Quando tinha 16 anos, o hoje empresário Roberto Kaefer, dono de uma das principais empresas do setor avícola na América Latina, começou a trabalhar na Sadia, na sua região, no Oeste do Paraná. Na época nem existia BRF, já que a fusão com a concorrente Perdigão sequer era imaginada.
Depois de alguns anos, observando as transformações que ocorriam no setor de aves, desligou-se da companhia e montou uma empresa para revender ração. Na sequência, viu a oportunidade de vender “pintainhos”, o nome que se dá para os “pintinhos de um dia”.
“Naquela época empresas de frango eram poucas, a integração era quase zero e praticamente não havia fábrica de ração no Oeste do Paraná. Se comia frango só no domingo”, lembrou Roberto Kaefer, fundador e atual diretor presidente da Globoaves, na entrevista ao AgFeed.
Foi quando a Globoaves começou os primeiros alojamentos de matrizes de aves. Ao longo dos 40 anos de história, a empresa segue familiar, mas tem algumas peculiaridades.
Ajudou a trazer para o mercado brasileiro grandes grupos internacionais. Chegou a ser sócia da Cobb, dos Estados Unidos, em um projeto em São Paulo. Também teve negócios com a Hendrix, da Holanda. Elas acessavam os clientes do País por meio da Globoaves, mas depois seguiam com suas próprias atividades.
Mais próximo dos anos 2000, com o avanço das cooperativas de aves e suínos, a empresa também foi crescendo, sempre fornecendo os pintinhos para a produção avícola em expansão.
Atualmente, a Globoaves produz 40 milhões de ovos férteis por mês. Com sede em Cascavel (PR), tem unidades em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, e Chapecó, em Santa Catarina, além de dezenas de granjas e incubatórios espalhados pelo País, em estados como São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pará e Rondônia.
Estratégia definida
Já na década de 2000 a empresa colocou mais foco no mercado internacional. Hoje diz que é a maior exportadora de ovos férteis e pintinhos de um dia da América Latina. Está também entre as maiores produtoras, já que lidera, por exemplo, o mercado da Argentina, com a Globoaves S/A.
“Hoje exportamos entre 10 milhões e 15 milhões de ovos por mês, para mercados como México, África do Sul e países da América Latina”, contou Kaefer.
Nas últimas décadas, a Globoaves chegou a ter maior relevância também na produção de carne de aves e suínos, mas segundo o diretor, houve uma decisão estratégica de reduzir essa presença e ter mais foco nos ovos férteis e pintinhos de um dia.
Ainda assim, a empresa mantém um frigorífico de frangos em Rondônia, que abate 80 mil frangos por dia, e uma unidade de suínos, no Paraná, que presta serviços para terceiros, tanto na exportação quando no mercado interno.
“Não produzimos suíno próprio já faz muitos anos, não é nosso business”, destacou Kaefer.
Com essa mudança na estratégia, a Globoaves vendeu a maior parte dos frigoríficos que ainda tinha. Em 2010 a Marfrig comprou uma unidade da empresa paranaense, de frango caipira, de Minas Gerais. Também se desfez de unidades no Paraná e em São Paulo. O negócio mais recente foi a venda de um frigorífico de Lindoia do Sul (SC) para um grupo paranaense.
Na visão de Kaefer, o mercado de produção e exportação de carne de aves é viável “do médio para cima, do contrário você cai fora do negócio”. Ele explica que é necessário ter escala para ser competitivo, por isso a estratégia da Globoaves foi ter foco na genética.
Mercado de vacinas
Um salto importante na história da Globoves foi a entrada no mercado de biotecnologia, que demanda ovos embrionados para a produção de vacinas.
“Fomos convidados pelo Butantan e visitamos produtores de vacinas na Europa, junto com a Sanofi. Assim, inovamos e construímos granjas e incubatórios desenvolvidos especificamente para fazer a vacina da gripe, um projeto que segue até hoje”, conta o empresário.
É um sistema diferenciado de avicultura, segundo ele, para chegar aos ovos usados na produção das vacinas. “É um ovo superespecial, sem medicamentos que possam influenciar o desenvolvimento do embrião com a injeção, a inoculação do vírus que o Butantan realiza dentro do seu laboratório”.
A Globoaves diz ter atingido um faturamento total, incluindo os três segmentos que atua – avicultura, biotecnologia e alimentos – de R$ 2 bilhões em 2023. O volume fica acima da receita de R$ 1,6 bilhão reportada no ano anterior.
A empresa não revela qual a participação do projeto das vacinas, só diz que “não é um alto faturamento”. Segundo Kaefer, trata-se de um negócio estratégico, não tão relevante do ponto de vista financeiro.
“É um produto diferenciado, que mostra que você tem condições de produzir um produto de qualidade para vacina, isso é importante, precisa ter sanidade, tem que ter esse conceito implantado na companhia, com granjas ultramodernas, garantia sanitária e isolamento”, explica.
O executivo diz que o Butantan consome atualmente cerca de 100 milhões de ovos embrionados. Por 10 anos, a Globoaves foi a única fornecedora, mas agora, devido regras contratuais do setor público, há outras duas empresas que compõem esta produção.
De qualquer forma, a Globobiotech, pilar da empresa para este mercado, tem outros clientes além do Butantan. Entre eles estariam laboratórios de saúde animal que também produzem vacinas com o uso destes ovos especiais.
