Maior produtora mundial de proteína de soja concentrada (SPC, na sigla em inglês), a CJ Selecta tem crédito, mas não tem pressa. Controlada, há pouco mais de cinco anos, por um dos maiores grupos sul-coreanos, o CJ Cheiljedang, a empresa com sede no Triângulo Mineiro tem recebido atenção especial de bancos internacionais em função de seus bons indicadores socioambientais, mas guarda cautela ao dar sinal verde para projetos de crescimento.
O avanço em processos de rastreabilidade e certificação da soja que processa abriu caminho para a empresa acessar mais facilmente o crédito internacional atrelado a práticas ESG.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o CFO da CJ Selecta, Vinícius Melo, falou sobre uma recente operação fechada com o banco JP Morgan, em uma linha verde, que envolveu checagens sobre os processos de sustentabilidade já adotados, além de comprometimento com redução ainda maior na pegada de carbono ao longo do sistema produtivo.
O valor da transação não foi divulgado, mas o CFO garante que foi "com uma taxa de juros subsidiada, sendo a primeira do tipo feita pelo JP no agro da América Latina, já que poucos conseguem ter acesso a isso”.
O dinheiro é destinado ao capital de giro da companhia, que processa 730 mil toneladas de soja por ano e, em função do calendário da safra, desembolsa mais ao adquirir a matéria-prima no primeiro semestre e fatura mais quando recebe pelas exportações ao longo do segundo semestre.
Contou a favor da CJ Selecta o fato de já ter 100% dos fornecedores diretos de soja com rastreabilidade e 80% dos indiretos “em programas de engajamento para que se comprometam em rastrear”, disse a gerente de ESG da CJ Selecta, Patrícia Sugui.
As certificações são facilitadas porque 40% da soja originada na empresa é não transgênica, um nicho já acostumado com os processos de rastreabilidade e segregação, com pagamento de diferencial (prêmio) sobre o grão não-GMO (não-geneticamente modificado).
A executiva destacou que o principal foco do trabalho é o baixo carbono baseado na redução do desmatamento e a CJ tem o diferencial de não mais trabalhar com fazendas do bioma amazônico, em que áreas foram abertas mais recentemente – uma exigência mais recente dos europeus.
Sugui revelou que o JP Morgan checou os indicadores (KPIs) já existentes na CJ Selecta com base nos chamados ODS, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
"Foi verificado que, enquanto a média da soja no Brasil emite 6 kg de CO2 para 1 tonelada de produto, na CJ este índice estava em 1,9 kg para 1 kg de produto, ainda assim nos comprometemos em reduzir em mais 20% este valor”, explicou.
O principal produto da CJ Selecta é o SPC, um farelo de soja com alta concentração de proteína que é exportado principalmente para a Noruega e para o Chile, mercados que utilizam o produto na ração das fazendas de produção de salmão.
Planos de crescimento
Ao mesmo tempo, a empresa se orgulha em dizer que "aproveita tudo”, já que a cada 1 tonelada de soja que processa, gera 1 tonelada de subprodutos, o que inclui itens como casca peletizada, lecitina de soja, óleo refinado e até etanol.
No óleo, a CJ Selecta tem um contrato com a Unilever para fornecer a matéria-prima usada na fabricação da maionese Hellmann’s.
Já o melaço da soja, que no passado já foi descartado, primeiro foi destinado ao mercado de pecuária, depois também passou a ser usado em fertilizantes e, a partir de 2021. virou matéria-prima para produzir etanol.
A gerente de ESG da CJ Selecta disse que vem conversando com a ANP para definir critérios que permitam a empresa participar do mercado de CBIOs. “As regras estavam claras para cana-de-açúcar, estamos alinhando no caso do etanol de soja", disse.
"Antes precisávamos de álcool para produzir o SPC, agora atendemos nossa necessidade e ainda vendemos o produto ao mercado”, diz Vinícius Melo.
O CFO da CJ Selecta diz ter vários projetos de investimentos prontos que estão em "stand by”, aguardando o sinal verde dos acionistas sul-coreanos.
"São projetos com payback de dois anos, fáceis de implementar", ressalta.
Melo afirma que poderia ter tomado junto ao JP Morgan três vezes mais do que foi contratado, porque os recursos estavam aprovados. Também relata negociações avançadas em linhas verdes com o Itaú e Rabobank e diz só não ter usado porque ainda não houve a necessidade. Segundo ele, são recursos que podem ser usados nestes projetos de investimento.
Um dos planos é aumentar em 20% a capacidade de esmagamento da indústria, sem construir novas plantas, apenas ampliando a atual estrutura com novas linhas de produção, o que poderá ocorrer "até o final de 2024".
Outro projeto prevê expandir a produção de etanol de soja dos atuais 9 mil metros cúbicos para 20 mil metros cúbicos. Produzir lecitina a partir de melaço é outro plano que está estaria pronto para ser implementado.
