Lençóis Paulista (SP) - Mesmo para quem está acostumado a fazer viagens pelo País para conhecer fábricas e indústrias de diversos setores do agro, as instalações da Bracell, em Lençóis Paulista, no Interior de São Paulo, impressionam.
Com uma construção iniciada em meio à pandemia, entre 2020 e 2021, a unidade paulista da empresa de papel e celulose conta com 1,6 milhão de metros quadrados e uma capacidade de produção de 3 milhões de toneladas de celulose kraft ou 1,5 milhão de toneladas de celulose solúvel, numa fábrica flex.
Para tudo isso ser possível, foram mais de 10 mil trabalhadores, 72 mil toneladas de aço e R$ 15 bilhões investidos na construção, o que faz esse investimento ser o maior de uma empresa privada feito no Estado de São Paulo nos últimos 20 anos.
Diante de um mercado composto por gigantes nacionais como Suzano e Klabin, a Bracell opera de forma mais silenciosa, mas com números e propostas em coro com a ambição de seu controlador, o grupo Royal Golden Eagle (RGE), com US$ 35 bilhões em ativos e sede em Cingapura, e é líder global na produção de celulose solúvel.
Para dar mais detalhes do que tem feito e o que pretende fazer nos próximos anos, a companhia recebeu jornalistas em uma rara visita a sua nova unidade.
De acordo com Márcio Nappo, executivo que já passou por Abiove, JBS e ADM e hoje é vice-presidente de sustentabilidade da Bracell, apesar da presença da empresa na Indonésia, China e Canadá, o Brasil é o “epicentro de investimento do grupo”.
A companhia estima que já investiu cerca de US$ 6,5 bilhões desde que chegou no País há quase 20 anos. Nos últimos quatro anos, foram R$ 20 bilhões, com grande parte indo para o projeto Star, que colocou a fábrica de Lençóis de pé.
Ainda no município, a empresa recém iniciou, após investir R$ 2,5 bilhões, a produção em sua mais nova linha de tissue, com capacidade para 240 mil toneladas por ano. A instalação se soma às fábricas de Feira de Santana (BA) e Pombos (PE), que juntas produzem 50 mil toneladas por ano.
“Essa fábrica é a maior de papel tissue do Brasil hoje. Isso é 30% do mercado nacional e por isso grande parte deve ir para exportação”, afirmou Nappo.
A companhia agora olha para novas oportunidades de mercado, com especial atenção ao Mato Grosso do Sul. Considerada como “nova fronteira”, por Nappo, a companhia anunciou recentemente que iniciou estudos ambientais para construir sua terceira planta de celulose na cidade de Água Clara.
A perspectiva é de um investimento na ordem de R$ 20 bilhões e uma capacidade de 2,8 milhões de toneladas por ano de celulose. Essa expansão, segundo o diretor, se dará apenas em áreas de pasto degradado. “Não existe conversão de área natural para produção de eucalipto”, afirmou.
Por lá, a companhia já possui uma base florestal e um viveiro com capacidade para 40 milhões de mudas. Estima-se que a companhia possua cerca de 50 mil hectares de florestas plantadas com eucaliptos, além de 35 mil hectares de mata preservada.
Em São Paulo, maior celeiro de eucaliptos da Bracell, são 274 mil hectares totais, sendo 183 mil hectares de produção e 75 mil hectares de área de preservação, de acordo com um relatório de manejo produzido pela SysFlor no final de 2023.
Na Bahia, de acordo com outro relatório disponível no site da companhia, este referente à 2024, são 230,8 mil hectares de áreas manejadas, incluindo as instalações fabris em Camaçari, a fábrica de Tissue em Feira de Santana, 97,8 mil hectares de produção e 97,2 mil hectares de vegetação nativa preservada.
Um futuro verde
Durante a visita à fábrica, as metas de sustentabilidade da empresa são frequentemente reforçadas pelos porta-vozes, mostrando que a companhia prevê um futuro mais verde em suas operações.
A Bracell possui um compromisso chamado “um para um”. A companhia se comprometeu a conservar um hectare a cada hectare plantado. “De toda nossa área de florestas em São Paulo, 30% é vegetação natural, em um estado em que o requisito é de 20%. Na Bahia, quase 100 mil hectares de floresta nativa pertencem à Bracell”, comenta Nappo.
Mouana Sioufi, gerente de relações institucionais e responsabilidade social da Bracell, ainda relembra que a companhia faz uma série de projetos sociais com as comunidades próximas.
