16 milhões de consultas por ano, 1,6 milhão de créditos concedidos, um em cada 100 produtores fora dos padrões de compliance EGS... Uma conversa com o físico Marcelo Pimenta é sempre recheada de dados. Para ele, são a alma do negócio.

São a essência, também, da área que dirige dentro da Serasa Experian. Números que alimentam softwares, que geram relatórios, que impactam decisões e, em última instância, movem o agronegócio.

Trata-se de um segmento novo dentro da empresa, cujas análises de risco e de crédito fazem parte do cotidiano dos cidadãos urbanos há tanto tempo que o nome Serasa é quase sinônimo de cadastro de informações financeiras dos consumidores urbanos.

No agro, no entanto, o olhar mais criterioso e específico tem apenas dois anos, mas vividos em alta velocidade. Head de Agronegócios, Pimenta começou a operação em 2021 com uma equipe de nove pessoas.

Hoje sua unidade tem 160 pares de olhos a vasculhar os dados de tudo o que acontece em mais de 5 milhões de propriedades rurais brasileiras.

São sobretudo engenheiros, cientistas de dados e de georreferenciamento, especialistas no desenvolvimento de produtos. “Isso fora os especialistas de outras áreas que também nos apoiam nas vendas e no desenvolvimento de modelos de crédito e inteligência de mercado”, afirma Pimenta.

Entre bancos, traders, revendas e cooperativas, a Serasa tem hoje mais de 150 grandes clientes em sua divisão agro, que consomem o tradicional produto de consultas à base da empresa em busca de informações sobre risco e capacidade de pagamento, que servirão de base para suas decisões de concessão de crédito.

“Entre o que tínhamos em dezembro de 2020, quando começamos a estruturar a divisão, até dezembro de 2022, crescemos 30 vezes”, afirma Pimenta.

Até dezembro de 2021, foram feitas 1,4 milhão de consultas. No ano seguinte, foram 16 milhões – uma em cada 10 resultando na concretização da operação de crédito.

Pimenta sabe, no entanto, que ainda é pouco diante do potencial econômico do setor. Afinal, os dados apontam que menos de um terço do total de propriedades rurais toma crédito dentro do sistema financeiro.

“Ainda tem um espaço gigantesco”, afirma. “O crédito ainda é muito concentrado em grande e médio produtor. Temos um desafio enorme para reduzir o custo de análise e permitir a inclusão de mais gente nesse universo”.

É nesse sentido que a Serasa deve agir nos próximos meses. Uma série de lançamentos de novos serviços está prevista. Todos têm como foco ampliar a base de clientes corporativos e, assim, atrair o pequeno produtor – “aquele que fazia basicamente barter com a revenda”, na definição de Pimenta – para produtos de crédito via instituições financeiras.

Já neste mês de julho, segundo antecipou Pimenta ao AgFeed, a Serasa deve abrir a porteira de sua imensa fazenda de dados para uma conexão direta com pequenos e médios negócios do agro e produtores rurais.

Uma versão PME de suas análises deve ser a primeira novidade. “Será tudo baseado em simplificação e recomendação”, afirma Pimenta. No modelo atual, explica, um analista de banco ou trader recebe um relatório detalhado sobre a propriedade, com histórico, ativos e garantias, e a partir dele faz a sua avaliação e toma a decisão.

“Para uma pequena revenda, não faz sentido ter essa avaliação personalizada, que custa mais e exige mais tempo e pessoal. Tem de ser sinal verde ou vermelho, sim ou não. Concede ou não crédito, tem risco ambiental ou não” diz Pimenta.

Com isso, a Serasa espera ganhar escala ao baixar efetivamente o custo das consultas à sua base e, consequentemente, da análise de risco e do monitoramento de propriedades para seus clientes.

Outra frente já tem teste, de forma piloto, com possibilidade de lançamento ainda este ano é uma plataforma de oferta de crédito, através de aplicativo, diretamente ao pequeno produtor.

A proposta é uma adaptação do eCred, serviço já disponível para consumidores das classes C, D e E no mercado urbano. Nele, o produtor poderá acessar propostas de crédito feitas para o seu perfil por bancos ou fintechs e, caso tenha interesse, ser direcionado ao possível credor para contratação.

