A tendência de redução nas taxas de juros e um crédito “menos restritivo” estão ajudando a Scania, uma das maiores fabricantes de caminhões no Brasil, principalmente os pesados e semipesados, a retomar o crescimento nas vendas em 2024 e dar mais ritmo aos projetos voltados a combustíveis alternativos.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o diretor de Vendas da empresa, Alex Nucci, disse que o primeiro trimestre mostrou 30% de aumento nas vendas na comparação com o mesmo período do ano passado.

“2023 foi um ano bom, mas somente a partir do segundo semestre. O início do ano havia sido fraco em função de um cenário instável, com falta de crédito e taxa de juros elevada. Mas depois disso vimos uma tendencia de a economia ir melhorando, os estoques dos concorrentes baixando de Euro5, e o Euro 6 ganhando tração”, descreveu Nucci.

O “Euro” citado pelo executivo é a nomenclatura que define os padrões “sustentáveis” de fabricação de caminhões globalmente, que também têm legislação correspondente no Brasil (o Euro 6, por exemplo é o P8, segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conama).

São normas que vem sendo adotadas nos últimos anos para que os caminhões passem a reduzir gradualmente o nível de emissões de carbono.

Entre 2022 e 2023 uma mudança legal no Brasil definiu que todas as marcas são obrigadas a comercializar o Euro 6. Na época em que passou do 3 para o 5, por exemplo, as montadoras tiveram que mudar o caminhão, a tecnologia do veículo, a parte de combustível (aceitar por exemplo 10% de biodiesel na mistura) e adotar o aditivo ARLA.

Ao passar para o Euro 6, segundo Nucci, vários destes itens foram mantidos, mas houve mudanças importantes no motor e no sistema de exaustão, que fez reduzir ainda mais a emissão de poluentes. Tudo isso impacta no preço dos caminhões, mas ele não revela quanto custa cada um deles.

Para o ano de 2024, o executivo prevê que as vendas da Scania no Brasil avancem pelo menos entre 10% e 14%, que é a média que a Anfavea vem projetando de crescimento para o setor como um todo.

Mas novas apostas em combustíveis alternativos, por exemplo, podem ajudar a fabricante a crescer mais que isso, mantendo o bom ritmo registrado neste início de ano.

Trata-se de um cenário bem diferente de 2023 quando o mercado de caminhões como um todo encolheu 13% e a Scania chegou a ter queda ainda maior, de cerca de 20%.

O otimismo para este ano, segundo ele, está relacionado à ampliação do portfólio, que tem desde semipesado, pesado e off road, até aqueles com combustíveis alternativos.

“A expectativa é crescer bastante frente ano passado também porque a taxa de juros está melhor, a disponibilidade de crédito ainda está um pouco restritiva, mas está melhor do que antes. E não vejo nada no macroeconômico, tirando o mercado de grãos, que traga preocupação em termos de não atingimento de metas”.

O diretor da Scania explicou ainda que, no caso das grandes transportadoras, independentemente do cenário de mercado, há uma conta que fazem para vender o caminhão quando é atingida determinada quilometragem, o que também justifica o bom ritmo de vendas.

Agronegócio deve crescer em 2024

A Scania revela que, nos últimos 5 anos, os clientes relacionados a alguma etapa da cadeia do agronegócio têm representado entre 40% e 45% das vendas no Brasil.

O diretor de vendas da empresa é capaz de descrever em detalhes como está o cenário adverso nos grãos, com preços mais baixos e quebra de safra, e como outros segmentos como algodão, café, cana e arroz seguem com tendência positiva.

Duas vezes por ano, diz, ele visita as regiões produtoras, além de contar com o apoio de consultorias especializadas para saber “para onde vai o agro” e, consequentemente, que impactos isso pode trazer para o negócio de caminhões.

“O primeiro trimestre está espetacular. No caso do caminhão 6x4 (9 eixos), trabalhamos nos últimos anos para retomar uma posição de relevância e estamos vendendo o dobro do ano passado”, contou Alex Nucci.

Somente este ano, já foram vendidos 6 mil caminhões deste modelo – segundo ele, todos a diesel, mas no padrão que oferece menos emissões de poluentes redução no consumo do combustível.

