A disparada no preço do café, tanto no mercado internacional quanto no Brasil, em função do câmbio, fez a alegria de produtores que conseguiram comercializar o grão, mas deixou muitas tradings e cooperativas numa difícil situação financeira.

Poderia ter ocorrido o mesmo com a Cocapec (Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas), fundada há 40 anos, em Franca, interior de São Paulo, hoje uma das maiores do País no café.

A cooperativa atua em uma área de 100 mil hectares de café, com 8 unidades distribuídas nos estados de São Paulo e Minas Gerais. São 3 mil associados.

O faturamento em 2024 chegou a R$ 2,12 bilhão, um aumento de 39% na comparação com o ano anterior, quando a receita foi de R$ 1,53 bilhão.

Mas na lógica do café, onde se compra antecipado, se faz operação de hedge nas bolsas e é necessária muita disciplina financeira, não adianta apenas ter receita mais alta. É preciso ter margem e, acima de tudo, caixa.

Em entrevista ao AgFeed, o vice-presidente da Cocapec, Saulo Faleiros, provocou essa reflexão. Disse que mais do que buscar aumento de receita – o que pode ocorrer artificialmente, só pela variação do preço das commodities - tem investido em melhorar outros indicadores, como a margem da cooperativa e o market share.

A Cocapec calcula que, em média, esteja recebendo em torno de 48% de toda a produção de café das áreas em que atua.

“Um indicador que eu persigo é o Ebitda da cooperativa mesmo e o crescimento em faturamento de segmentos que não são a commodity em si, mas, por exemplo, venda de máquinas, venda de peças, venda de insumos”, disse.

O grande diferencial da cooperativa foi o fato de ter modernizado a gestão nos últimos anos e conseguir agora, em tempos de aperto financeiro para muitos concorrentes, ter aquilo que se chama de “menor exposição”.

O AgFeed mostrou recentemente o caso da Montesanto Tavares, uma das maiores exportadoras de café do Brasil, que teve seu pedido de recuperação judicial aceito na semana passada.

O principal motivo da crise da empresa foi o fato de ter comprado o café dos produtores de forma antecipada, quando os preços estavam bem mais baixos, e depois não conseguir receber o café, já que o preço havia triplicado e problemas climáticos reduziram a produção.

Alguns cafeicultores não entregaram o produto porque não tinham, mas se sabe que muitos preferiram vender para outro e conseguir alcançar a receita muito mais alta que o mercado sinalizava agora.

Esse é um problema que afetou todas as empresas e cooperativas do setor, algumas em maior grau, outras menos afetadas.

Saulo Faleiros explicou ao AgFeed como funciona a negociação com os cafeicultores. O produtor procura a cooperativa e fixa um preço futuro, mas não chega a entregar produto, nem recebe dinheiro, já que isso será feito posteriormente, no prazo de 1 ou até 2 anos.

Um produtor que fez esse contrato de entrega futura em julho de 2023, por exemplo, teria vendido por R$ 819 a saca (é como estava o indicador Cepea na época). Se a data da entrega fosse fevereiro de 2025, ou seja, menos de dois anos, ele teria que entregar por aquele valor, mas veria o mercado à vista praticando o preço daquele mês, em quea saca estava cotada a R$ 2.627. O sentimento é de que “perdeu” essa valorização no período, de 221%.

“Imagina o tanto que é tentador. Pegar sua saca de café e fazer, em alguns casos, o triplo do dinheiro”, conta o executivo da Cocapec, ao descrever a postura que alguns produtores acabaram adotando.

“Acontece que a cooperativa, quando comprou o café (do produtor) por R$ 1 mil, também vendeu o café para alguém. E ela pode ter vendido, por exemplo, a R$ 1,1 mil. A margem dela é 100 reais”, explicou.

Neste caso hipotético, para cumprir seu contrato de exportação, uma cooperativa teria que comprar o café no mercado por R$ 2 mil e realizar um prejuízo de R$ 900 por saca.

O vice-presidente da Cocapec diz que o trabalho mais árduo foi “separar o joio do trigo”, que era saber qual produtor de fato não tinha colhido o café, afinal a seca atingiu várias regiões produtoras, e ver quem estava, na verdade, vendendo para outros para ganhar mais dinheiro.

Muitas empresas, segundo ele, acabaram postergando as entregas. Mas o tempo foi passado e o café subia ainda mais, complicando a situação, com mais inadimplência.

Na Cocapec, o executivo diz que em 2022 chegou a ter uma exposição muito grande ao problema.

“Em 2022, nós tínhamos uma exposição de 600 mil sacas de café que estavam vendidas a um preço médio de R$ 650,00 no momento em que o mercado trabalhava na casa dos R$ 1.400,00. Então, ali eu tinha R$ 750,00 por saca de exposição. Se esses produtores não me entregassem, eu teria que pôr esse dinheiro para comprar o café para entregar para os meus clientes”, conta.