Isso é possível porque a Serasa, com o consentimento do cliente, compartilha com as instituições o perfil de crédito do produtor. Bancos e fintechs, por sua vez, cruzam essas informações com suas modalidades de crédito e, caso tenham algo para aquele perfil, disponibilizam no aplicativo da Serasa.

E não é só. Também repetindo um modelo consagrado nas cidades para ajudar consumidores a limparem seu nome e recuperarem sua capacidade de tomar crédito, a Serasa prepara o lançamento de uma versão rural do serviço, para ajudar produtores a regularizar sua situação socioambiental.

“Não adianta demonizar o produtor”, diz Pimenta. “Ele precisa de orientação e meios de regularizar sua propriedade. Podemos, assim, trazer número grande de CPFs e CNPJs de volta ao mercado”.

A ideia, nesse caso, é reunir as informações socioambientais que a Serasa já possui através do monitoramento via satélite das propriedades e prestar uma espécie de consultoria, mostrando aos produtores o que é necessário fazer para regularizar.

Com parcerias, inclusive com Ministério Público e advogados, a empresa espera formatar e oferecer, até o fim do ano, uma solução que permita caminhar até a formalização da retirada de um eventual embargo existente para determinada propriedade.

“Tem de ser algo simples e barato”, afirma Pimenta. “Pode chamar de feirão limpa-nome. Não estamos inventando nada, apenas adaptando modelo de negócios, com a linguagem do agro”.

Um mercado com várias dimensões

Essa adaptação, Pimenta sabe, não é corriqueira. Nos últimos anos, a Serasa investiu cerca de R$ 40 milhões para alavancar a divisão, com o objetivo de levar ao agro o mesmo tipo de serviço que já oferecia em outras verticais. “Isso sem contar as aquisições feitas”, ressalta Pimenta.

No meio rural, o desafio da consolidação dos dados é bem mais complexo. “A formação de um escore de crédito no agro tem mais dimensões que na maior parte dos negócios”, admite.

Além do histórico financeiro, a capacidade de pagamento de uma dívida pelo produtor rural vai depender de também de variáveis socioambientais, climáticas, de preços de commodities, mercados futuros e, como diz Pimenta, até mesmo da análise das propriedades vizinhas.

Por esse motivo, a expertise existente dentro de casa não era suficiente e a Serasa fez duas aquisições estratégicas para conseguir capturar dados em todas essas dimensões.

A primeira foi a da Brain, startup criada pelo produtor rural e empreendedor Renato Girotto, que permitia acessar informações sobre propriedades rurais em cerca de 140 fontes públicas, entre governamentais, de justiça e cartórios, e dar credibilidade a elas através de blockchain.

“Quando a gente combinou esses dados com o que a Serasa tem, tanto de consumidores quanto de empresas, descobriu que tinha um ouro ali na mão, que a gente conseguia conseguir fazer uma análise de crédito muito boa comparado ao que o mercado precisa”, conta.

Mais recentemente, em março passado, a Serasa adquiriu a Agrosatélite, cujo banco de imagens obtidas do espaço permite traçar um histórico produtivo e ambiental das propriedades, retrocedendo em mais de duas décadas de informações.

Com isso, a Serasa afirma já ter conseguido organizar coleções de dados para os principais biomas e culturas (inclusive pecuária) de 2008 para cá, permitindo analisar e monitorar a situação da imensa maioria das propriedades rurais brasileiras. “Isso é superpoderoso”, afirma Pimenta.

Segundo ele, o Agro Score, nota dada pela Serasa nas consultas feitas pelos clientes, já tem performance de acerto muito superior a outros instrumentos semelhantes no mercado. Ele afirma que em testes realizados por bancos, o índice de acerto nas recomendações ficou entre 80 a 85 pontos, enquanto a média nesse mercado costuma ficar entre 50 e 60.

Com uma maior aproximação entre agro e mercado de capitais, a Serasa aposta que o potencial do negócio tende a crescer de forma exponencial. Pimenta também revela que outra frente de atuação para sua divisão deve estar na oferta das informações do portifólio de empresas de insumo para o mercado de capitais.

Estruturadores de CRAS e Fidcs, por exemplo, poderão ter leads confiáveis para fazer montar operações. “A gente conseguiu ter a felicidade de acertar o momento de entrar nesse mercado”, diz Pimenta.