"Nosso controlador é o sétimo maior grupo da Coreia do Sul e, em função ainda da ressaca da pandemia, este ano enfrentou restrições para aumentar o endividamento, o que acabou nos obrigando a adiar estes investimentos”, explicou o CFO.
Ele garante, no entanto, que o endividamento da CJ Selecta é muito baixo e que a demanda pelos produtos que vende é crescente, já que há um tempo "estamos operando no limite de nossa capacidade de esmagamento".
Uma alternativa para aumentar a capacidade de esmagamento enquanto os investimentos não são definidos poderá ser uma mudança nas paradas técnicas para manutenção. Melo diz que como sul-coreanos investiram muito em equipamentos e processos “estão avaliando não fazer a parada de janeiro todos os anos e sim a cada dois anos, para aumentar capacidade de esmagamento”.
A CJ Selecta também já teve atuação mais forte na exportação de soja em grão. A empresa assinou em 2018 um contrato de 20 anos com a VLI que favorecia esta atuação.
"A linha da VLI passa dentro da nossa fábrica em Araguari (MG), então tem uma logística muito boa, o volume do contrato take or pay era bem acima do que a gente produzia, então fazíamos também este trade de soja", disse Melo.
Esta exportação ocorreu até meados de 2022, quando a CJ Selecta chegou a originar 1 milhão de toneladas, contando com o volume que esmaga. Mas a exportação do grão foi praticamente nula este ano em função de uma orientação do acionista, de que não era o "core business” da CJ Selecta.
Chance de um novo sócio
A antiga Selecta foi comprada pelo grupo sul-coreano CJ entre 2017 e 2018. De tempos em tempos, tem o nome envolvido em rumores de uma possível venda para outros grandes grupos internacionais da soja.
No início de 2022 o mercado dava como certa a venda para tradings como ADM, Cargill ou Bunge, mas no final do ano a CJ teria desistido de se desfazer da empresa brasileira.
O faturamento da CJ Selecta em 2022 foi de US$ 905 milhões, 30% acima do ano anterior. Já em 2023, em função da queda nos preços da soja e seus derivados, é possível que a receita volte aos níveis de 2021, admitiu Melo.
As possibilidades de crescimento são consideradas enormes em função das margens bem mais altas que produtos como a lecitina de soja, por exemplo, podem oferecer, na comparação com os players que trabalham apenas com a soja em grão.
"Dependendo das condições de mercado, nós direcionamos mais ou menos foco para cada um destes produtos que fazem parte do mix”, ressaltou.
O rumor mais recente, de 2023, é de que a Bunge estaria negociando a possibilidade de adquirir uma participação na CJ Selecta.
Vinícius Melo disse ao AgFeed que está finalizando esta semana o orçamento de 2024 que ainda este mês haverá um workshop envolvendo os principais gerentes, que vão apresentar seus projetos futuros, independentemente dos rumores de venda que voltaram ao mercado.
"Portanto, estamos tocando o negócio. Se tiver um parceiro, se tiver uma joint-venture, a gente não vai sofrer, já aprendemos com a experiência passada".
Mercado da soja não transgênica
Uma das iniciativas bem-sucedidas da CJ Selecta, que ajudou a reforçar o reconhecimento ESG junto às instituições internacionais, é o programa de incentivo à produção de sementes de soja não transgênica – algo necessário uma vez que este tipo de soja já representou 50% do esmagamento da empresa.
Em torno de 1000 produtores de soja convencional estão cadastrados em um aplicativo chamado de "SoyTrace” que permite ao cliente acessar informações da fazenda que produziu determinado lote de soja, além de dados de impacto social no município em que está localizado.
Para usar menos soja do Bioma Amazônico e garantir que reduzir os impactos negativos "da mudança do uso da terra", outra estratégia têm sido incentivar o plantio da soja convencional em Minas Gerais e Goiás, por meio de um programa que financia as sementes e incentiva pesquisas com novas cultivares.
"Já desenvolvemos 26 cultivares em cinco anos, com a Embrapa e Fundação Meridional, e ampliamos a área de sementes nos dois estados de 9 mil hectares para 95 mil hectares entre 2018 e 2022”, disse Patrícia, gerente de ESG.
A dificuldade na safra 2023/24 deve ser a possibilidade de ter menos soja convencional disponível. Como no início do ano produtores chegaram a ficar sem prêmio, quando o preço da soja caiu muito, houve um desestímulo para seguir investindo em lavouras não transgênicas. Historicamente, o prêmio é de 15% acima a soja geneticamente modificada.
Mesmo assim, Vinícius Melo garante que ainda há bom estoque do produto, com a empresa se antecipando em relação a eventuais problemas no ano que vem.
"Não há como prever o que vai acontecer com o mercado em 2024, mas já estivemos mais otimistas do que agora", acrescentou.