O tempo, normalmente, corre rápido para empresas jovens. Os avanços se sobrepõem e o calendário fica apertado, na corrida de fazer a operação decolar e as receitas começarem a irrigar o caixa.
Na Atlas Agro, empresa criada há menos de três anos por noruegueses, com sede na Suíça e planos no Brasil e nos Estados Unidos, não é diferente. A folhinha tem várias datas marcadas com um cronograma que, à primeira vista, parece longo. E é. Mas é parte do jogo quando se pensa grande.
A linha de chegada está anotada para o fim de 2028 e, até lá, a conta deve chegar a US$ 1 bilhão. E há várias etapas a serem vencidas até que a companhia consiga colocar em operação a primeira planta de fertilizantes produzidos a partir de hidrogênio verde no Brasil – outro projeto semelhante corre em paralelo nos EUA.
“Da concepção da ideia até estar operacional, são precisos uns cinco anos. Essa é a prática do mercado para projetos dessa magnitude”, explica ao AgFeed o diretor de Operações da Atlas Agro para a América do Sul, Rodrigo Santana.
O Brasil, mais especificamente a região de Uberaba, no Triângulo Mineiro, entrou na rota da Atlas Agro em 2023. De lá para cá, a empresa já investiu “alguns milhões de dóares”, segundo o executivo, apenas para dar os primeiros passos na jornada até a inauguração da fábrica.
A etapa inicial, de pré-engenharia, foi recém-concluída. Em janeiro próximo deve ser iniciada a elaboração do projeto executivo, que culminará, ao final de 2025, com um momento crucial: a decisão final de investimento, que ditará o destino definitivo do projeto.
Será, assim, um ano intenso para o time de Santana, no Brasil, e o comando da companhia em Zug, na Suíça. Há muitas variáveis a serem resolvidas nessa equação, que vão além da natural complexidade de desenhar uma planta com tecnologia avançada para produzir hidrogênio utilizado na síntese de amônia – principal insumo na obtenção dos fertilizantes nitrogenados – a partir de energias renováveis, como pretende a Atlas Agro.
Assim, a etapa é também de agregação de parceiros que contribuam na solução da equação. Nas últimas semanas, por exemplo, a companhia angariou dois reforços importantes.
Um deles é a Industrial Transitional Accelerator (ITA), organização multissetorial lançada no ano passado, durante a COP28, nos Emirados Árabes Unidos, que tem como objetivo conectar uma rede de indústrias, instituições financeiras e governos para ajudar a desbloquear investimentos de larga escala em soluções de descarbonização.
O Uberaba Green Fetilizer, como foi batizado o projeto da Atlas Agro, é o primeiro empreendimento a contar com o suporte do ITA no Brasil, segundo afirmou ao AgFeed a diretora executiva da instituição, Faustine Delasalle.
Ela participou, em São Paulo, do lançamento de uma parceria como o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) para a identificação de oportunidades na área de descarbonização em setores como fertilizantes e produtos químicos em geral, aço, alumínio, cimento e combustíveis de aviação sustentáveis.
Segundo Faustine, já há 15 projetos no pipeline da ITA no País, cujos acordos com a entidade devem ser anunciados em breve. “O Brasil tem grandes vantagens competitivas para a indústria verde graças ao seu potencial de energia limpa”, afirma.
“Estamos entusiasmados com o impacto positivo que projetos como o da Atlas Agro podem trazer a diversos segmentos”, diz ela. De acordo com Faustine, a organização – que no Brasil avalia também outros projetos relacionados à produção de amônia verde e biocombustíveis, por exemplo – deve auxiliar a Atlas Agro na avaliação de mercado, identificação de compradores e de estruturas de venda com contratos de longo prazo, de forma a viabilizar o investimento a ser feito pela companhia.
A segunda parceria anunciada recentemente pela empresa foi com a Casa dos Ventos, especializada em projetos de produção de energias alternativas, para a realização de estudos conjuntos para analisar a viabilidade técnica e econômico-financeira para o fornecimento energético a partir de plantas fotovoltaicas ou eólicas para a produção do hidrogênio verde a ser usado fábrica de Uberaba.
A partir da conclusão do projeto executivo e da decisão final de investimento, a etapa de construção da fábrica não deve tomar mais de três anos.
A equipe da Atlas Agro tem vasta experiência na instalação e operação de plantas de produção de fertilizantes. A companhia foi fundada por dois noruegueses com passagens por posições de comando em indústrias do segmento.
