Adquirida no ano passado, a Usina Santa Vitória é uma espécie de marco na trajetória do grupo goiano Jalles Machado, um dos mais tradicionais do setor sucroenergético brasileiro.

Com o negócio, fechado por mais de R$ 700 milhões, a companhia cumpriu uma promessa feita aos investidores em seu processo de IPO e, de uma vez só, ampliou sua capacidade produtiva em 46%.

Menos de um ano depois da concretização da aquisição, no entanto, a conversa anda mais amarga com mercado.

Ao divulgar os resultados do quarto trimestre de seu ano safra, na quinta-feira 29 de junho, a empresa foi cobrada pelos investidores por estar sendo excessivamente conservadora em sua estratégia financeira. E usou a aposta na usina como justificativa para essa postura cautelosa.

O principal questionamento dos investidores está relacionado às posições adotadas em operações de hedge, ao travar o preço do açúcar em um preço médio menor que o praticado no mercado à vista.

“Temos um investimento pesado para fazer na fábrica de Santa Vitória e optamos por ser mais conservadores na política de hedge para evitar eventuais perdas”, explicou, em teleconferência com analistas, o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Jalles, Rodrigo Penna de Siqueira.

A companhia prevê investimentos de R$ 170 milhões na reforma da unidade. Deste total, 75% serão aportados durante a próxima safra, segundo as projeções da companhia.

Por esse motivo, segundo Siqueira, as decisões relacionadas à Santa Vitória, localizada na região do Pontal do Triângulo Mineiro, devem condicionar toda a estratégia de venda de açúcar pelo menos até o final da safra 2025/2026.

O executivo afirma que o objetivo é transformar a usina, projetada para a produção de etanol, em uma produtora de açúcar. Com isso, a Jalles projeta sair de uma participação de 36% do açúcar no mix de produção para 51%, a partir da conclusão da conversão.

Segundo o diretor da Jalles, a unidade tem muito potencial, inclusive para o cultivo da cana-de-açúcar.

“São quase 5 mil hectares em reforma, e prevemos uma expansão para 7 mil hectares. Vamos plantar novas variedades ali, mais produtivas”, revelou.

Siqueira projeta que a fábrica estará operacional somente para a safra 2024/2025. “E ela não vai se pagar em duas safras. Acreditamos que teremos um retorno em torno de 50% dos investimentos em 2024/2025 e 2025/2026. O restante vem depois”.

Para a safra 2023/2024, a empresa já antecipou a precificação, operação chamada de hedge, de mais de 210 mil toneladas de açúcar.

Segundo Rodrigo Penna de Siqueira, o preço médio fechado para este montante foi pouco acima de R$ 2.000 por tonelada. A cotação no mercado à vista gira em torno dos R$ 2.600, diz o executivo.

O diretor da companhia afirma que esta cotação atual está muito acima da média histórica, que gira em torno dos R$ 1.800 a tonelada.

“Temos cerca de 25% do volume com hedge em que é possível aproveitar uma alta no preço à vista. Os outros 75% estão fixados”, acrescentou.

Cautela exagerada

Alguns agentes de mercado acreditam, no entanto, que a Jalles Machado poderia correr mais riscos para obter retornos melhores, mesmo com os investimentos previstos.

Em relatório sobre os resultados do quarto trimestre do ano-safra 2022/2023, os analistas Guilherme Palhares e Isabella Simonato, do Bank of America, mantiveram a classificação Underperform (expectativa de desempenho abaixo da media de mercado) para a Jalles.

“A empresa já fez hedge de 80% da sua produção de açúcar esperada para 2023/2024, 60% para a safra 2024/2025, e já começou a proteger a cotação para 2025/2026, com 12% do volume esperado. É a empresa com maior nível de hedge dentro de nosso universo de cobertura”, diz o BofA.

Segundo os analistas do banco, é verdade que os preços fixados no hedge aumentam sequencialmente nas safras. “Mas a companhia deixa de se expor à dinâmica favorável de momento no mercado internacional de açúcar”, completam.

Para a safra 2024/2025, o preço médio do hedge feito pela Jalles é superior a R$ 2.300, e na safra 2025/2026, de R$ 2.270.

De maneira geral, os analistas classificam os números da Jalles no último trimestre da safra como fracos. A companhia teve prejuízo líquido de R$ 57 milhões. Os analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, da XP Investimentos, projetavam lucro de R$ 47 milhões no período.

As receitas caíram 20% em um ano, para R$ 220 milhões. Segundo a XP, esta queda foi causada pela diminuição de aproximadamente 30% no volume de açúcar e etanol vendido no período.

“Do lado positivo, os volumes de açúcar orgânico ficaram quase 26% acima de nossas projeções, uma recuperação contínua bem-vinda”, dizem os analistas da XP.

A comercialização de açúcar orgânico cresceu 18,5% no trimestre, e quase 40% na safra 2022/2023, em relação ao período anterior.

Sobre os orgânicos, Siqueira afirma que a redução nos custos com frete foi importante durante a safra. “Houve também uma reação dos preços, ainda que tímida”, diz.

Em geral, a comercialização de açúcar pela Jalles caiu 16% no último trimestre da safra, na comparação anual. Em todo o ano, houve aumento de 8%.

No etanol, a queda registrada no quarto trimestre foi ainda maior que a vista no açúcar, de 36,5%. Em toda a safra 2022/2023, houve aumento de quase 36%, já descontada a participação de Santa Vitória.

Para a próxima safra, a Jalles projeta um aumento de 43% no processamento de cana, para 7,3 milhões de toneladas.

Apesar do momento favorável para o açúcar, a previsão da empresa é que o etanol ganhe relevância na próxima safra, já que a conversão da unidade de Santa Vitória ainda não estará concluída.

O mix deve sair de 56% etanol e 44% açúcar na safra 22/23 para 64% etanol e 36% açúcar em 23/24. Para o mercado, esse combustível parece não ser suficiente.