Pioneira na fabricação de etanol de milho no Brasil, a FS Bioenergia tem chamado a atenção no mercado de capitais pelo alto endividamento, em meio ao período de preocupações com a saúde financeira de produtores e empresas do agro, que enfrentam margens mais apertadas.
No início de setembro, a Moody’s do Brasil rebaixou o rating da empresa de uma perspectiva estável para negativa. Movimento semelhante foi feito pela S&P, em fevereiro deste ano.
Segundo a Moody’s, os motivos para o rebaixamento estão relacionados a uma deterioração das métricas de crédito, resultado de um cenário desfavorável nos preços de milho e etanol, mais investimentos na construção da terceira planta e uma alta distribuição de dividendos.
Já a agência de classificação de risco Fitch adotou um caminho diferente. Em 27 de setembro anunciou que estava mantendo o rating da FS em “BB-“ e uma perspectiva estável para a companhia.
Nesta segunda-feira, 14 de outubro, a XP publicou um relatório que reforça a tese de preocupação com o endividamento da FS. O documento cita alguns pontos de atenção sobre a empresa.
Até a safra passada a empresa contava com estoques de milho baratos – sua principal matéria-prima e com preços altos do etanol, seu produto de venda. Mas na safra 2023/2024 a situação se inverteu.
No relatório da XP, as analistas Mayara Rodrigues e Camilla Dolle, ressaltam que com a queda do preço do milho, o estoque da FS encontra-se mais caro do que o preço negociado no mercado (R$51,94 por saca na safra atual ante R$ 40,5/saca na próxima safra, em média).
A redução da margem entre o final da safra passada e o início dessa, a alavancagem da empresa, medida pela relação entre a dívida líquida e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação), atingiu 7,4 vezes.
Segundo o balanço financeiro da companhia divulgado em agosto, o aumento das dívidas foi impulsionado por um fluxo de caixa operacional negativo de R$ 289,2 milhões no trimestre.
A FS apontou que o principal motivo foi o aumento do capital de giro: "resultado dos pagamentos de milho que foram postergados de trimestres anteriores", diz a nota oficial.
Ao final do primeiro trimestre de 2025, a dívida bruta total atingiu R$ 10,2 bilhões e o caixa, R$ 3,8 bilhões. Com isso, a dívida líquida foi 27,4% superior ao primeiro trimestre e 19,6% superior ao quarto trimestre de 2024.
De um trimestre para outro, a dívida líquida da companhia aumentou R$ 1,05 bilhão e bateu R$ 6,4 bilhões.
Somado a isso, a XP pontua que a empresa reportou um “risco sacado” (linha de crédito que possibilita fornecedores anteciparem os recebíveis com vencimentos futuros) de R$ 1,3 bilhão, classificado na conta de fornecedores e que não compõe o seu índice de alavancagem.
“A maior parte deste valor estava classificado no curto prazo, o que deve pressionar a sua necessidade de capital de giro no trimestre seguinte, se a posição não for refinanciada”, destaca o relatório feito pelo time XP.
A corretora vê uma estrutura de capital frágil na FS, que possui um patrimônio líquido (PL) negativo em relação ao preço de seus ativos.
“Indicadores em relação ao PL das empresas são comumente utilizados na análise da saúde financeira das companhias, no intuito de averiguar o quanto da operação é suportada por capital próprio”, diz a análise.
Neste sentido, ela acredita que o indicador pode enfraquecer suas métricas de crédito perante credores, e afetar refinanciamentos no médio prazo.
“Considerando a evolução do Ebitda dos últimos doze meses, utilizado no cálculo do endividamento, acreditamos que o pico de alavancagem deve ser atingido entre o trimestre atual e o próximo. Depois disso, pode ocorrer o início da desalavancagem a partir do final do ano corrente, direcionada pela queda do custo com o milho, aliada ao maior volume processado devido à nova planta de Primavera do Leste”, destaca outro trecho do relatório.
As analistas ainda pontuam que os covenants da FS, compromissos de contratos de financiamento ou empréstimos que servem para proteger os interesses de credores, preveem uma alavancagem menor ou igual a 3 vezes.
Com isso, a empresa pode ter captações e distribuições de dividendos restritas – afinal, a alavancagem do último balanço estava mais que o dobro previsto do convenant (7,4x).
Apesar disso, o cronograma de dívidas da empresa é “alongado”, segundo a XP, e a projeção de reduzir investimentos somada a um preço do milho em patamares mais baixos podem ajudar a saúde financeira da FS nos próximos meses.
“Ressaltamos, no entanto, a importância de equacionar o patamar elevado do índice, de forma a melhorar sua flexibilidade financeira”, diz o texto.
O time da XP ainda vê a FS com muita concentração de clientes. “Os principais compradores de etanol das usinas são distribuidores de combustível, que podem comprar tanto etanol anidro, para misturar com gasolina, quanto o etanol hidratado, para distribuição nas estações de venda a retalho”.
Segundo ela, a FS vendeu para cerca de 49 clientes diferentes, e as três principais distribuidoras de combustível do Brasil (Raízen, VIBRA e Paranapanema) corresponderam, respectivamente, a 53,8%, 14,5% e 7,6% de sua receita operacional bruta de etanol.
Os próximos da lista compraram cerca de 4% da produção, fazendo com que 84,3% da receita da venda de etanol esteja concentrada em cinco players.
Mas nem tudo é preocupação. A análise também menciona pontos positivos. Destaca que a dívida da FS é bastante alongada e que ter suas plantas em Mato Grosso, maior produtor nacional de milho, é um diferencial para garantir matéria-prima em preços mais competitivos.
Horas depois da publicação desta reportagem, a XP informou ao AgFeed que o relatório que aparecia com data de 14 de outubro era na verdade uma publicação do dia 10 de setembro e que providenciaria a correção da data.
As percepções da XP sobre perspectivas de recuperação da FS coincidem com a visão da Fitch. Do ponto de vista financeiro, a agência argumentou que a manutenção das notas considerou a expectativa de recuperação da margem operacional da companhia no ano fiscal de 2025 (a ser encerrado em março de 2025), impulsionada por volumes mais altos da nova planta em Primavera do Leste e margens de Ebitda aumentadas devido aos menores custos do milho.
A agência também considerou a capacidade de a FS manter “flexibilidade financeira satisfatória para endereçar seus próximos vencimentos de dívida, além de possuir diversificado acesso a recursos junto a bancos e mercado de capitais”.
Ponderou, porém, “a necessidade crucial de melhoria dos indicadores operacionais da companhia para evitar ações de rating negativas, já que não há margem para a sensibilidade da alavancagem devido ao seu patamar atual elevado (de 9,5x, conforme critérios da Fitch).