de gado e da rastreabilidade do rebanho. Segundo Pellizer, no ano passado ele gastou parte de seu tempo em uma imersão no ecossistema agtech em busca de startups com produtos voltados para essas questões.
Não encontrou, no entanto, nenhuma solução que atendesse as necessidades da fazenda. “Então, montei um squad dedicado, que está trabalhando há mais de um ano em um produto direcionado para esse fim”.
O time chegou a um aplicativo, que cruza informações sobre as propriedades e regiões de onde vêm os bois adquiridos, verifica bancos de dados públicos de desmatamento e trabalho escravo, por exemplo, e aprova (ou não) automaticamente operações de compra.
O aplicativo está sendo testado internamente em escala reduzida, mas já tem data para rodar a pleno: 20 de janeiro de 2024. “Já começamos a mudar nossas compras para esse modelo e estamos avisando a nossos parceiros” diz.
A ideia é de que a solução também e transforme em negócio para a Conforto, mas na área de tecnologia. “Estamos estudando modelos de monetização e, futuramente, esperamos disponibilizar para o mercado, oferecendo uma ferramenta para melhor gestão e efetividade em compras e rastreabilidade”.
Pellizzer acredita que o “laboratório” da Conforto é um teste real para qualquer negócio, graças à escala das operações da fazenda. “Tudo que roda bem aqui pode levar para o mercado que funciona”, diz.
Com toda a carne produzida a partir de seus animais sendo destinada a exportação, o produtor quer também estar pronto para a entrada em vigor das exigências de mercados internacionais em torno da origem do gado abatido.
“A rastreabilidade é o que vai nortear nosso futuro nos próximos anos, quando se fala em pecuária brasileira”, diz. Em 2026, por exemplo, a Europa deixará de comprar carne que não tenha origem verificada desde o nascimento dos animais.
A Conforto já possui 100% de rastreabilidade, mas apenas até a recria. E está investindo para ir além, chegando ao processo de cria. “O gado que vai ser abatido em 2026 já nasceu, temos de ficar atentos com isso”, diz.