Quando a pandemia de Covid-19 foi deflagrada e, com ela, muitas restrições de mobilidade impostas, o zootecnista César Giordano se viu num impasse.
Com um diploma de doutorado em mãos, viu concursos públicos serem congelados e sua base de alunos de um curso de técnico em agropecuária não se adaptou ao EAD.
O tempo ocioso (e o dinheiro curto) fez com que Giordano trouxesse a sua tese de mais de 280 páginas sobre a avicultura caipira para o universo online. Depois de um blog, resolveu entrar no mundo do marketing de conteúdo.
A empresa dele, a Escola de Avicultores, já existia desde 2011 como um projeto na Universidade de Araraquara, onde Giordano fez seu mestrado e doutorado.
Com um canal no Youtube, o zootecnista começou a ensinar as técnicas para a criação de aves e produção de ovos orgânicos. Depois de um conteúdo viralizar na plataforma e surgirem os primeiros “alunos”, começou a estruturar sua empresa no mundo virtual.
Giordano é apenas um exemplo de como o agronegócio vem ganhando espaço em plataformas de cursos online.
De acordo com Alexandre Abramo, diretor de desenvolvimento de mercado na Hotmart, principal plataforma de cursos online do País, os cursos agrícolas estão ganhando cada vez mais relevância no portfólio.
Na Hotmart, que atingiu US$ 10 bilhões em vendas de produtos digitais em março deste ano, os quatro mercados mais consolidados são marketing, saúde e fitness, finanças e educação. Mas pelo andar da carruagem, ou melhor, do trator, o agro deve se consolidar como um desses líderes no futuro.
“Todo ano esses segmentos oscilam na liderança, mas quando olhamos para números internos, o mercado agro teve uma aceleração fora do normal e, de 2020 para 2023, cresceu 137%”, conta o diretor.
Criada em 2011, a Hotmart nasceu, segundo o executivo, para ser uma “solução para os criadores de conteúdo”. O negócio cresceu de forma exponencial desde então. Eram 100 funcionários em 2016, momento em que Abramo entrou na companhia, e hoje são 1,7 mil.
De acordo com um estudo do Goldman Sachs, essa “creator economy”, ecossistema econômico centrado em criadores de conteúdo digitais, movimenta US$ 250 bilhões por ano, cerca de R$ 1,25 trilhão. São 300 milhões de criadores de conteúdo ao redor do globo. A projeção é dobrar até 2027.
César Giordano, da Escola de Avicultores, entrou na Hotmart há três anos e hoje conta com uma base de 3,5 mil alunos, sendo que 70% não são avicultores por natureza. “Muitos são da cidade, mas possuem uma área rural de pequeno porte. Cansados de ver só despesas, buscavam algo para gerar renda”, conta.
Dentro desse universo, existem também produtores mais tradicionais, que atuam em cooperativas de agricultura familiar e que vendem os ovos para redes como Carrefour.
Hoje Giordano oferta dois cursos, um mais básico que ensina o passo a passo para a criação das aves e outro ensinando os processos de registros e regularização para embalar e vender.
Por ano, ele abre duas turmas no primeiro curso e uma no outro. Ele estima que cada turma conta, em média, com 800 alunos. A Escola ainda possui dois ebooks dentro da Hotmart. Hoje, o faturamento da companhia já passa de R$ 1 milhão por ano.
Nos próximos meses, a Escola de Avicultores também deve virar uma agroindústria. Giordano conta que adquiriu uma área de quase 9 hectares na região de Araraquara para montar, além de um sistema de produção de ovos caipiras, uma escola presencial.
“Nossa meta é chegar a 8 mil aves alojadas, com o público fazendo uma imersão presencial. No entreposto, esperamos produzir 5,2 mil ovos por dia”, conta. Ele estima que investirá R$ 700 mil para colocar o projeto de pé.
O mercado agro não é novo na plataforma da Hotmart. Abramo cita que em 2015, quando a companhia sediou um evento presencial, o Hotmart FIRE, a primeira palestra foi justamente de Miguel Cavalcanti, CEO da BeefPoint, que participou de uma plenária sobre administração de fazendas.
O executivo, inclusive, vende cursos dentro da Hotmart até hoje. A aceleração vista nos últimos anos, segundo Alexandre Abramo, ganhou mais tração durante a pandemia de Covid-19.
Com grande parte da população dentro de casa, muitos descobriram que havia um mundo de cursos online fora do tradicional, acredita o diretor.
Globalmente, a Hotmart possui 600 mil cursos e produtos como ebooks, estima Abramo, e no Brasil, são 4 mil voltados ao agro, cerca de 8% do total nacional.
“A tendência é o agro colar nos top 4 mercados. A barreira era o entendimento das pessoas de que poderiam usar a internet para aprender sobre o setor. Começamos a representar melhor a economia do Brasil na base da Hotmart, disse Abramo”.
Monetizando paixões
A possibilidade de vender produtos na Hotmart também criou empreendedores. A paixão pelo universo das abelhas e um conhecimento em marketing uniu o casal Gabriel Benoski e Giulia Forjaz em um negócio.
Benoski, que é estudante de ciências biológicas, sempre foi um entusiasta da preservação do meio ambiente e, por meio de uma reportagem que assistiu quando era criança, resolveu montar uma armadilha para capturar abelhas sem ferrão.
Quando se debruçou sobre o tema, viu que havia poucas informações científicas sobre cultivo da meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) e, conforme ia capturando esses dados, divulgava tudo via redes sociais.
Com cada vez mais interessados, ele uniu a visão de marketing da sócia e juntos criaram um curso de como criar as abelhas sem ferrão. “Falávamos com outros produtores e vimos que existia potencial para gerar impacto na natureza”, contou o sócio.
Chamado de Abelhando Mundo Afora, o ecossistema hoje conta com 3,2 mil alunos e 400 mil seguidores nas redes sociais, e um faturamento que chega a R$1 milhão por ano.
Segundo pesquisas próprias, a maior parte dos alunos veio em busca de um hobby, mas muitos acabam também fazendo negócio com o mel e outros produtos derivados.
“Se torna inevitável gerar renda. O negócio acaba crescendo e ou você vende ou compra uma nova estrutura para novas abelhas. Temos alunos que viram comerciantes e vendem em feiras”, conta Giulia Forjaz.
Na base de alunos, que está concentrada nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estão alguns agricultores que buscam abelhas para melhorar a polinização no campo.
A dupla também conta com um público internacional, com alunos da Argentina, Venezuela, Colômbia e de alguns países da África.
Além de outros cursos a serem ofertados no futuro, Benoski e Forjaz miram atuar com mentorias e também uma loja para comercializar as colônias de abelhas sem ferrão.
“Vimos que havia um déficit na busca pelos alunos, onde não encontram caixas para comprar, por exemplo”. Um curso que a dupla pretende explorar é mais voltado para a comercialização e burocracias regulatórias, como o SIF (Serviço de Inspeção Federal), do Ministério da Agricultura, para quem quiser vender mel ou outros produtos das abelhas.