Ele explica também como conseguiu solucionar o problema. “Eu tenho toda a área dos meus três mil cooperados georreferenciada, com previsão de safra, com acompanhamento técnico e tudo mais. Eu nunca tive dúvida se o produtor tinha o café ou não tinha o café”, afirma.

No caso em que se identificava dificuldades do produtor, a cooperativa tentava ajudar. Já quando se tratava de “má fé”, a abordagem foi mais firme. Em casos extremos houve arresto do café na propriedade.

“Dentro da nossa política de gestão de risco, nós tínhamos uma exposição, mas a gente conseguiu resolver isso muito rápido, com uma série de ações que nós fomos fazendo dentro da cooperativa, acessando o produtor, buscando as informações, negociando com ele. De modo que, de 2202 para 2023, a gente já foi com pouquíssima inadimplência”, ressaltou.

Faleiros diz que no mercado em geral, em função das postergações feitas pelas empresas naquela época, sabe de casos de tradings que ainda têm contratos com produtores em que o café foi vendido por R$ 600. A cotação do Cepea da última sexta-feira, 21 de março, estava em R$ 2.553 por saca.

Com todas as medidas que foram adotadas, a Cocapec calcula que os casos de não entrega do café foram praticamente zerados. “Justamente por todo conhecimento que a gente tinha dos nossos cooperados e como a gente fez a nossa análise de crédito aqui”.

Sede da Cocapec, em Franca (SP)

Ele diz que muitos no mercado foram comprando o café sem medir o risco, sem fazer análise de crédito e sem saber se o produtor de fato teria o grão para entregar. São aqueles que agora mais sofrem.

O outro lado do drama do setor é que, além de não ter o café suficiente para exportar e ser obrigado a comprar por preços muito mais altos do que aqueles acertados no contrato de exportação, esses players também utilizam mercados futuros e precisaram desembolsar caixa para cobrir a diferença nos ajustes diários, toda vez que o preço do café disparava ainda mais.

Na bolsa, o prejuízo já sai da conta da empresa ou cooperativa, afinal se deposita a margem de garantia, que cobre o chamado ajuste diário. “Isso vai subindo diariamente, o ajuste diário vai tirando do caixa para bancar essa operação”, reforça Faleiros.

Ele explica que chega um momento em que o caixa já não é suficiente e é preciso usar recursos do banco. Mas o café foi subindo tanto, demandando recursos, sem essa garantia de entrega futura, que as instituições acabaram interrompendo o financiamento para essas empresas.

“Você imagina que hoje, se uma empresa compra duas sacas de café, uma futura e uma presente, no spot, é tranquilo ter que estar colocado em uma operação dessa uma grandeza de R$ 5 mil. Então, o consumo de caixa é violento. No ponto em que você tem uma ascensão de taxa de juros global, dinheiro custando mais, você tem ainda todas as operações atreladas em dólar, então você sofre com essa desvalorização do nosso dinheiro”, explica.

A boa notícia é que também no tema do mercado futuro a Cocapec diz estar superando com tranquilidade. A cooperativa calcula que a exposição tenha caído para 380 mil sacas

Além disso, a Cocapec acabou optando por deixar de operar diretamente na bolsa e agora atuar por intermédio de “boas instituições financeiras”. “O banco ele me cobra uma pequena taxa, mas ele faz o margeamento da operação para mim e não o meu caixa”.

O fato de ter conseguido receber o café, mantendo uma gestão de riscos, reforçou uma oferta de crédito mais do que suficiente por parte dos bancos para a cooperativa.

A cooperativa diz que tem em torno de 30% do café que vai receber já comprometido em mercados futuros, uma informação que é importante nessa relação com os bancos.

“O produtor ainda tem 70% da sua produção para vender num preço mais alto e aproveitar as oportunidades e a cooperativa, por sua vez, já tem uma parte do café originado por 30%, porém sem tomar um risco muito grande”, diz ele. Outros players no mercado teriam vendido de 50% até 90% e depois a colheita não vem.

“O que mais nos trouxe aqui até agora com sucesso é a gente não vender mais do que a gente acha que é saudável vender”, destacou.

Para 2026, a Cocapec diz ter menos de 5% vendidos em relação à colheita esperada. Ainda assim, ele ressalta que o mercado futuro é e seguirá sendo uma ferramenta fundamental para o produtor e para as empresas, algo que não pode cair “no descrédito” em função dos problemas recentes.

O executivo conta que recentemente recebeu a visita de juízes, de um curso de pós-graduação, que buscavam entender a gestão de uma cooperativa como a Cocapec.

“Mostramos a importância das ferramentas para o agronegócio. Nós vamos resolver problema de variação de preço de commodity sempre com gestão de mercado futuro. E problemas climáticos é com seguro agrícola. Não vamos resolver problema de frustração de safra e de variação de preço indo pra recuperação judicial no agronegócio. Vamos resolver isso com boa gestão”, defende.

A opção mais difícil

Saulo Faleiros está na Cocapec há 20 anos, mas somente em 2016 assumiu a gestão (antes atuava na área de assistência técnica). Ele lembra que, naquele período, houve uma necessidade de profissionalizar as cooperativas do País.

