Em um mercado de grãos marcado pela expectativa de uma safra recorde nos Estados Unidos, que começa a ser colhida, a cadeia observa possíveis sinais que poderão afetar os preços dos grãos no curto e médio prazo.
Na visão da Cargill, uma das maiores do mundo em alimentos e commodities, uma possível volatilidade nos preços dependerá do avanço da safra brasileira de soja, que já começa a correr riscos por causa do tempo seco.
Em algumas regiões já terminou o vazio sanitário, o que viabilizaria o início do plantio da soja. Mas o clima seco, resultado de um padrão prolongado de inverno sem chuvas, pode afetar o início do plantio da oleoginosa no País, que costuma ganhar força na segunda quinzena de setembro.
A perspectiva, no entanto, é de que este ano a semeadura atrase em algumas regiões, devido à baixa umidade do solo.
"A previsão já nos mostra que as chuvas vão chegar um pouco mais tarde do que o normal. Nas próximas duas ou três semanas, não há previsão de entrada de chuvas super fortes, então isso vai empurrar o plantio um pouco para frente", avaliou Paulo Sousa, presidente da Cargill em conversa com o AgFeed durante o Agro Summit, promovido pelo Bradesco BBI.
Ele ressaltou que essa é uma questão a ser monitorada nas próximas semanas, pois caso haja um atraso estendido, uma maior volatilidade poderá ser observada nos preços a partir de meados de outubro. Isso alteraria o atual cenário das cotações que caminham de "lado para baixo".
O executivo avalia que o atraso no plantio brasileiro não significa que haverá um comprometimento da safra no País. Apesar de ver uma desaceleração na expansão de área, a Cargill não acredita que haja uma redução. "Nós continuamos vendo o crescimento da área plantada, porém, num crescimento menos rápido do que tivemos nos últimos anos", afirmou Sousa.
Paulo Sousa também afirmou que uma mudança no atual cenário de preços para a soja pode ser influenciada, por exemplo, pela demanda da indústria de proteína animal.
"O pessoal de frango está se dando super bem, a margem (do setor) hoje é muito boa. A tendência de aumento dos alojamentos de frangos é um sinal de que vai aumentar a demanda por soja", disse.
Demanda chinesa não está fraca
Outro fator crucial para o mercado da soja é a demanda chinesa. Atualmente, o País asiático compra cerca de 70% do grão produzido globalmente e está ciente dos estoques de soja "confortáveis" no Brasil, além da tendência de maior oferta nos EUA. Esse fator faz com que Pequim alongue sua posição compradora, passando a impressão de uma baixa demanda.
Paulo Sousa afirmou que a demanda chinesa não está ruim, porém não estão "tão pujante quanto já esteve no passado".
O mercado está atento a possíveis compras em larga escala por parte da China, que podem ocorrer de forma inesperada e em grandes volumes. Esse tipo de movimentação, que pode ocorrer em um curto espaço de tempo, tende a gerar uma rápida reação no mercado e aumentar a volatilidade dos preços.
"Quando o mercado está quente, a China entra comprando 10 navios de soja, o que representa meio milhão de toneladas. Isso pode acontecer em alguns cenários específicos, quando eles percebem que é hora de aumentar a cobertura", explica o presidente da Cargill.
Escoamento pelos portos do Arco Norte
A seca e os baixos níveis dos rios no Amazonas têm impactado a logística no Norte do Brasil, afetando especialmente as rotas fluviais que são cruciais para o transporte de grãos e outros produtos.
O presidente da gigante global de commodities admitiu que a situação tem dificultado o transporte via barcaças em rios como o Madeira, em Porto Velho-RO, e o Tapajós, em Itaituba-PA.
Ele afirma não ter interrupção no fluxo de exportações, porém, com a eficiência comprometida. Souza mencionou que, devido aos baixos níveis dos rios, as barcaças estão sendo carregadas com volumes significativamente menores, o que eleva os custos de transporte.
Como alternativa, muitos produtos que antes seguiam por via fluvial estão sendo redirecionados para transporte rodoviário.
“Em alguns casos, como o nosso caso, nós usamos o acesso rodoviário para Santarém. Não é o acesso favorito porque preferimos mandar para a barcaça, mas, já que o rio não permite mandar tudo o que a gente gostaria, mandamos de caminhão”, aponta Sousa ao garantir que, apesar dos desafios, não há perda de exportações. Quando questionado sobre o impacto financeiro dessa mudança, Paulo preferiu não entrar em detalhes.
Moratória da Soja
Além dos desafios climáticos, o setor também enfrenta questões jurídicas relacionadas à moratória da soja.
Nesta semana, o Cade atendeu ao pedido da deputada Coronel Fernanda (PL-MT) para iniciar uma investigação sobre a atuação das empresas signatárias da moratória.
O acordo proíbe a aquisição de soja produzida em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008 no bioma Amazônia e foi firmado há quase duas décadas por algumas das principais tradings de commodities agrícolas no Brasil, incluindo ADM, Cargill, Bunge e Amaggi.
A deputada Coronel Fernanda alegou que essas empresas estariam utilizando a moratória de forma cartelizada, o que prejudicaria a concorrência livre e o acesso dos agricultores ao mercado.
Durante a conversa com o AgFeed, Sousa, que além de presidir a Cargill também atua como vice-presidente do conselho da Abiove, disse que qualquer posicionamento em relação a moratória é realizado através da entidade representativa das tradings.
Ao ser questionado em relação aos projetos de lei em estados como Rondônia e Mato Grosso, onde se propõe a retirada de incentivos fiscais para empresas que aderem à acordos comerciais, como a moratória, Sousa avaliou "como um risco que todo mundo quer evitar".
"Ninguém quer que haja impacto fiscal, ou seja, que políticas corretas de meio ambiente venham causar prejuízo fiscal", afirmou.