Com formação na área financeira, Eron Martins, CEO do grupo AgroGalaxy, lida bem com números. Outra característica sua – essa menos comum a gente desse universo – é saber usar as palavras para traduzir o “financês” e explicar, com certa simplicidade, momentos complexos.

Nesta terça-feira, 22 de abril, ele teve de recorrer várias vezes a essa segunda habilidade. Ao apresentar a um pequeno grupo de jornalistas os resultados da empresa no quarto trimestre de 2024, juntamente com os dados consolidados do ano passado, ouviu-se dele mais palavras do que números, mais contexto do que balanço.

Ninguém esperava, de fato, um retrato financeiro positivo de uma companhia que fechava o pior ano de sua história, aquele em que ela sucumbiu à crise e buscou no recurso da recuperação judicial a derradeira alternativa para, diante de dívidas de mais de R$ 4 bilhões, buscar um recomeço a partir de uma severa reestruturação.

Assim, os números apontam uma empresa radicalmente menor em todos os aspectos. A receita líquida, por exemplo, foi de R$ 741 milhões no trimestre, menos de um terço do que havia registrado em mesmo período no ano anterior. Ao final do ano, a soma das receitas ficou em R$ 4,6 bilhões, pouco menos da metade dos R$ 9,4 bilhões apurados em 2023.

“É o primeiro quarter completo pós-pedido de recuperação judicial”, explicou Martins logo no início da conversa. A petição de RJ foi protocolada pelo AgroGalaxy na justiça de Goiás em 18 de setembro do ano passado e o trimestre em pauta foi o de outubro a dezembro.

“É um quarter que também tem algumas características específicas do contexto da empresa naquele momento, que não são comparáveis com anos anteriores e que não são comparáveis também com o que a empresa está vivendo agora”.

Margens em descendente íngreme e valores grandes antecedidos de sinal negativo no Ebitda também fazem parte desse cenário. Os dados trimestrais apontam prejuízo ajustado de R$ 508 milhões, com margem de -18%. Um ano antes, havia um lucro ajustado de R$ 397 milhões e a margem era positiva, em 21%.

Na última linha do balanço anual, reluz um prejuízo ajustado de R$ 1,05 bilhão.

O resultado operacional Ebitda atingiu R$ 203 milhões negativos, ante R$ 281 milhões positivos em 2023.

O dado anual nesse indicador foi também negativo, em quase R$ 1,6 bilhão – e aqui, a empresa fez questão de demonstrar o impacto pontual da RJ nas suas contas. Desse total, R$ 1,03 bilhão são descritos como "efeitos RJ" e os outros R$ 589 milhões como ebitda ajustado.

Aqui, o talento com as palavras torna-se uma ferramenta bastante útil. Martins explicou que o processo de recuperação judicial, assim que se inicia com a petição da empresa, implica na interrupção brusca de uma série de processos e contratos.

Ele citou, como exemplo, os contratos para fornecimento de grãos, recebidos de produtores clientes, para tradings compradoras.

“Estávamos encarteirando e fazendo um volume recorde de safrinha de grãos, que são contratos que a gente tinha há quase três anos e, pelo evento da recuperação judicial, foram interrompidos. Quando é interrompido, você tem um pênalti, então o que nos obrigam a fazer? Contabilizar isso como evento pontual”, disse.

“Então muitos desses impactos que a gente chama de efeito da RJ são efeitos que acontecem uma vez, mas com uma possibilidade de revisão no futuro. Mas nesse momento, por prudência, tudo isso é contabilizado, por isso os números estão de magnitude elevada”.

Nessa mesma conta entram vários outros itens, de acordo com Martins e Luiz Conrado Sundfeld, CFO do AgroGalaxy. O rompimento de contratos de aluguel dos imóveis onde ficavam lojas fechadas pela rede, despesas com advogados e contratos de futuros que foram liquidados, por exemplo, entraram nessa lista.

Um valor destacado por Sundfeld como “muito relevante, na casa de R$ 210 milhões”, foi a baixa contábil que a empresa teve de fazer do chamado ativo diferido – créditos contábeis que a companhia, quando acumula prejuízos acumulados, consegue reconhecer como imposto diferido.

“No momento em que a gente entrou em recuperação judicial e a previsibilidade da utilização desses créditos, ou seja, a previsibilidade de lucro fica fora da tua visibilidade, você é obrigado a baixar isso. Então, só de imposto diferido, a gente baixou R$ 210 milhões”, afirmou o CFO.

Mais contenção que negócios

Diante da eloquência dos dados, o antídoto vem com a eloquência verbal. Martins não minimiza o quadro, mas também não pinta com tons mais sombrios.

Segundo ele, o resultado do trimestre, que praticamente define o ano, “é impactado por uma empresa focada muito mais em adaptar seus tamanhos do que fazer o business as usual”. Assim, prossegue, antes de “faturar, entregar produtos, a gente estava muito mais fazendo contenção do que negócio em si, muito atrelado ao momento que a gente vivia”.

Sundfeld traduz isso em números. Ele apontou que, de uma perda de faturamento de R$ 3,2 bilhões com insumos em 2024, cerca de R$ 1,5 milhão ocorreu no quarto trimestre.

