“Muito calor”. Mark Rasmussen, vice-presidente sênior de mobilidade da Intelsat, guarda uma lembrança viva de sua última visita ao Brasil, no início de maio. Ele esteve em Ribeirão Preto (SP), onde a gigante da área de telecomunicações com sede em Luxemburgo aproveitou a edição 2024 da Agrishow para estrear oficialmente em uma das disputas mais quentes do agro brasileiro no momento.
Dona de uma constelação de satélites que cobrem todo o planeta, a empresa selou na feira uma parceria global com a fabricante de máquinas agrícolas CNH para oferecer conectividade a produtores rurais. O movimento é uma reação direta a movimento semelhante feito pelas concorrentes Starlink, do bilionário Elon Musk, e a montadora John Deere, anunciado poucos meses antes.
O Brasil será o primeiro palco dessa guerra das estrelas do agro. “Fazendo um bom trabalho no Brasil, acreditamos que o mundo todo seguirá esse movimento”, afirma Rasmussen ao AgFeed.
A ideia, segundo ele, é escalar para outros países na América do Sul, com a Argentina no topo dessa lista. E, no ano que vem, a CNH pretende expandir o serviço para América do Norte, Europa, Ásia e Austrália.
Por conta do tamanho do País e pela quantidade elevada de áreas remotas, o executivo coloca a parceria como uma prioridade dentro da Intelsat. Ele vislumbra um mercado potencial importante. Dados do Ministério da Agricultura e da iniciativa ConectarAgro, que reúne empresas de diversos segmentos para incentivar a conectividade no campo, 73% das propriedades rurais brasileiras ainda não têm acesso pleno à internet.
É nesse espaço que apostam as operadoras de conectividade via satélite. No caso da parceria entre Intelsat e CNH, o modelo adotado será equipar as máquinas das marcas da montadora – como Case IH e New Holland – com equipamentos que captam o sinal dos satélites da operadora.
Segundo Rasmussen, a Intelsat fornecerá terminais de acesso satelital de fácil uso, preparados para lidar com o ambiente desafiador de uma fazenda, para conectar a internet a partir de múltiplas órbitas.
A Intelsat é uma empresa criada nos anos 1960, especializada em comunicação satelital. No Brasil, atua com gigantes da telecomunicação, como TIM e Claro, e também com o exército brasileiro desde os anos 1970, de acordo com Rasmussen.
Ele afirma que essa é a primeira incursão da empresa dentro do agronegócio, algo que já estava sendo discutido há alguns anos internamente. Ao AgFeed ele contou que a Intelsat estava há pelo menos um ano e meio em conversas com outras companhias que atuam com máquinas agrícolas.
“Fizemos um trabalho de bater de porta em porta e fazer reuniões com grandes empresas, e quando falamos do setor de equipamentos, a CNH estava no topo da lista. Fomos para muitos eventos do setor e vimos que eles buscavam essa solução”, conta.
Apesar de ser a primeira incursão no agro, a ideia é ampliar o horizonte caso a primeira experiência seja bem sucedida com a CNH. “Acreditamos que podemos escalar nesses segmentos de mercado, e todos se beneficiarão. Podemos diminuir custos e aumentar a demanda para esses dispositivos de conectividade. Será bom para nós e para os clientes”, afirmou Rasmussen.
A parceria com a CNH começará no Brasil, com um papel importante nas revendas de máquinas na equação. A ideia é que as concessionárias das marcas da empresa americana impulsionem o serviço e, consequentemente, aumente a área conectada no interior do País.
Em um comunicado oficial, Marc Kermisch, diretor da área digital e de informações da CNH, pontuou que a tecnologia de satélite ajuda a resolver desafios complexos de conectividade para áreas de difícil acesso, e que a escolha da Intelsat se deu por sua longa trajetória no mercado.
“Nem todos os fornecedores são iguais. A Intelsat se destaca por sua profunda experiência, bem como pela qualidade e confiabilidade de seus serviços e ofertas de terminais industriais. Eles entendem o que significa ser robusto”, disse Kermisch.
Segundo Mark Rasmussen, da Intelsat, o mercado brasileiro tem sido muito receptivo com os serviços providos pela companhia.
A Intelsat possui uma rede de 55 satélites geoestacionários (GEO) e mais de 6 mil satélites de órbita terrestre baixa (LEO).
Rasmussen explica que um desses satélites geoestacionários seria suficiente para conectar um país como o Brasil, mas a ideia é que sejam utilizados de dois a quatro satélites para cobrir as terras nacionais.
Segundo ele, isso garante uma resiliência no sinal e a chamada redundância. “Colocaremos esses satélites na rede agrícola que estamos ativando no Brasil para que a CNH tenha o benefício disso. Também estamos trazendo serviços de LEO do nosso parceiro OneWeb, que traz outra camada de conectividade disponível para esses agricultores”, explica.
A disputa com John Deere e Starlink
A largada para essa nova corrida espacial da conectividade no campo foi dada em janeiro passado, quando a John Deere anunciou uma parceria com a Starlink para conectar seus veículos no campo.
Na época do anúncio, o jornal Wall Street Journal revelou que a Intelsat esteve perto de ter sido escolhida pela John Deere, que optou pela concorrente. Poucos meses antes, a Intelsat havia superado a Starlink em outra disputa, para fornecer internet via satélite para centenas de jatos da American Airlines.
A solução da Starlink permite aos produtores rurais instalar em suas máquinas John Deere kits portáteis com antenas ligadas às constelações de satélites da Starlink, que viabilizarão a transmissão de dados colhidos nas operações de campo em tempo real.
Essa parceria, no entanto, exigiu da Starlink a criação de uma versão mais robusta do terminal terrestre, algo que a Intelsat já possui e utiliza em parcerias com empresas de mineração para colocar as máquinas utilizadas no processo em sua rede de satélites.
Segundo Rasmussen, a grande diferença entre as duas soluções está no modelo comercial. Enquanto a Starlink atua tanto no B2B quanto no B2C, ou seja, atende empresas e também clientes finais, a Intelsat possui uma operação focada em atender grandes companhias.
Rasmussen explicou que a Intelsat entrega o serviço a um usuário por meio da parceria e que a empresa não tem a intenção de atuar no B2C.
“Atuamos onde acreditamos que nossas soluções são necessárias e as projetamos de maneira personalizada para cada parceiro. Podemos fazer isso em escala porque temos uma grande frota de satélites e podemos usar os mesmos ativos para entregar soluções diferentes”, explica.
Para além do agro, a briga global pelo mercado de internet via satélite com a Starlink tem ganhado contornos diferentes.
No começo de maio, a SES, operadora de satélites também com sede em Luxemburgo, anunciou a aquisição da Intelsat por cerca de 3 bilhões de euros, algo em torno de R$ 15 bilhões.
A transação, que já foi aprovada pelos conselhos, é a maior já realizada entre dois players do ramo. O negócio ainda depende da aprovação dos órgãos regulatórios competentes.
Com a junção das empresas, o número de satélites em órbita geoestacionária chegará a 100 em todo o mundo. A Starlink opera numa distância mais perto da Terra, e possui mais de 5 mil satélites rodando o planeta.