É difícil passar por um fórum de agronegócio sem ouvir nos discursos dois temas recorrentes: a importância do setor para a economia do Brasil e a necessidade de melhorar a comunicação, principalmente para “fora da bolha”.
O segundo tema é missão inerente de uma associação que existe há 45 anos, a ABMRA, que nas primeiras décadas se chamava Associação Brasileira de Marketing Rural e, com os novos tempos, ganhou “e Agro”, completando sua sigla.
O publicitário Ricardo Nicodemos acompanha esta história há 17 anos e, atualmente, é o presidente da ABMRA, liderando um esforço crescente para que o setor se una e consiga implementar uma ampla campanha de comunicação.
A mais recente aposta será apresentada na segunda quinzena de março, durante um evento, em São Paulo, com lideranças de entidades, desde produtores até as indústrias e, principalmente, as grandes marcas que podem ser patrocinadoras.
Trata-se do projeto “Marca Agro do Brasil”, desenvolvido para ser uma resposta ao diagnóstico de uma pesquisa que ouviu mais de 4 mil pessoas e mostrou que um grande percentual da sociedade urbana, especialmente os mais jovens, tem uma visão desfavorável ao setor.
“Falar de marketing e comunicação do agro virou moda, ‘virou cool’, gera engajamento. Mas o que muitas vezes nós vimos são discursos vazios, ultrapassados, que não causam nenhuma diferença. Na verdade, o que precisamos é dar o próximo passo, o setor precisa possuir a sua marca, contar a sua história e ser o protagonista da sua narrativa”, afirmou Ricardo Nicodemos, em entrevista ao AgFeed.
O presidente da ABMRA propõe que todas as associações se unam, a favor desta campanha de comunicação para falar com a sociedade urbana, que represente uma “subida de patamar, de forma profissional”. Ele admite, no entanto, que algumas têm preferido atuar de forma independente, o que dificulta este avanço.
“O agro precisa apoiar o agro para que qualquer projeto de comunicação tenha sucesso. Não é o protagonismo de uma associação que vai fazer a diferença. É a narrativa do agro”, ressaltou.
Nicodemos explica que a ideia do projeto Marca Agro começou a ser trabalhada há 3 anos, quando foi feita a pesquisa “Percepções sobre o agro – o que pensa o brasileiro”.
“Nunca houve uma pesquisa como essa. Ela foi feita com metodologia robusta, com todos os critérios utilizados em pesquisas internacionais, padrões estabelecidos por entidades como a Fundação Dom Cabral e Esalq/USP, haja vista que esse estudo está pronto pra virar paper internacional”, revelou o dirigente.
Ao mesmo tempo, foi montado um time de 12 profissionais de marketing e planejamento estratégico (da área acadêmica e de grandes companhias) para criar um posicionamento de comunicação.
Nicodemos disse que o grupo de trabalho liderou uma outra pesquisa, que terá os resultados divulgados no lançamento da campanha, e que envolveu mais 380 entrevistas.
Ele adiantou ao AgFeed que um dos insights que servirá como direcionador é a questão dos jovens, já que a pesquisa mostrou que 30% da população brfasileira se mostra desfavorável ao agro e, destes, 51% têm entre 15 e 29 anos.
“É a população que mais barulho faz, são jovens que daqui a uma década serão os nossos líderes. Se o setor não fizer nada hoje, estes lideres terão lá na frente esta imagem deturpada do agro”, alertou.
Nicodemos relata que uma empresa que faz recrutamento de estagiários e que foi ouvida durante a pesquisa, disse ter dificuldade em contratar estudantes para vagas de empresas do agro. “Disseram que o estagiário declina da vaga e diz que não quer fazer parte de uma empresa que maltrata o meio ambiente”.
O publicitário diz que a campanha pretende que o agro consiga “criar uma legião de fãs”, semelhante ao que se vê no futebol, “por meio de um projeto de branding, porém sabemos que não é rápido, nem fácil”.
