Na Mapfre, maior seguradora privada do Brasil quando o assunto é seguro rural, a palavra de ordem no momento é “reavaliar disposições”.

Em entrevista ao AgFeed, o novo diretor técnico de seguro rural da empresa, Fábio Damasceno, disse que a empresa, que tem grande exposição à região Sul, se prepara para a safra 2024/2025 com novas estratégias.

“Vamos acelerar em regiões com maior estabilidade de clima e reavaliar ou segurar a exposição em áreas que invariavelmente sofrem em anos de La Niña”, resumiu.

A preocupação do executivo tem justificativa. Tradicionalmente, o seguro rural no Brasil é amplamente contratado pela região Sul, onde o clima costuma causar maiores instabilidades, com potencial perda para as lavouras.

Em 2023, por exemplo, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, o Paraná foi o estado com o maior número de apólices contratadas, um total de 36.912. Em segundo lugar, veio o Rio Grande do Sul com 22.204 contratos.

É fato que ao longo deste ano, com a tragédia climática que afetou o estado gaúcho, um novo avanço no interesse dos produtores está sendo aguardado. Além disso, safras sob a influência de La Niña – como é previsto para 2024/2025 – costumam trazer alto risco de seca para o Sul do Brasil. Um cenário nada bom para seguradoras que, nos últimos anos, já vinham enfrentando altas sinistralidades.

A Mapfre vislumbra que a região Centro-oeste não deve ter muitos problemas no cultivo, mas olha com atenção as regiões Norte, Nordeste e Sul.

Damasceno pondera que, nessa mesma época no ano passado, os meteorologistas previam um ano tranquilo em relação a umidade, mesmo com o El Niño, mas a situação final da safra foi pior do que o esperado.

“A sinistralidade foi super alta no ciclo 2023/24 no Centro-Oeste, principalmente Mato Grosso e Goiás. Olhamos agora para um clima neutro, o que pode trazer resultados interessantes”, afirmou o diretor.

Mesmo no Mato Grosso, Damasceno olha com atenção às microrregiões. Na safra passada, por exemplo, enquanto as regiões próximas à Sorriso enfrentaram uma seca severa, propriedades localizadas no Vale do Araguaia, mais ao leste no estado, viveram climas mais tranquilos.

Damasceno se juntou à Mapfre em maio deste ano. Antes de ser contratado pela multinacional espanhola, o veterinário de formação já atuava com seguro rural há mais de 10 anos.

Depois de alguns anos atuando como clínico e realizando cirurgias em cavalos na região de Americana, interior de São Paulo, onde teve o primeiro contato com o mundo do seguro, passou a atuar em seguradoras buscando mais estabilidade financeira. Na época, ele estima que “cuidava” de 600 cavalos na região.

O executivo se especializou no setor em uma pós-graduação e passou a atuar na Swiss Re, gerenciando a carteira agrícola da companhia. Em 2012 foi para a Fairfax para abrir a carteira agro na empresa.

“Nos últimos 12 anos que estive lá estruturei uma carteira completa, e isso me trouxe a possibilidade de participar das pontas comercial, técnica e de porta-voz da empresa”, afirmou. Na Mapfre, ele diz que veio com a intenção de reposicionar a empresa no seguro rural.

A dispersão regional e a tragédia no Sul

Damasceno chegou na companhia no segundo dia de maio deste ano, exatamente na semana em que as enchentes do Rio Grande do Sul se iniciaram.

“Já cheguei num momento desafiador, com todas as atenções voltadas para lá”. A região Sul como um todo é a maior em concentração da carteira agro da empresa, com 58,9% da exposição.

O restante se divide em 26,4% de exposição no Sudeste, 10% no Centro-Oeste e no Norte e Nordeste, 4,7%. Há três anos, a região Sul representava 75% dos negócios.

A meta da empresa é chegar a uma carteira 50% exposta ao Centro-Oeste nos próximos anos. Para isso, a Mapfre tem feito uma série de parcerias com revendas como a AgroGalaxy e com programas de relacionamento multimarcas.

No agro, 70% está exposto a grãos como soja e milho e o restante para culturas como frutas e café. Nas frutas, Damasceno explicou que a maior parte são produtores de uva e maçã no Sul do País.

Para continuar com o negócio em patamares saudáveis, a empresa deve “trazer a carteira mais para cima no mapa”.

