Situação difícil para as revendas no País? Dinâmica parecida para nosso vizinhos. Uma das maiores comercializadoras e produtora de insumos agrícolas na Argentina, Surcos, anunciou que não cumprirá notas promissórias registradas na bolsa de valores local.

Essas notas, conhecidas por lá como “pagarés bursátiles”, funcionam como CRAs e servem para companhias captarem recursos no mercado de capitais. Ao todo, a Surcos informou que não conseguirá pagar US$ 3,5 milhões e mais de 9,3 bilhões de pesos argentinos (quase US$ 10 milhões) em notas que vencem agora e em junho de 2025.

A companhia disse, por meio de um comunicado, que está aberta a renegociar com seus credores. A companhia parece estar em dificuldades financeiras, pois há poucos dias, anunciou outro calote na Bolsa argentina, esse de US$ 500 mil.

Sebastián Calvo, presidente da empresa, afirmou em comunicado, disponibilizado pelo jornal La Nación, que a agência de classificação de risco FIX SCR, afiliada da Fitch, rebaixou o rating da companhia nas últimas semanas.

“O rebaixamento do rating responde à liquidez muito restrita que apresenta com alto risco de refinanciamento”, pontuou Calvo.

A carta assinada por Calvo ainda diz que a Surcos está tomando todas as medidas necessárias para reverter com a maior brevidade possível e de forma eficiente e eficaz a situação de iliquidez que atravessa.

“Estamos num processo de avaliação geral dos restantes instrumentos emitidos em busca de uma solução abrangente, que nos permita garantir o normal funcionamento da empresa, priorizando pessoal, operações comerciais e de produção para cumprir as entregas acordadas.”

Assim como as empresas brasileiras do setor que apresentaram dificuldades este ano, o presidente diz que a queda do mercado de insumos em 2023, que recuou mais de 30% no mundo, é o grande culpado pelo calote da Surcos.

A empresa estima que as suas próprias vendas deste ano recuaram 32% frente ao ano anterior, acompanhando o mercado.

Paralelo a isso, no ano passado a companhia anunciou um plano de investimentos de US$ 36 milhões para “desenvolver agroquímicos mais ecológicos”.

A expectativa da Surcos era ultrapassar US$ 500 milhões em vendas até 2028.

Nesse plano de investimento também estava prevista a criação de um laboratório no Brasil e um nos EUA, para trazer novas tecnologias de edição gênica.

Calvo projetou, na época, 300 pesquisas feitas fora da Argentina por uma série de cientistas. Por aqui, eram seis multinacionais trabalhando com produtos da Surcos.

No Brasil, a Surcos estima que o mercado de insumos recuou de US$ 22 bilhões para US$ 12 bilhões em um ano. Com o mercado andando na contramão dos seus planos de expansão, a conta não fechou.

Os US$ 36 milhões despendidos com o plano podem ter consumido fluxo de caixa operacional, apertando as contas da empresa.

“Infelizmente, este plano de expansão internacional é incompatível com a forte queda de vendas que estamos a sofrer no mercado local e com as dificuldades em encontrar novos financiamentos. Isso levou à impossibilidade de efetuar o pagamento”, disse a empresa, em nota.

Ao comentar o caso da Surcos em seu Linkedin, o argentino Gonzalo Matías De Zan, responsável pela gestão de vendas e estratégia comercial da também argentina Berardo Agropecuaria, grupo agrícola com mais de 45 mil hectares de terras no país, afirmou que há uma “tempestade de sinceridade no negócio de insumos agrícolas”.

“Além do anúncio da Surcos, há reestruturações na Corteva e na Syngenta, para citar algumas. Os objetivos eram cada vez mais ambiciosos e a oferta era cada vez mais abundante, mas o mercado é o mesmo. Os laboratórios pressionam as revendas, que por sua vez, pressionam os produtores. O resultado é excesso de estoque na cadeia e queda nas vendas”, afirmou De Zan.

Segundo ele, as marcas já não são mais um diferencial e o que define a venda é o preço. “O desafio é agregar valor em cada etapa do processo produtivo, cuidar do relacionamento com o cliente e manter o estoque curto. A guerra de preços não é uma boa estratégia nesta área”, acrescentou em sua rede social.

Criada nos anos 1970, a Surcos originalmente era chamada de Ciagro. A empresa, que é familiar, buscou, ao longo dos anos, se diferenciar no mercado com insumos como herbicidas e inseticidas com nanotecnologia. Além da Argentina, a companhia atua no Uruguai, Paraguai e Bolívia.

Por enquanto, a empresa ainda não falou em buscar proteção judicial de uma eventual corrida de credores em busca de receber valores devidos.

Na Argentina, a lei de Concursos e Falências, apesar de não ser tão específica quanto a lei das recuperações judiciais no Brasil, busca equilibrar interesses de devedores com credores ao mesmo tempo em que preserva a continuidade das atividades.

Por lá, o processo de RJ é conhecido como “concurso preventivo” e ajuda que os insolventes se reorganizem numa espécie de “supervisão judicial”.

O devedor elabora um plano de reestruturação que precisa ser aprovado pelos credores. Uma vez aprovado, é implementado sob os olhos do poder judiciário. Caso não se concretize, há a venda de ativos para pagar dívidas.