“Do Euro5 para o Euro6 há 8% de economia, mas se comparar o modelo Super com a geração anterior, antes de 2019, se verifica até 28% de economia de consumo de diesel. E emite menos CO2”.

Perguntado como será possível crescer este ano se quase metade das vendas vem do agro, Nucci respondeu: “O agro também está vendendo mais esse ano, mesmo com a crise, claro que não chega a ser o dobro do ano passado, como em outros setores”.

Um dos motivos do otimismo é o crescimento do mercado de biocombustíveis. Segundo Nucci, toda a frota da Scania já está pronta para funcionar com o B20 (20% de biodiesel na mistura), enquanto o governo vem elevando gradativamente os percentuais – subiu este ano de B12 para B14.

Outro destaque da Scania no agronegócio, recentemente, foi a venda de 100 caminhões que funcionam com o B100 (100% de biodiesel) para a gigante de grãos Amaggi. As unidades são para o transporte de grãos, no modelo 6x4 e 500 cv de potência.

Na Expodireto Cotrijal, no Rio Grande do Sul, mais uma venda foi feita numa parceria com a Catto Transportes e a 3tentos, desta vez um caminhão B100 no modelo 6x2.

Segundo a Scania, este caminhão 100% biodiesel é capaz de reduzir em 70% a emissão de CO2. “Não zera totalmente porque a cadeia como um todo nem sempre é limpa”, explicou Nucci.

Novos negócios com este tipo de veículo estão bem encaminhados, mas segundo o executivo, é um mercado de nicho, que nem sempre se viabiliza para todos, já que o biodiesel precisa ter uma qualidade adequada às normas da ANP e também há cuidados no armazenamento. Biodiesel feito com óleo de origem animal tem menor resistência a baixas temperaturas, por exemplo

Ainda assim Nucci afirma que “é um produto que vai ganhar tração no Brasil porque já tem malha constituída, será um movimento semelhante ao que fizemos no gás, em que desde 2019 construímos parcerias com distribuidores”.

Entre os modelos que a Scania vende para o agronegócio, havia uma grande concentração no 6x2, que antes só havia de 3 eixos e agora está homologado para 4 eixos.

Agora, ao disponibilizar três opções de combustível diferentes (diesel, biodiesel e gás) para o 6x4 de 9 eixos, usado na multimodalidade, tanto para grãos, quanto insumos, a expectativa é crescer também neste segmento.

“Aquelas 6 mil unidades vendidas devem chegar a pelo menos 7,5 mil”, prevê Nucci.
Vem aí mais um caminhão a gás (e com foco no agro)

No dia 29 de abril começa mais uma edição da Agrishow, em Ribeirão Preto-SP, considerada a maior feira de tecnologia agrícola do País.

A Scania adiantou ao AgFeed qual será o seu lançamento na feira: um caminhão a gás, que funciona tanto a gás natural quanto com biometano, de maior porte, do tamanho que o agro mais usa, especialmente em regiões como Mato Grosso, segundo o diretor da montadora.

Se o caminhão é abastecido com gás natural, a redução nas emissões fica entre 10% e 12%. Mas se a opção for o biometano, esse benefício pode chegar a 90%.

A fabricante já iniciou a comercialização de caminhões a gás, mas somente com 410 cv de potência. O lançamento da Agrishow é o que se chama de “bitrenzão” ou “rodotrem”, de 9 eixos, mas agora na potência de 460cv.

No agronegócio, o uso de caminhões a gás até agora estava mais restrito a algumas regiões do Sul do País. “Lá tem uma malha mais desenvolvida de gás natural e usa o 4 eixos, por exemplo, na região produtora de arroz”, disse Nucci.

Os caminhões a gás já representam entre 2% e 3% do que é comercializado, segundo o executivo.
“Acredito que poderá chegar entre 10% e 15% do negócio nos próximos 4 a 5 anos, considerando os veículos a gás e também aqueles com biodiesel”, afirmou.

Entre as apostas está o fato do caminhão a gás, a partir do lançamento deste novo modelo, passar a contar com autonomia de quase 700km. No anterior o limite ficava em 450km.