Segundo ele, isso se deve a um fator sazonal do negócio das revendas: o último trimestre do ano é o período em que as empresas fazem o maior faturamento de fertilizantes, item que costuma gerar o maior volume de receitas, mas não de margem. E é justamente nessa frente que o AgroGalaxy menos tem apostado em seu esforço de recuperar a rentabilidade.

“Imediatamente após o pedido de RJ, a gente teve nossa relação comercial com os fornecedores, especialmente fertilizantes, rompida”, disse Sundfeld.

“Então a companhia se viu obrigada a cancelar diversos pedidos de compra por parte do produtor e pedidos de venda por parte nossa
e não faturar”.

Então, o discurso de narrativa de Martins pega uma rota que permite vislumbrar uma luz à frente. O CEO do AgroGalaxy lembra que outra característica típica daquele momento para uma empresa em RJ é trabalhar para gerar caixa.

“Muito do que a gente fez no último trimestre do ano passado, estava focado em transformar estoques disponíveis em dinheiro”, explicou.

Aí entram em campo negociações corriqueiras para quem precisa fazer dinheiro, como negociar para transformar vendas que tradicionalmente são a prazo em vendas à vista e buscar que produtores capitalizados antecipem o pagamento de dívidas que venceriam agora, em abril.

“Esse trabalho não é feito sem que exista um certo impacto dentro da rentabilidade da empresa”, pontuou. “Então, apesar de ser um exercício de números não tão bonitos, é uma geração de caixa essencial e fundamental para o que a gente fez em seguida, que foi justamente aprovar o nosso plano (de recuperação judicial)”.

Mais uma vez, Sundfeld transforma palavras em dados resultantes também de “um exercício muito grande de monetização dos ativos”. Nesse quesito, o principal reforço deve ser a venda da carteira de créditos inadimplidos, que ainda não se reflete no balanço de 2024 – a empresa tem em mãos uma proposta vinculante para um total próximo de R$ 700 milhões em dívidas não recebidas, mas que só deve ser concretizada após a homologação do plano de RJ, aprovado na semana passada.

Também há dois outros lotes de dívidas vencidas, estes já judicializados. Um deles, conforme adiantou o AgFeed no início de abril, foi negociado com um fundo formado por uma indústria de insumos e pago em produtos, com valor equivalente a R$ 120 milhões.

Outro processo semelhante, com o dobro desse valor, está em fase final de due dilligence, provavelmente envolvendo o mesmo comprador e também pago com produtos que reforçarão o estoque do AgroGalaxy.

Por enquanto, o que já foi contabilizado e ajudou no fechamento do caixa de 2024 foi, segundo Sundfeld, justamente o esforço em convencer produtores a anteciparem seus pagamentos, logicamente oferecendo condições melhores e descontos.

“O impacto da redução dessa carteira, vamos chamar de prazo, dessa relação, é, em ordem de grandeza, de 4% na margem”, afirmou, ele, considerando o resultado como “muito positivo”.

“A gente conseguiu robustecer o caixa na virada do ano basicamente em função dessas estratégias de monetização de estoques. A gente trouxe o caixa, que virou o terceiro trimestre em R$ 195 milhões, para R$ 480 milhões”, disse.

“Não é que a gente gerou um caixa operacional. Quando você olha a margem bruta no trimestre, ela foi negativa. Mas a gente gerou um caixa do ponto de vista de monetizar as posições de balanço, trocar posições de balanço por posições de caixa”.

Outro ponto visto como positivo nos dados apresentados foi a redução da estrutura de despesas da companhia, de R$ 710 milhões para R$ 587 milhões na comparação anual.

“Quando a gente olha trimestre contra trimestre, esse efeito é maior ainda”, afirmou. “É um efeito de quase 40%. A gente reduziu a estrutura de despesas da companhia de R$ 200 milhões para R$ 124 milhões, olhando o quarto trimestre de 2023 contra o quarto trimestre de 2024”.

Segundo ele, o processo de redução de despesas continuou gerando benefícios ao longo do primeiro trimestre de 2025, e que, ao abrir mão de margens, de rentabilidade, em troca de liquidez, a companhia ganhou “tranquilidade no início do ano para iniciar as negociações com os fornecedores, tendo uma liquidez saudável e iniciar o processo de compra de insumos com a formação de estoque a um preço muito competitivo, porque sempre que você compra à vista, você tem uma vantagem financeira muito maior”.

Eron Martins avalia que a homologação do plano de RJ deve acontecer em cerca de 30 dias e, com isso, abrir espaço para que o período de contenção se encerre e que o “business as usual” volte a ser parte da sua rotina.

O executivo até comemorou o comportamento do produtor rural de demorar a tomar as decisões de compras e deixar para o último momento a aquisição de sementes e insumos.

O que foi, nos últimos anos, um problema que impactou o resultado da companhia, hoje é visto como um trunfo. Com um pouco mais de tempo, Martins espera já poder estar mais preparado, com a RJ homologada, mais estoques e até melhores condições de crédito, o que considera o grande desafio do setor em 2025.

“E, além disso, ajuda a retomar a confiança. O nosso negócio é um negócio de confiança. E a aprovação e a homologação é a cereja do bolo dessa relação, o que nos permite ter boas perspectivas para 2026”.