Petter Østbø, CEO da Atlas, comandou a Eurochem e foi CFO da Yara, duas das maiores empresas de fertilizantes do mundo. Knut Karlsen, que ocupa a posição de Chief Growth Officer na nova companhia, atuou como presidente da Yara no Brasil.
Santana, por sua vez, tem 18 anos de experiência em companhias do setor. “A ideia genuína da criação da empresa foi muito baseada no que a gente via no mercado como oportunidade. Faltava ter alguém liderando a descarbonização na indústria de fertilizantes nitrogenados”, diz ele, contratado há dois anos e meio para comandar a instalação da empresa no Brasil.
A indústria de fertilizantes nitrogenados é hoje vista como uma das vilãs do efeito estufa no mundo, responsável por 2% das emissões globais.
“O problema é que até hoje não existe uma maneira mais eficiente de repor o nutriente nitrogênio no solo do que o uso de fertilizantes sintéticos”, afirma Santana.
“Por mais que tenha existido o avanço dos insumos biológicos, eles têm um limite do que conseguem suprir das necessidades de nitrogênio nas planta, em torno de 20%. Então, para os outros 80%, você vai precisar continuar utilizando os fertilizantes sintéticos.
A proposta da Atlas Agro é atacar o problema utilizando fontes alternativas ao gás natural e ao carvão para a produção de energia – que representa 80% do custo de produção da amônia.
Hoje, a maior parte das plantas dependem desses combustíveis fósseis e estão instaladas em regiões onde eles podem ser obtidos de forma abundante e barata.
Segundo Santana, foi isso que, historicamente, colocou o Brasil nas rotas de importação – e não de produção –, de fertilizantes.
“O gás natural brasileiro não é competitivo contra outras fontes. Mesmo com esforços para reduzir o preço, acredito que dificilmente chegue aos níveis dos Estados Unidos, Oriente Médio ou China”, avalia.
Nesses locais, compara, o custo é de US$ 2 por milhão de BTU (unidade utilizada para medir volume do gás), enquanto no Brasil, hoje, está em torno de US$ 16 a US$ 17.
Assim, a primeira missão da Atlas Agro foi identificar locais, ao redor do mundo, em que a empresa conseguisse produzir fertilizantes verdes da maneira mais competitiva possível contra os fertilizantes de origem fóssil importados.
As duas primeiras regiões mapeadas foram a costa oeste dos Estados Unidos e o interior do Brasil. No mercado americano, pesa a favor a política de incentivos para indústrias voltadas à descarbonização. Aqui, segundo Santana, o cenário é favorecido por vários motivos.
O primeiro é a dependência do produto importado – hoje a produção nacional não atende sequer a 10% da demanda.
Outro é a oferta de energia renovável competitiva, a um custo razoável quando comparado com os patamares do mundo.
“Conceitualmente, quando a gente olha os modelos de negócio, o principal mercado, que faz mais sentido para nós, é o brasileiro”, diz.
Perto do produtor
O Brasil importa anualmente mais de 41 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados, cerca de 95% do volume consumido no País. A dificuldade de produzir aqui tem sido, de fato, a competitividade do produto nacional em virtude do preço gás.
As energias renováveis resolvem em parte essa questão, mas a Atlas Agro acredita ser possível compensar o restante levando a produção para perto do mercado consumidor, reduzindo de forma significativa os custos logísticos, que, segundo Santana, representam 30% do preço final do fertilizante.
A escolha de Uberaba para a primeira planta da companhia segue essa lógica – na área endereçável para a sua produção haveria, segundo estimativas da Atlas Agro, uma demanda para cerca de 3 milhões de toneladas anuais.
O projeto, por sua vez, prevê uma produção de 530 mil toneladas. Na região do Triângulo Mineiro e do Noroeste de São Paulo, que deve ser atendida pela fábrica, há produção de cana-de-açúcar, grãos, café, batata, laranja.
“Eu vou estar do lado do produtor rural, então essa é uma parte importante da equação basicamente da competitividade”, diz Santana.
Mas há outros motivos que pesaram na escolha do local, como a disponibilidade de insumos como água potencial para a produção de energia renovável e a proximidade como grid de transmissão de eletricidade.
Uma linha de transmissão está a menos de quatro quilômetros da área que receberá o investimento, recebida em comodato junto à prefeitura e Uberaba.
