Há exatamente um ano, o CEO da Bayer CropScience na América Latina, Maurício Rodrigues, projetou, em entrevista exclusiva ao AgFeed, o período desafiador que a empresa e o setor teriam pela frente.
Na ocasião, Rodrigues explicou que a empresa deveria crescer, mas de forma mais tímida. Além da base de comparação difícil, visto que 2022 foi um ano considerado “extraordinário” na Bayer, os desafios climáticos e de preço das commodities ao longo da safra 2023/2024 vieram além do esperado.
Tanto que, em 2023, a divisão CropScience da Bayer teve um recuo nas vendas, frustrando as expectativas de seus gestores. No acumulado do ano passado, as vendas globais somaram 23,2 bilhões de euros ao faturamento da multinacional alemã, uma baixa de 3,7% frente ao ano de 2022.
Na América Latina, região liderada por Maurício Rodrigues, as receitas do segmento caíram, proporcionalmente, ainda mais, atingindo 7,1 bilhões de euros, baixa de 4,9% frente a 2022.
“Olhando para trás, acho que terminamos o ano de 2023, dado o cenário que se impôs, em uma situação positiva em comparação com o mercado difícil. Obviamente não é comparável com períodos de alta, mas olhando dentro do mercado, vejo que nos destacamos dentro do cenário baixista”, avaliou o executivo, em nova entrevista concedida nesta semana.
Rodrigues conversou com o AgFeed esta semana durante um evento da empresa na Fazenda Estância, em Pirassununga (SP). A propriedade acabou de ser inserida no programa Bayer Foward Farming, iniciativa que promove a agricultura sustentável e regenerativa em “fazendas inteligentes” em todo o mundo.
A propriedade de 1,1 mil hectares, tocada pela família Vick, foi a segunda no País a entrar na iniciativa. “Acreditamos que o conceito da Bayer Foward Farming pode ser uma vitrine de tudo que desenvolvemos”, conta Maurício Rodrigues.
Olhando para 2024 e a safra que se impõe, o CEO adota uma postura otimista, mas ainda cautelosa. Rodrigues prrevê retomar um pequeno crescimento neste ano. Segundo ele, esse é o “otimismo que é possível no cenário em que estamos”.
Além das questões climáticas que estão em evidência por conta da tragédia do Sul, o executivo relembrou toda a seca causada pelos efeitos do El Niño na safra atual, principalmente no Centro-Oeste.
“O mercado passa por alguma daquelas intempéries, que quem está no mercado agrícola há algum tempo sabe que ocorrem. Precisamos nos adaptar e entender melhor o mercado, estar mais próximo dos clientes, servir melhor e sermos mais ágeis”, afirmou
Dentro da sazonalidade do setor e da Bayer, as vendas no continente devem acelerar a partir da metade do ano, já que os primeiros meses ganham impulso pelas vendas no hemisfério norte.
Por aqui, mesmo com o mercado atrasado e o agricultor cauteloso, o mercado tem condições de voltar a se fortalecer, projetou Rodrigues.
Foco na tecnologia e no ESG
Segundo o CEO, o alto nível de adoção tecnológica do agro local, somado a práticas sustentáveis, dão uma “robustez para a empresa enfrentar esses momentos”.
Essa adoção tecnológica citada pelo executivo é exemplificada por ele pela própria Fazenda Estância, local em que o executivo conversou com a reportagem.
A gestão da propriedade utiliza a plataforma de agricultura digital da Bayer, o Climate FieldView, e integra o programa PRO Carbono da empresa desde 2021.
Ao AgFeed, a administradora da fazenda, Aline Vick detalhou que as práticas de agricultura regenerativa adotadas por lá, que envolvem rotação de cultura, rotação de raízes e análises de solo frequentes, têm trazido mais estabilidade na produção e resiliência no campo.
Segundo ela, a região de Pirassununga sofreu, especialmente nos últimos anos, com instabilidades climáticas. Foram secas intensas em 2020, excesso de chuvas em 2022 e calor extremo no ano passado.
A comparação da média de produtividade por hectare entre 2020 e 2022, contudo, indica que a Fazenda Estância colheu cerca de 25% a mais que a média de Pirassununga. Além disso, a taxa de replantio na safra de 2023/2024 foi de 3% da área plantada, menor que a média local.
“Quando olho minha curva de produtividade de soja dos últimos cinco anos, vejo ela estável. Posso não ter produzido mais por conta dos desafios climáticos, mas em compensação tive menos perdas, graças a um solo mais saudável”, explicou Aline Vick.
A safra 2024/2025 no continente
Depois de um ano de El Niño, o mercado passa a trabalhar com a perspectiva de uma safra de La Niña à frente. Apesar de historicamente o fenômeno ser mais favorável ao Centro-Oeste, onde se concentra grande parte da produção de grãos nacional, Rodrigues ressalta que é difícil uma previsão concreta.
“Qualquer pessoa que preveja uma relação de causa e efeito tão clara tende a errar. Hoje prefiro ser mais conservador e estar preparado para qualquer tipo de cenário e reagir o mais rapidamente possível para qualquer evento”, explica.
A safra 2023/2024 mais complexa no Brasil encontrou um contraponto na Argentina. Se em maio do ano passado o país vizinho enfrentava uma grande quebra de safra, a temporada atual trouxe ventos melhores para os hermanos.