Desde projetos com apicultores à inclusão de mulheres em situação de vulnerabilidade no quadro de funcionários, a Bracell investe atualmente em 41 projetos e estima já ter atingido 134 mil pessoas e R$ 9 milhões em projetos de educação.
De olho nas mudanças climáticas, a companhia ainda tem reforçado sua atuação na prevenção de incêndios. Embora não divulgue números absolutos de investimento, a Bracell informa que são 20 torres de monitoramento instaladas em suas terras.
A companhia passou de 47 ocorrências em 2022 para 176 no ano passado e só neste ano até agora, 352 princípios de incêndio, impulsionados pelo clima quente e pelas queimadas criminosas vistas no estado há alguns meses. A empresa possui uma parceria com a Aton Energia e utiliza o software Saffira.
De “bonsai” a árvore de oito metros
Em Lençóis, 10 hectares das instalações são dedicados a um viveiro. Bruno Lima, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Bracell, explicou que são seis anos desde a muda até a colheita do eucalipto.
Diferente da Europa, onde esse tempo beira os 40 anos por conta dos invernos rigorosos, por aqui as condições de solo, clima e abrangência de áreas permitem mais escala.
A companhia trabalha com um programa de clonagem de eucalipto por estaquia, na intenção de atingir uma planta mais eficiente na relação entre volume de madeira e produção de celulose. A atividade “parece jardinagem”, segundo Claudilene Alves, pesquisadora que coordena o viveiro.
No manejo, depois do time liderado por Lima desenvolver cultivares, a equipe liderada por Alves reproduz “bonsais” de eucalipto. “No campo essas árvores terão oito metros, mas aqui estão com 14 centímetros”, disse ao AgFeed durante a visita ao viveiro.
A meta para esse ano era produzir 92 milhões de estacas (um pedaço do caule extraído e que será plantado em um novo suporte) gerando 62,5 milhões de mudas que são de fato plantadas no campo.
Essa relação traz um “aproveitamento” de 68%, mas de acordo com Alves, o indicador pode chegar aos 74% no final deste ano.
Antes de virarem mudas, as estacas ainda ficam por 15 dias em uma estufa quente e úmida para enraizar melhor no solo.
Passado esse tempo, ainda ficam mais semanas expostas ao sol, se aclimatando em um ambiente mais próximo ao encontrado nas fazendas.
Desde o primeiro dia até o carregamento do caminhão, o processo dura uma média de 90 dias, com no mínimo 60 para enviar o lote ao campo. A fábrica atende um raio máximo de 300 quilômetros, já que as mudas aguentam poucos dias nesse trajeto. A média de entregas é de 90 quilômetros.
Passados os seis anos, a companhia recebe as toras de eucalipto, que passam por todo o processo industrial até virar celulose. Por dia são 16 mil toneladas de madeira seca recebida.
Metade de todo o eucalipto que entra na fábrica de Lençóis Paulista é transformado em produtos. Os outros 50% tornam-se lignina, um polímero orgânico que une as fibras da celulose e que vira adubo (licor negro) e é reutilizado no próprio processo fabril.
Segundo a Bracell, a operação não utiliza nenhum combustível fóssil e os subprodutos da celulose são utilizados para manter a estrutura ligada, além de biogás nos fornos de cal.
A produção ainda gera 409 Megawatts/hora (MWh) de energia elétrica. A companhia utiliza grande parte e ainda vende 180 MWh (o suficiente para abastecer uma cidade de 3 milhões de habitantes, como Brasília) para o mercado.
A companhia estima que recupera 97% dos produtos químicos utilizados no processo produtivo e que parte do potássio do processo ainda é usado como fertilizante nas plantações de eucalipto.
Hoje, a celulose que sai da fábrica de Lençóis Paulista é, em parte, utilizada nas indústrias próprias de tissue ou de outros clientes, Outra parte é exportada. Para tal, a companhia leva via caminhões até o terminal intermodal em Pederneiras, também no interior paulista. De lá, via ferrovia, segue até o Porto de Santos.
Nappo comentou que a empresa tem investido para adotar caminhões elétricos alimentados pela energia da própria fábrica para fazer esse trajeto. Ele estima uma redução de 132 mil quilos de CO2 emitidos por ano com essa troca.
Em Santos, a Bracell possui um terminal com capacidade para 126 mil toneladas de armazenagem. A empresa estima que já investiu R$ 400 milhões por lá e que já exportou mais de 8 milhões de toneladas de celulose desde 2020, numa média de 3 milhões de toneladas por ano.