Bento Gonçalves (RS) - De cada dez garrafas de vinho consumidas no Brasil, apenas uma é nacional. Com uma fronteira seca imensa e grandes países produtores como vizinhos, o setor produtivo estima que de cada duas garrafas que entram com impostos no país, outras oito não pagam tributos.

Na disputa por mais espaço em um dos mercados cuja concorrência estrangeira nada de braçada, a Cooperativa Vinícola Aurora aposta na inovação e nos investimentos em tecnologia para conquistar mais consumidores.

Para 2025, a cooperativa aprovou investimento de R$ 82 milhões para a modernização de sua linha de envase de vinhos e espumantes e prepara o lançamento do primeiro vinho desalcoolizado.

Com os juros beirando os 15% ao ano, o diretor administrativo e financeiro da Aurora, Rui Ficagna, é cauteloso ao falar sobre o aporte para a modernização da linha industrial. A captação dos recursos deve vir junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), explicou ele ao AgFeed durante encontro na sede da cooperativa, em Bento Gonçalves (RS).

“Com a Selic nesse patamar, a saída é buscar juros diferenciados e a Finep é um caminho”, afirmou.

De acordo com Ficagna, neste ano a Aurora espera manter o faturamento de 2024, de R$ 841 milhões, 7% a mais do que em 2023. O ano passado repetiu, pelo sexto ano seguido, o melhor desempenho da história da cooperativa, que projeta atingir R$ 1 bilhão anual de receita em 2026.

São três parques industriais e 135 mil metros quadrados construídos no município da Serra Gaúcha com capacidade de recebimento de 2,5 milhões a 3 milhões de quilos de uva por dia vindos dos cerca de 1.100 cooperados.

Os tanques têm capacidade de estocagem de 92 milhões de litros de produtos vinícolas e já passam por um processo de modernização. Os antigos, construídos de madeira, são substituídos gradativamente por outros de aço inoxidável.

Quem visita a unidade central da Aurora se depara com quatro tanques menores de concreto, com capacidade de armazenamento de 1.125 litros cada, em meio aos gigantes de inox capazes de receber de 5 mil a 10 mil litros cada.

Desses “ovos”, como foram apelidados os reservatórios de concreto pela semelhança com os “ovos de verdade”, sairá um novo produto da companhia, que ainda é segredo para os visitantes.

É possível que lá estejam armazenados os primeiros litros de vinho desalcoolizado produzidos pela Aurora.

Ao contrário das bebidas zero álcool, que não passam de um suco de uva feito a partir das tradicionais uvas viníferas, a cooperativa desenvolve um vinho que passa por um processo de retirada do álcool por pressão após o tradicional processo de fermentação e armazenamento.

Segundo Renê Tonello, presidente da Aurora, o produto está em fase de registro no Ministério da Agricultura, deve ser lançado em meados de agosto e chegar ao mercado no segundo semestre.

Grávidas, evangélicos, mulçumanos e outros que não consomem bebidas alcoólicas por diversos motivos são o público-alvo do produto.

Além das unidades de Bento Gonçalves, a Aurora possui um centro de produção de uvas no município vizinho de Pinto Bandeira (RS), com 24 hectares.

A região de Altos de Pinto Bandeira recebeu a Denominação de Origem (DO) para seus espumantes naturais, tornando-se a primeira do Brasil e do Novo Mundo com uma certificação exclusiva para espumantes.

Com vinhos exclusivos, como os espumantes, finos, como a linha Millésime, e, futuramente, com os desalcoolizados, a Aurora espera ampliar a liderança nacional nesse nicho de mercado.

“Isso está sendo trabalhado com qualidade de vinhedos e começa com o nosso cooperado trabalhando com a nossa equipe enológica”, afirmou Tonello.

Além dos vinhos finos, para competir com os importados a Aurora recorre às associações de produtores e a pressão política para o reconhecimento da bebida como complemento alimentar e não um produto alcoólico.

“O vinho sempre foi um complemento alimentar. Meu pai tem 91 anos e, se eu tirar o vinho dele, é capaz de ter um infarto”, brincou Tonello.

Na ponta da língua

Mercado à parte, o tema trabalho análogo à escravidão ainda faz parte de quase todas as declarações - de níveis gerencial, da diretoria e da presidência - de representantes da Cooperativa Vinícola Aurora.

Porta-vozes foram treinados para falar sobre as mudanças internas e toda a política de sustentabilidade criada após o episódio de dois anos atrás, quando 210 trabalhadores na colheita de uva foram flagrados em condições degradantes em moradias.

Todos foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos, empresa que terceirizava serviços para vinícolas, entre elas a Aurora. Recentemente, a Fênix foi condenada em primeira instância a pagar R$ 3 milhões, além de R$ 1 milhão pagos à época.

As contratantes, entre elas a Aurora, pagaram R$ 7 milhões e assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público.

A crise gerou um programa ESG na cooperativa gaúcha e todos os 1.100 cooperados são obrigados a contratar e alojar trabalhadores diretamente, permanentes ou temporários, seguindo a legislação.

O programa inclui uma série de cartilhas sobre direitos do trabalhador, relações de trabalho, conscientização sobre assédio e um guia sobre trabalho digno. O material é distribuído para cooperados, orientados a uma leitura antes de acionar a cooperativa.

Além da orientação dos técnicos Aurora, são feitas fiscalizações da cooperativa e de auditores do MP e do Ministério do Trabalho.

“E, além da fiscalização, temos auditorias interna e externa para evitar que isso aconteça novamente”, concluiu Tonello.

Resumo

  • A Cooperativa Vinícola Aurora investirá R$ 82 milhões até 2025 para modernizar sua linha de produção
  • A Aurora busca ampliar seu mercado frente à concorrência estrangeira e à entrada irregular de vinhos
  • Após casos de trabalho análogo à escravidão em 2023, a cooperativa implantou um rigoroso programa ESG

Renê Tonello, presidente da Aurora