“Alojamento regulado”
O presidente da Globoaves diz que espera, em 2024, um faturamento semelhante ao que foi visto no ano passado. Um dos fatores neste cenário é a decisão da indústria de aves de adotar um “alojamento regulado”, evitar expansões de produção que depois acabam trazendo queda de preços.
Ao longo da conversa com o AgFeed, diversas vezes o empresário reforçou a importância de “cuidar para não produzir em excesso, como ocorreu no ano passado, quando nosso setor não foi bem, passando meses e meses com prejuízos importantes”.
Na visão dele, o segmento está retomando margens adequadas no patamar de 15% ou 20%, deixando para trás o período em que o resultado foi negativo.
O mercado de ovos férteis e pintinhos de 1 dia, segundo o empresário, acompanha o que ocorre com a avicultura industrial. “Estamos todos no mesmo barco, se o frango vai bem, a genética também se beneficia”.
A Globoaves tem entre seus clientes as gigantes da proteína, como JBS, com a Seara, e a BRF, das marcas Sadia e Perdigão. Kaefer diz que as duas empresas são grandes produtoras de ovos e pintinhos para consumo próprio, mas que atendem só 80% do que precisam. É aí que entra a Globoaves.
“De agosto para cá o pessoal aprendeu que é melhor trabalhar com os números que nós temos, se adequar a isso e não produzir em excesso, para ter ganhos e seguir se modernizando, tem que trabalhar com rentabilidade”, ressaltou.
Ele diz que na Globoaves, “assim como nos balanços das principais companhias”, os resultados têm sido bem melhores. “Vi algumas comentarem que o primeiro trimestre foi dos melhores dos últimos anos”.
Pesam na conta os custos mais baixos com soja e milho. Em ovos férteis e pintinhos, segundo ele, os preços estão se recuperando, mas ainda não no patamar que já estiveram.
Essa postura de evitar grandes expansões na produção, na visão dele, se justifica pelo fato de a economia brasileira estar estabilizada, sem crescimento significativo.
Na exportação, como o Brasil já é líder na carne de frango, Kaefer também vê com parcimônia as oportunidades de aumentar a produção.
Neste cenário, o executivo admite que, atualmente, “há falta de ovos férteis no Brasil”. Diz que o País poderia exportar mais, porém não tem produção suficiente.
Mesmo assim, não recua na posição de que é melhor assim, do que ter excesso de oferta. Isso porque, segundo o empresário, alguns mercados são voláteis, não garantem uma regularidade nesta importação.
O “alojamento regulado”, que o setor entende ser o número correto, de acordo com Kaefer, fica em torno de 580 milhões de aves por mês, resultado visto em abril. Já em maio ele admite que o número ficou acima de 600 milhões de aves, em função de ser um mês com um dia a mais.
“Quando vai pra 600 milhões já se sabe que vai sobrar frango”, afirma. A expectativa é de redução em junho.
Capacidade instalada para aumentar a produção, se necessário, ele garante que o Brasil possui. Seria mesmo uma decisão estratégica manter os atuais níveis de produção.
Um fator que poderia mudar o jogo seria uma demanda ainda maior na Ásia. Roberto Kaefer acompanhou a missão do governo brasileiro à China, no fim de maio.
“Foi muito interessante, o governo chinês se mostra simpático ao Brasil e continuam crescendo 5% ao ano. Percebi que é uma outra China, para quem visitou há 10 anos. Estão mais preocupados com tecnologia e sustentabilidade”, disse o empresário.
Investimentos previstos
Kaefer disse ao AgFeed que a Globoaves vai investir R$ 35 milhões nos próximos 12 meses, depois de ter reduzido muito os aportes, no ano passado.
A prioridade será a renovação de equipamentos, incluindo a modernização de granjas, fazendo, por exemplo, a troca de ninhos manuais por mecânicos.
“Para ter mais produtividade e lidar com a falta de mão de obra, vamos avançar na automação”, afirmou.
O empresário diz que somente na região de Cascavel há 1,5 mil vagas não preenchidas, porque os mais jovens tendem a não se interessar mais por atividades simples, como catar ovos nas granjas. “Elas serão automatizadas”.
A decisão de voltar a investir, segundo ele, também está relacionada a queda recente nas taxas de juros, que viabilizou os custos.
A empresa, por enquanto, não pretende em apostar em segmentos como frango e ovos orgânicos. Kaefer diz que o consumo per capita de 260 ovos por ano no Brasil, ainda é baixo, tem espaço para crescer.
Por isso seguirá apostando no mercado de ovos tradicionais, além do frango capira. “É um negócio importante, assim como o ovo especial para vacina, já vendemos 1 milhão de pintos de frango caipira por semana”.
Recentemente, a Globoaves também procurou integrantes do governo federal em busca de apoio para incentivar a produção de frango e ovo caipira nos assentamentos e em pequenas propriedades.
“O ministro do Desenvolvimento Agrário gostou da ideia, estamos aguardando um retorno”, disse. A ideia seria direcionar subsídios para que as famílias produzissem ovos para o próprio consumo e vendessem o excedente para merenda escolar ou feiras. A Globoaves forneceria parte da matéria-prima, além de dar assistência técnica.