Alex Nucci aponta ainda como diferencial do caminhão a gás da Scania o fato de não se tratar de uma adaptação do motor a diesel. “Ele funciona com gás comprimido ou liquefeito e é um motor diferente do motor a diesel, 100% a diesel, sabemos que no mercado há muitas adaptações. Quando se adapta, o desempenho do veículo não é o mesmo, a força e potência não são as mesmas”.

Quanto ao preço dos caminhões, a Scania diz que gás e diesel são vendidos por valores semelhantes, mas depende da configuração. Já o caminhão movido 100% a biodiesel tende a custar 10% mais do que os outros.

“Esse ano devemos vender entre 500 e 700 veículos a gás. Já o biodiesel precisa de planejamento”, disse, mas a expectativa é de demanda crescente por parte de grandes multinacionais que têm “agenda ESG muito forte, o que passa por combustíveis alternativos”, além de transportadoras que prestam serviços para as tradings.

“Corredor Azul”

Com o caminhão a gás de 9 eixos e maior potência disponível no mercado, uma outra vertente de crescimento nos negócios da Scania vem nos chamados “corredores azuis”, rotas rodoviárias com postos de abastecimento com gás natural liquefeito (GNL), permitindo que os caminhões circulem utilizando apenas este combustível.

Um deles já está sendo montado na região conhecida como Matopiba, que engloba parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia.

Trata-se de uma parceria com a Eneva, de energia, e a Virtu GNL. Haverá o “corredor azul Norte”, que transportará principalmente grãos de tradings como Bunge, Cargill e LDC, até o porto do Itaqui, em São Luís, no Maranhão.

No total, foi assinada a venda de 180 veículos, 30 deles para a GNL Brasil, uma joint venture da Eneva com a Virtu, que serão utilizados para atendimento aos contratos firmados pela empresa para a venda de GNL em pequena escala para Vale e Suzano, em suas instalações industriais no Maranhão. Estes 30 caminhões serão entregues até maio.
Outros 150 caminhões foram adquiridos pela Virtu GNL e serão destinados a um novo serviço a ser iniciado a partir de agosto de 2024, prazo em que serão entregues as unidades.  Segundo a Scania, este foi "o maior contrato de venda de caminhões a GNL já realizado na América Latina".

“É uma iniciativa que envolve a montadora, a distribuidora e a produtora. O primeiro corredor foi em São Paulo. Com a Comgas, mapeamos os postos, a tubulação e as principais rodovias, para viabilizar”, explicou Alex Nucci.

Há grandes chances de que, depois do Matopiba, algum traçado entre os portos e o Mato Grosso, por exemplo, também possa virar alvo de um novo corredor logístico.

“O principal uso do 6x4 rodoviário, 9 eixos, é para a soja e milho. Com essa autonomia de 700km consigo criar um novo corredor azul, chegar às ferrovias e aos portos”, afirmou. Ele acredita que o novo caminhão ajude a “interiorizar” os corredores, que hoje estão mais próximos de áreas no litoral.

Caminhões elétricos

Na visão do executivo da Scania, “eletrificação é uma jornada sem volta”. Porém, a empresa tem avançado com cautela neste mercado.

“Como o Brasil tem dimensões continentais, a tendência é que esse processo comece por veículos pequenos”, ressaltou.

Ele diz que são necessários vários fatores, como o alinhamento entre montadoras, transportadoras e governo, para que o Brasil esteja mais maduro na adoção de veículos pesados movidos a energia elétrica. “É uma jornada mais longa”, afirma.

Lembrando falas do CEO da Scania, Nucci acredita no “futuro eclético”, em que várias tecnologias serão usadas ao mesmo tempo.

“É diferente de um país como a Suécia, em que se percorre o território inteiro rodado 600km, aí dá pra ficar somente com gás, biometano e elétrico”.

De qualquer forma, a Scania já está fazendo testes com veículos elétricos. O principal projeto está sendo feito em parceria com a Pepsico, para avaliar como o caminhão se comporta. “Teremos novidades sobre isso na Fenatran”, afirmou Nucci, em referência ao principal evento do ano no setor de transporte, que ocorre em novembro, na capital paulista.