“Antes basicamente a gente recebia o café do produtor, armazenava, classificava e vendia esse café para as tradings, de uma forma menos processada, quase que da mesma forma que ele vinha da propriedade. E toda a financeirização do nosso negócio, como costumo dizer, estava na mão de grandes tradings”, lembra.

Foi então que perceberam um movimento das grandes empresas exportadoras de se aproximar mais da produção e acessar diretamente o cafeicultor. Quem antes era cliente passava a ser concorrente, portanto, era necessário reagir.

“A cooperativa tem dois caminhos. Ou ela profissionaliza toda a estrutura e passa a formar preço e não somente tomar preço de café, ou ela encerra a atividade comercial de café e só armazena”, diz. “Nós decidimos o caminho mais promissor, porém mais difícil, que é o da profissionalização. Então, ali nós começamos a montar toda a nossa mesa de operações de café”.

Os gestores da cooperativa buscaram conhecimento sobre hedge, opções, derivativos em geral e passaram a fazer toda a gestão de risco, com barter e fixação futura, por exemplo.

Faleiros diz que ajustou áreas financeira e contábil, contratou a PwC não apenas para auditoria, mas também como consultores para melhorar processos. Antes era um administrativo que cuidava de quase tudo. Com a mudança, foram criadas novas áreas como RH, financeiro, TI (com foco na digitalização) e ESG.

“O fato é que nós saímos de três gerências para oito gerências, mas sem inchar a cooperativa, e sim profissionalizando as áreas para que nós pudéssemos ser mais eficientes”, diz.

“Então crescer na exportação, crescer nas áreas de faturamento de lojas, crescer no market share de café, crescer em tudo isso, na parte de gestão do risco, envolveu todo esse processo de melhoria que começou na mesa de operações de café e foi se desdobrando para as demais áreas da cooperativa”.

Perspectivas futuras

A expectativa da Cocapec é receber, em 2025, o mesmo volume de café do ano passado, que ficou em torno de 1,1 milhão de sacas.

Por outro lado, a cooperativa espera um aumento no volume de vendas de insumos, que pode ter uma receita 10% maior. Os insumos representam 25% do faturamento da Cocapec.

O vice-presidente prefere não fazer previsões sobre a receita total, diz que vai depender muito do comportamento dos preços do café.

Quanto às perspectivas de mercado, ele avalia: “Nós vivemos uma crise de oferta de café a nível global. Estamos produzindo menos, mas vendendo a preço mais alto, portanto o saldo na minha visão é positivo para o cafeicultor. Essa situação deverá se estender ainda por um período à frente, porque a gente não vai conseguir diminuir esse déficit de café apenas com uma safra no Brasil”.

A expectativa é que sejam mantidos “bons preços, talvez não tão elevados” por pelo menos mais dois anos.

“Vejo o produtor com capacidade de investir. Ele se capitalizou, melhorou muito o negócio. Com mais margem, ele sobe muito o nível de tecnologia, está investindo bastante em busca de aumento de produtividade, agora tendo a possibilidade de expandir um pouco mais a área de produção”, afirma.

Na outra ponta, com preços tão altos, há preocupações com uma mudança no consumo. “É um ponto que estamos muito atentos, mas outro lado vemos outras regiões do mundo, principalmente a Ásia, aumentando o consumo de café”.

Faleiros alerta, no entanto, que tem reforçado aos cooperados para “cuidar com a ressaca da festa”.

Cita o exemplo do que ocorreu com muitos na soja. “Quando a margem é muito alta o nível de gestão cai, as pessoas investem mais e lá na frente o contexto pode ser diferente, visto que o café é cultura de longo prazo e o Brasil ainda tem muitas instabilidades econômicas”.

Outro destaque positivo para 2025 deve ser a exportação de café feita pela própria cooperativa. Faleiros diz que, historicamente, exportavam no máximo 85 mil sacas e que, no ano passado, o volume embarcado chegou a 200 mil sacas. O crescimento de mais de 100% deve se repetir esse ano, segundo ele.

“Com toda essa elevação do preço de café você vê os elos da cadeia se movimentando. Então você vai ver a indústria tendo o desejo de chegar um pouco mais próximo da produção e obviamente a produção se organizando para chegar um pouco mais próximo da indústria, o que também explica o aumento na exportação”, explica.

Investimentos

Entre as prioridades estratégicas está também a expansão da área de atuação, com a abertura recente de duas novas unidades em Minas Gerais, uma em São Tomás de Aquino e outra em Itamogi.

Os novos investimentos passam por melhorias de processos e controles e também por estruturas físicas como usina e processamento de café.

A previsão é investir R$ 50 milhões esse ano. “É pouca coisa pelo faturamento da cooperativa, mas é para solidificar expansões que já fizemos e crescer ainda mais o nosso market share. Nossa estratégia não é sair expandindo a qualquer custo e sim consolidar o que planejamos fazer”. No ano passado foram investidos R$ 30 milhões.