“A nossa ideia é dispersar mais essas regiões. Nossa avaliação é que temos algumas concentrações no Sul, e que para viabilizar novas safras, precisamos de mais penetração em outros lugares, como em São Paulo”, avalia.

A tragédia no Rio Grande do Sul, contudo, não trouxe tantos efeitos a curto-prazo para a Mapfre. O diretor afirma que a safra de soja estava praticamente finalizada nos municípios afetados. “As inundações ocorreram na fase final da colheita”.

A grande questão é o futuro. “Nos preparamos para uma safra de verão na temporada 2024/25 com muitas dúvidas”.

O diretor acredita que o grande prejuízo da tragédia para o mercado agro é a viabilidade de plantio de algumas regiões para os próximos ciclos. Ele conta que, em algumas reuniões com representantes do governo e em visitas locais, foi possível perceber que alguns solos de regiões de mais calamidade podem ter perdido nutrientes acumulados em 400 anos.

“Eles podem ficar inviabilizados nos próximos ciclos ou até mesmo por centenas de anos. Algumas regiões temos dúvida quanto à capacidade de plantio”, afirmou.

Na região, ele cita que o tamanho da Mapfre permite absorver os problemas. Na parte de seguro patrimonial, alguns produtores de frutas e de arroz tiveram estruturas danificadas por lá.

A estratégia e a perda de representatividade do Sul do País na carteira da Mapfre dialogam com a trajetória da sinistralidade da empresa. Em 2021, o índice atingiu 350%. Na prática, para cada R$ 1 arrecadado, foram pagos R$ 3,50. Neste período houve um prejuízo próximo de R$ 1 bilhão.

Em 2022 a empresa diz ter fechado com sinistralidade de 101%, um resultado ainda negativo.

O número de 2023 ainda não está totalmente fechado por conta de alguns contratos que se encerram em agosto, mas a carteira agrícola deve terminar com um índice de 90%, sendo que o seguro rural deve ficar abaixo dos 60%.

Mesmo positivo, o diretor avalia que ainda não é um resultado bom. “Com os custos, fica apertado”, avalia. Esse equilíbrio frente os outros anos foi ajudado pelos segmentos patrimonial e de máquinas, segundo Damasceno.

A empresa fechou 2023 com R$ 1,26 bilhão em prêmios emitidos, uma alta de 10% frente a 2022, quando a empresa anotou uma receita com seguros ligados ao agronegócio de R$ 1,14 bilhão.

Para 2024, considerando a safra de inverno afetada pela primeira safra, o número deve vir em linha com o visto em 2023, de acordo com o diretor.

Para além da diversificação geográfica, Fabio Damasceno afirmou que a Mapfre irá remodelar a jornada de vendas nos próximos anos. Atualmente, grande parte dos corretores ou são especialistas no seguro agrícola ou no patrimonial, e a intenção da empresa é que o cliente tenha os serviços de forma integrada.

“O principal ponto aqui é ter uma jornada focada no cliente, não só no cliente final, mas também no distribuidor. Até o final do ano devemos ter um projeto completo para 2025 com uma estratégia de vendas, portal do cliente e monitoramento do sinistro integrado para que todos tenham acesso a uma informação transparente”, afirmou o diretor.

Ele explica que a carteira da Mapfre está diretamente ligada a operações de crédito e os momentos distintos em que um produtor busca um recurso para investimento, custeio ou modernização de equipamentos.

Isso torna a venda de seguros sazonal na empresa. “É difícil ter a venda ao mesmo tempo de dois produtos de seguro. Geralmente, antes do plantio ele compra as máquinas, e antes da colheita renova algumas tecnologias, 6 meses antes da colheita ele capta o custeio”.

A safra 2024/25 deve ser marcada por uma estabilidade na margem do produtor, que passou por alguns anos de bonança e uma safra de correção na temporada passada. O único X da questão ainda é a taxa de juros elevada.

As linhas de subvenção do governo para seguro ajudam o cenário, acredita Damasceno, e acabam mitigando riscos.

A condição de venda do seguro na operação é um mitigador importante, mas a subvenção inibe. “Quando o produtor não toma o crédito subvencionado e vai comprar o seguro, a percepção de risco, pra gente, aumenta”, conta.

Damasceno espera uma redução no valor de subvenção da empresa, por conta da alta exposição ao Sul, que historicamente sofre com a La Niña. “Todas as seguradoras e resseguradoras atendem essa movimentação de dispersão”, afirmou.