Victor Campanelli gosta de velocidade. Um dos seus hobbies é pilotar carros esporte – nas pistas, diga-se. Não é diferente no comando do Grupo Campanelli, empresa familiar que dirige a partir de Altair, na região de Bebedouro, Interior de São Paulo.

Ali, ele transformou a Santa Rosa, uma fazenda de 15 mil hectares, no retrato mais acabado da tecnologia pecuária adotada no Brasil. Com capacidade para engordar 100 mil bois por ano, o confinamento da Campanelli utiliza o estado da arte em equipamentos de monitoramento e automação em busca de eficiência na engorda e terminação dos animais.

Mas o espaço ficou pequeno para sua produção. O empresário acaba de abrir um novo confinamento em outra propriedade da família, esta em Araçatuba, também interior de São Paulo.

Nesse primeiro ano, a previsão é engordar lá cerca de 25 mil bois. “Ainda estamos terminando obras e colocando boi”, afirmou Campanelli ao AgFeed. “Então vamos sentir o jogo e achar o ritmo de lá, combinado com a capacidade de produção agrícola”.

O pecuarista não abre dados financeiros de investimento e receita. O último balanço público disponível da Agropastoril Pascoal Campanelli S.A., reporta, em 2020, uma receita de R$ 410 milhões.

Mas o cenário mudou muito – e para melhor – desde lá. O número de animais “terminados” na Santa Rosa, por exemplo, saltou de 55 mil para 100 mil em um prazo de sete anos.

A fábrica de rações, que antes servia apenas para alimentar o gado engordado ali, virou um negócio à parte, a TecnoBeef, que hoje já ombreia com multinacionais na área de nutrição animal.

E Campanelli fez da fazenda também um centro de pesquisas para estudos em torno da eficiência da produção pecuária de confinamento, que se tornou referência internacional em temas como nutrição e bem-estar animal.

Campanelli levará para Araçatuba a receita que fez com que ele fosse reconhecido como um dos mais tecnificados confinadores do Brasil. As operações da Santa Rosa são, em sua grande parte, automatizadas.

Os caminhões que despejam ração nos cochos dos currais, por exemplo, são autônomos. Graças a identificadores eletrônicos instalados junto às cercas, eles percorrem as ruas internas do confinamento sem intervenção de motoristas e param no ponto preciso, abastecendo-os conforme a prescrição para cada lote

Também na área agrícola – a Campanelli produz milho e cana, em grande parte para uso na alimentação dos animais – as máquinas têm telemetria e piloto automático. “Somos muito bons em fazer essa sinergia entre agricultura e pecuária”, afirma Campanelli.

Caminhão distribui ração os cochos do confinamento: operação automatizada (Foto: Renata Campanelli e Marcos Pedroso)

Segundo ele, a diferença do novo confinamento para o da Santa Rosa será a eficiência. “Vamos usar o que aprendemos para não cometer os mesmos erros”, diz. “Seremos mais simples, com menos necessidade de manutenção. Queremos ser sexy, sem ser vulgar”, brinca.

Boa parte desse aprendizado veio do Campanelli Innovation Center, o centro de pesquisa que instalou na Santa Rosa. É o maior do gênero na América Latina, um dos maiores do mundo.

Criado em 2017, ele tem recebido pesquisadores de empresas e universidades brasileiras e estrangeiras para avaliar, em situações reais de confinamento, soluções para diferentes fases do processo de engorda, do desenvolvimento de novos aditivos para a nutrição animal à melhoria da infraestrutura das instalações.

Campanelli reservou uma área capaz de receber mais de 3,7 mil animais para as pesquisas (começou com menos da metade disso). Embrapa, Unesp, USP, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), entre outras instituições, mantém estudos no local.

Uma empresa americana testa nos bois de lá, por exemplo, um produto desenvolvido para saúde humana. Outra, utiliza o espaço para avaliar um sistema que utiliza câmeras para fazer leitura do nível dos cochos, entendendo assim não apenas a quantidade de alimento consumido, mas o comportamento dos animais.

“São coisas que, à medida que ficam maduras, podem se tornar comerciais”, diz Campanelli.

Estruturas de sombreamento no centro de pesquisa: conforto animal dá resultado (Foto: Renata Campanelli e Marcos Pedroso)

O estudo que tornou o centro mais conhecido foi o que avaliou o impacto do sombreamento na evolução do rebanho confinado. Em parte da área a empresa instalou estruturas com coberturas flexíveis, feitas com cabos de aço e telhas de galvalume, de menor manutenção e maior capacidade de bloqueio da luz do que as normalmente utilizadas.

A intenção era entender de que forma o conforto térmico que elas proporcionavam ajudava no desempenho do animal confinado. O resultado foi expressivo: cada animal ganhou em média 8 quilos de carcaça, consumindo muito menos água que os demais.

A economia diária obtida apenas com os bois utilizados equivalia ao consumo de uma cidade de 383 mil habitantes.

Ciência da Nutrição

Na frente industrial, a Campanelli também tem dados saltos. Com o uso intensivo de tecnologia no monitoramento da nutrição dos animais, a empresa desenvolveu expertise na produção de suplementos nutricionais sob medida para rebanhos confinados.

O grupo mantinha produção de ração em uma fábrica localizada dentro da fazenda, mas identificou que poderia ir além das porteiras. Assim, criada para atender a demanda do confinamento próprio, a TecnoBeef foi transformada em um negócio à parte em 2017.

O que era apenas para atender consumo interno virou produtop comercial. Hoje, menos de 4% da produção é destinada ao consumo “interno”. O restante é comercializado com outros confinadores para a complementação nutricional de animais.

Antes cliente de grandes grupos como Cargill, Nutron ou Tortuga, hoje a Campanelli é também concorrente. “Atuamos apenas em um nicho de valor agregado mais alto”, afirma Victor.

A TecnoBeef vende aditivos minerais (núcleos e premix) para reforçar a dieta dos rebanhos bovinos. Se não é uma gigante no segmento de nutrição animal como um todo (que envolve ciclos mais amplos e também produtos para avicultura, suinocultura e aquicultura), na sua área tem ultrapassado as marcas internacionais e já ocupa um lugar no pódio. “Somos top 3”, afirma.

Assim como o confinamento, a indústria recebe investimentos para expansão. Operando de forma ininterrupta no período seco – quando a demanda por suplementação dos confinamentos é maior – a fábrica deve passar por uma nova rodada de ampliação quando as chuvas voltarem, no verão.

Segundo Campanelli, a produção, hoje na casa de 5 mil toneladas mensais, deve atingir a capacidade de 8 mil toneladas. Atualmente, os produtos da empresa são parte da dieta de cerca de 1 milhão de animais em todo o Brasil.

O pecuarista tecnológico mantém o pé no acelerador, mesmo em tempos de retração nos preços do boi. “A gente acredita no nosso negócio”, diz. “Por isso, quando é preciso corrige a rota, mas segue no mesmo caminho”.