O Marca Agro, segundo ele, não é um projeto só de propaganda. Terá ativações em escolas, em shopping centers, nas ruas, mas também com propaganda e ações nos meios digitais. “Não vai ser do dia para a noite, são ações que vamos construindo ao longo do tempo”.
Questionado sobre qual seria o diferencial em relação a outras iniciativas semelhantes já feitas no passado, Nicodemos respondeu que o principal é ter este público alvo estabelecido, “de forma cirúrgica”.
Ele diz que as pesquisas dividiram o Brasil em três grandes clusters: os desfavoráveis ao agro, os favoráveis e os neutros.
“Entendemos que deveríamos ir para cima dos neutros, que é onde tenho maior probabilidade de aumentar a massa e ainda fortalecer os favoráveis, vendo o relógio mexer”, afirmou.
O presidente da ABMRA diz que o trabalho de pesquisa e análise também levou “ao melhor tom e a melhor maneira” de se comunicar. Segundo ele, o caminho é o jeito simples, exatamente como ocorre no campo.
“Vamos buscar uma comunicação amistosa e empática, tudo aquilo que o setor não tem feito nas últimas décadas. A soma destes elementos é o que tornará esse projeto exitoso”, ressaltou.
Um dos desafios que a ABMRA sabe que enfrenta é a influencia da polarização política do Brasil, nesta comunicação do agro. “Mas vamos ressaltar que o alimento não tem bandeira, nem partido. Nos afastamos de pontos que pudessem ter conotação política. É uma comunicação do agro moderno, de vanguarda”, disse Nicodemos.
O executivo não revela quanto deve custar uma campanha como essa, mas promete apresentar parâmetros financeiros no encontro que será feito com os potenciais patrocinadores.
É fato que a iniciativa encontrará uma dificuldade adicional, que é o momento difícil vivido por algumas empresas em função dos preços mais baixos das commodities. De qualquer forma, Nicodemos lembra que é nessa hora que fica ainda mais importante investir em comunicação.
Uma longa história
Embora a comunicação do agro pareça uma preocupação recente, a história da ABMRA mostra que a questão é antiga.
A entidade foi criada em 1979 por um grupo de profissionais de marketing e comunicação com foco no “rural” e não no “agro”.
“Trabalhávamos muito a questão do produtor rural nas fazendas. Era difícil chegar até eles, se utilizava meios de comunicação muito tradicionais, especialmente rádios, jornais de cooperativas e televisão”, conta Nicodemos. “Nesta época, o Brasil ainda era “grande importador de alimentos”.
Com a chegada do conceito de “agribusiness” que, segundo o executivo, foi trazida por Ney Bittencourt de Araújo a partir dos conhecimentos da universidade de Harvard, a ABMRA foi crescendo.
Outro marco nessa história foi a criação, há 39 anos, da pesquisa “Hábitos do Produtor Rural”, que acabou dando mais visibilidade para a associação.
“A grande inquietação era como efetivamente chegar ao produtor”, diz Nicodemos. Segundo ele, na primeira edição foram 300 entrevistados e hoje são mais de 3 mil.
Em seguida, começou a ser realizado anualmente o Congresso Brasileiro de Marketing Rural (ou do Agronegócio, atualmente).
“Havia uma participação forte de Brasília, com diversos ministros, infraestrutura, planejamento, agricultura, porque assim foi se formando um pouco a visão de cadeia e a importância do agro na economia do País”.
Hoje a entidade já promove diversos outros eventos, entre eles a Mostra de Comunicação, que premia projetos de marketing de veículos, empresas do agro e agências. Porém, tudo indica que um dos maiores desafios será mesmo esse lançado em 2024: a missão de tentar “agregar” recursos e apoio institucional para o seu projeto.
Nicodemos, que também é head de planejamento da RV Mondel e diz ter liderado projetos importantes ao longo de sua carreira como “o reposicionamento da cerveja Itaipava”, se mostra otimista e com disposição.
“Quando se falou em construir a Marca Agro do Brasil fui buscar referências de pessoas que foram meus professores ao longo da carreira, que eu admiro. São pessoas que trabalharam como voluntárias, não foram pagas. O agro um dia vai agradecer”, conclui.