Nesse mesmo local, cerca de uma década atrás, a Petrobras chegou a iniciar a construção de uma fábrica de fertilizantes, depois descontinuada.
“Isso também foi um dos motivos que nos interessou, não pelo valor do terreno, mas por ter sido um terreno já licenciado para uma planta de amônia, o que, obviamente, reduz o risco, o tempo e a complexidade do licenciamento”.
Além da fábrica de Uberaba, a multinacional acredita haver espaço para mais 9 plantas no Brasil no futuro e, nesse sentido, já iniciou a identificação de novas localidades onde podem ser instaladas.
Para a ITA, um dos atributos mais relevantes do projeto é justamente o olhar da empresa para o mercado interno. A instituição pretende auxiliar a Atlas Agro nesse mapeamento de oportunidades.
Investidores globais
A ITA não atua com financiamento dos projetos, mas, segundo a sua diretora, pode ajudar a conectar a Atlas Agro a potenciais investidores, que participam da organização. Um exemplo é a Glasgow Financial Alliance for Net Zero, que reúne alguns dos maiores fundos de investimento do mundo. “Existe grande interesse por projetos desse tipo no mundo”, afirma.
A estrutura de capital que vai financiar a construção da planta de Uberaba também ainda deve ser montada. Parte do investimento deve ser próprio, segundo Santana.
“Hoje a gente não está buscando funding, mas avançando na engenharia. Quando chegarmos a 50% desse projeto executivo vamos começar o processo estruturado de funding”, diz.
Em seus três anos de existência, a empresa recebeu aportes dos fundadores e fez pequenas rodadas que garantiram o seu funcionamento nessa fase inicial.
No ano passado, ganhou musculatura financeira com a entrada do investidor mais relevante, a gestora australiana Macquarie Asset Management, dona de um dos maiores fundos do mundo dedicados à área de infraestrutura, que se comprometeu a aportar US$ 325 milhões na companhia.
Com esse apoio garantido e o interesse global em projetos associados a hidrogênio verde – sobretudo na descarbonização da cadeia de fertilizantes –, a Atlas acredita que deve conseguir levantar os fundos necessários para a implantação do projeto.
“Com o apoio da ITA, nosso projeto, que já tinha uma visibilidade boa aqui no Brasil, vai tomar uma proporção realmente global, porque vai ser um dos primeiros plantas de fertilizantes verdes, nitrogenados verdes em escala industrial do mundo”, diz Santana.
Para o diretor da Atlas Agro, a organização pode ampliar a rede de conexões com “stakeholders importantes, principalmente internacionais, relacionados a financiamento, a funding”.
Segundo ele, a ideia é que a fábrica comece a funcionar em 2028 já com sua capacidade quase plena, com poucos meses de ajustes e “aprendizado” para chegar lá.
Outro ponto em que o apoio institucional da organização global pode ser relevante é na resolução de questões regulatórias. Santana lembra que, por ser a primeira planta a utilizar o processo de eletrólise na produção do hidrogênio verde para a obtenção de fertilizantes nitrogenados, ainda há alguns pontos que precisam ser apreciados por órgãos governamentais – e aí, a parceria do ITA com o MDIC pode ser bastante útil.
“Como em qualquer tipo de indústria nova ou mercado novo, você tem um mato muito alto para ser cortado. São novas diretrizes, novas regras, novos regulamentos, que exigem muito de política pública, não apenas para o nosso projeto, mas para futuros investimentos nessa área”, explica Santana.
O executivo lembra que o Brasil aprovou recentemente a Lei do Hidrogênio Verde. “Desde o ano passado, que a gente trabalhou muito forte para fazer com que essa lei fosse aprovada e, assim, destravar uma série de projetos. Mas ela, sozinha, não resolve o problema”.
Santana diz que há outros projetos para a produção de hidrogênio verde no Brasil, mas quase todos eles com foco no mercado exportador e alocados dentro de Zona de Processamento de Exportação, onde contam com uma série de benefícios e incentivos tributários.
Diante do aspecto estratégico da indústria de fertilizantes verdes, a Atlas Agro reivindica também algumas isenções. A principal delas seria a desoneração da tributação sobre o capital investido (Capex).
“Em US$ 1 bilhão, imagina o monte de tributos em cima. Isso ameaça um pouco a competitividade do projeto. Esse seria um caminho que daria uma tranquilidade muito grande para os investidores”.