Se o agronegócio está cada vez mais tecnológico, com produtores gerindo verdadeiras estruturas empresariais, é natural que o setor esteja cada vez mais profissionalizado. E as cooperativas agropecuárias não escapam dessa tendência.
O movimento mais recente aconteceu na C.Vale, cooperativa com sede em Palotina, no Paraná e que atua em toda a região Sul, além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e também no Paraguai.
Reunidos em Assembleia Geral Extraordinária realizada nesta semana, os associados decidiram adotar um novo modelo de gestão para a C.Vale. A partir do próximo ano, eles vão escolher o conselho administrativo, incluindo o presidente e mais oito membros.
O presidente do conselho será o responsável por contratar um CEO profissional, além da diretoria executiva. Segundo o presidente da C.Vale, Alfredo Lang, que está na cooperativa há 47 anos, a reforma do modelo administrativo faz parte de um plano de modernização da cooperativa.
O novo gestor executivo poderá ser um profissional de dentro da própria cooperativa ou contratado no mercado, de acordo com o atual presidente.
“Em síntese teremos duas frentes, uma diretoria administrativa para planejar o futuro da cooperativa e uma diretoria executiva que vai colocar em prática o que o quadro social definiu”, diz o Lange.
A cooperativa, que está entre as três maiores do País, com receita superior a R$ 22 bilhões, possui atualmente 26 mil associados, com 188 unidades de negócios e 13 mil funcionários. A C.Vale atua na produção de diversas culturas, desde soja e milho até pecuária leiteira e peixes, além de ter mais de 400 profissionais especializados para atender os cooperados.
Uma estrutura similar a muitas grandes corporações de outros setores. Por isso, a tendência de profissionalização é praticamente uma “lição de casa”, como define um especialista que prefere não se identificar.
“É um movimento que vemos não só no agronegócio e também não fica restrito às grandes cooperativas. É um caminho natural que vai se disseminando”, afirma o profissional.
Dois fatores, segundo o especialista, têm acelerado esse processo de profissionalização. Além das metas de governança, sociais e ambientais, conhecidas pela sigla ESG, o momento mais difícil para o agronegócio também aumenta a relevância da boa gestão.
“O ESG tem influência, mas não está no centro das motivações. As questões econômicas, com margens mais apertadas nas principais culturas, levam a uma preocupação maior com a administração das cooperativas”, diz.
Ele conta que esteve em um encontro com o presidente do Sistema Ocepar, que representa as cooperativas do Paraná, e o grande tema foi a gestão. “Fizemos palestras para as cooperativas tratando do tema, que é de muita relevância quando se pensa no longo prazo”.
Outras grandes cooperativas já adotam um modelo profissional de gestão. É o caso da Holambra Cooperativa Agroindustrial, que em junho foi buscar Matheus Cotta de Carvalho, que antes de ser contratado como CEO da cooperativa, passou por empresas como Copersucar e Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), além de bancos.
Maiores do país em número de associados, a paulista Coopercitrus já adota o modelo aprovado essa semana pela C.Vale, com conselho de administração e diretoria executiva, comandada por Fernando Degobbi.
Segundo Eça Correia, co-head de agronegócios da gestora EQI Asset, a profissionalização é mais geral no agronegócio. “A vantagem da cooperativa é que ela tem uma estrutura de hierarquia já estabelecida, com maior organização dos cooperados”.
Um ponto importante levantado por Correia é a transição de gerações dentro das cooperativas. “É um momento de passagem de bastão, já que o movimento cooperativista ganhou força a partir da década de 1980”, lembra.
Lang faz parte da geração responsável por esse salto, ao lado de nomes como José Aroldo Galassini, que por mais de cinco décadas comandou a Coamo, de Campo Mourão (PR), maior do País em receita – hoje presidente o Conselho, com Airton Galinari atuando como presidente executivo.
Este ano, Lang enfrentou um dos momentos mais difíceis de sua longa gestão na C.Vale. Em agosto, uma explosão em uma unidade de recebimento de grãos da cooperativa em Palotina resultou em 10 mortes.
Correia afirma que a geração que assume agora as rédeas das cooperativas tem maior preparo acadêmico, viajou mais, conhece outros modelos de negócios.
“Eles acabam vendo uma maior governança na gestão como algo básico dos negócios, com contribuição da tecnologia e da digitalização das empresas”, diz Correia.
“Esse movimento é, de certa forma, imposto pelo mercado. As cooperativas concorrem com grandes empresas nacionais e multinacionais. Para que se mantenham competitivas, as cooperativas precisam modernizar a gestão e a governança”, afirma Gustavo Mendes, cofundador da Coonecta, empresa de conteúdo e atualização profissional para cooperativas.
Ele afirma que o movimento não está mais limitado às grandes cooperativas. “As médias e as pequenas também têm que se adaptar às exigências. Elas já perceberam que sem modernização não tem perenização”, afirma Mendes.
Dieisson Pivotto, pesquisador e professor da Atitus Educação, lembra que as cooperativas não podem ter conselheiros independentes, por exemplo. “Por isso, a profissionalização via contratação de executivos é o caminho adotado nos últimos anos por várias cooperativas, para melhorar a governança”.
Ele afirma que esta mudança ocorre também por pressão de outros agentes importantes para os cooperados, como bancos que fornecem crédito e compradores no exterior.
“Claro que é necessário manter a cultura cooperativista, para que o cooperado continue tendo benefícios na relação. Nos Estados Unidos, já aconteceram casos em que as cooperativas acabaram virando empresas de Sociedade Anônima, acabando com a identidade deste tipo de atividade”, diz Pivotto.