De uma safra de soja de cerca de 20 milhões de toneladas na temporada passada, a projeção é mais que dobrar para esse ano, em algo em torno de 50 milhões de toneladas da oleaginosa.
O problema é que o país vizinho enfrenta, para além de questões climáticas, problemas macroeconômicos. Com os altos níveis de inflação e de taxas de juros, fica difícil saber o resultado líquido dos produtores locais, acredita Maurício Rodrigues. O executivo, porém, conta que em visita recente à Argentina, sentiu o setor mais animado. “Começamos a ver luzes diferentes”.
Ele cita que alguns produtores já voltam a falar em financiamento em dólar e outros já começam a prever investimentos de longo prazo.
“Sigo otimista. Ajustamos esse otimismo, evidentemente, a depender do ano. Mas continuo otimista em relação ao nosso mercado e acredito que vai ser um ano dentro das expectativas que traçamos”, afirmou Rodrigues.
Um ano para esquecer?
Globalmente, o ano de 2023 passou longe de ser dos melhores para a Bayer. Se em 2022 a gigante alemã de químicos teve um lucro de 4,1 bilhões de euros, em 2023 0 resultado foi negativo em 2,9 bilhões. As vendas totais do grupo atingiram 47,6 bilhões de euros, uma queda de 1,2% frente ao ano anterior, considerando também o ajuste cambial.
A projeção para 2024 é de um ano mais parecido com o último do que com 2022. A Bayer espera vendas iguais a de 2023, mas vê sua dívida líquida subindo do patamar atual de 32,5 bilhões para 33,5 bilhões no final deste ano.
A divisão CropScience deve ter um pequeno avanço no faturamento, junto com a Consumer Health, de medicamentos isentos de prescrição. Já o segmento da indústria farmacêutica deve cair em 2024, nas projeções da Bayer.
Quando reportou os resultados de 2023, em meados de março, o CEO Global, Bill Anderson, foi sincero ao dizer, com todas as letras, que a empresa está "muito quebrada" e destacou sérios desafios pela frente.
Só para citar alguns, a empresa precisa lidar com uma possível perda de sua exclusividade em patentes de medicamentos essenciais, o alto endividamento, os bilionários litígios relacionados ao herbicida Roundup e a grande burocracia hierárquica interna.
Segundo afirmou Anderson ao Financial Times em março, esses desafios "limitam muito a capacidade da Bayer de escolher o próprio destino, seja como uma empresa de três divisões ou em partes menores".
A empresa inclusive, declarou que vai cortar em 95% os dividendos pagos aos acionistas neste e no próximo ano. O primeiro recorte de 2024, contudo, começa a mostrar uma luz no fim do túnel.
Em mensagem divulgada junto com o balanço, Bill Anderson, que outrora não teve medo de pesar a mão nas críticas, destacou que a sangria nas contas da Bayer começou a estancar.
Ele atribiu esse “alento” às mudanças radicais que vem impondo desde que assumiu o posto, em julho passado. "Em março, destaquei quatro áreas nas quais estamos focados para colocar a Bayer de volta no caminho certo", afirmou ele, na mensagem de divulgação do balanço. "Dois meses depois, fizemos progressos em cada um deles"
No primeiro trimestre, a divisão agrícola da empresa anotou 7,9 bilhões de euros em vendas no primeiro trimestre deste ano, baixa de 3% em comparação com o mesmo período de 2023.
Segundo a empresa, as vendas de herbicidas não baseados em glifosato e também de fungicidas recuaram na Europa, Oriente Médio e África. Na América Latina, as vendas somaram 1,1 bilhão de euros, número 8,2% menor que no mesmo trimestre de 2023.
Nas áreas de herbicidas e fungicidas as quedas de receita foram de 13,3% e 8,5%, respectivamente. Já os negócios de sementes apresentaram resultados estáveis (no caso de soja) ou positivos (no milho), enquanto as vendas de inseticidas avançaram 2,3%.
Anderson comemorou esses números, afirmando que a divisão "superou o desempenho dos seus pares em um momento difícil".
Olhando para a operação brasileira, o primeiro trimestre mostra alguns ajustes na Bayer. Em janeiro, a Bayer nomeou o agrônomo Márcio Santos como CEO da operação brasileira. Com mais de 20 anos de experiência na indústria de defensivos e sementes, ele foi escolhido para substituir Malu Nachreiner no comando da Bayer CropScience por aqui.
Considerado um “especialista em crises”, ele atuou por 12 anos na Monsanto e acompanhou de perto um dos períodos mais desafiadores da empresa no mercado brasileiro: o início da cobrança dos royalties na venda das sementes (ou mesmo da produção, quando o agricultor se negava a comprar o produto certificado) com a tecnologia transgênica desenvolvida pela multinacional.
Alguns movimentos já começaram a aparecer. Em março, a empresa informou que encerrou uma parceria com a AgroGalaxy que envolvia a distribuição de produtos da linha Crop Protection da alemã pela rede brasileira.
Com isso, a Bayer passou a ter um canal a menos de distribuição de seus defensivos em regiões do Paraná, São Paulo e Minas Gerais.