Enviado a clientes no início desta semana, um relatório produzido por analistas marcou a estreia do Banco Santander na cobertura da 3tentos, companhia gaúcha que comercializa insumos, grãos, farelo de soja e biodiesel.
O documento segue um roteiro que o mercado tem se acostumado a acompanhar nos últimos anos quando se fala do grupo comandado pela família Dumoncel: com expectativas positivas, o banco classificou as ações da empresa na categoria “outperform”.
Isso indica uma visão de que os papeis devem superar em até 10% o desempenho do segmento no próximo período. O Santander entende que a cotação das ações da 3tentos podem chegar a R$ 13, com uma valorização de 32% sobre o patamar atual.
Há uma série de nuances no relatório, entretanto, a condicionar a avaliação otimista. A 3tentos enfrentará cenários complexos nos três pilares em que baseou sua estratégia de negócios.
O segmento de distribuição de insumos, que responde por cerca de metade de sua receita, por exemplo, vive um dos maiores períodos de retração dos últimos anos, com boa parte das empresas apresentando recuo nos resultados e apontando para mais um ano de ajustes pela frente.
O quadro não afeta a confiança de Luiz Osório Dumoncel, fundador e CEO da 3tentos. “Em 29 anos, passamos por muitas situações totalmente imprevisíveis e incontroláveis, mas fizemos a gestão desses momentos muito bem”, afirma, em entrevista ao AgFeed.
“A companhia tem a humildade de reconhecer momentos difíceis, mas nunca estivemos ou estaremos expostos, correndo riscos que prejudiquem o nosso negócio”.
A conversa aconteceu poucos dias depois da divulgação dos resultados da empresa para 2023. A receita, por muito pouco, não bateu a marca de R$ 9 bilhões, o que representa um crescimento de 30,7% sobre o ano anterior.
3tentos se manteve, assim, no mesmo ritmo de crescimento anual que tem apresentado desde sua criação, em 1994, como Dumoncel gosta de destacar. “Nos últimos três anos, depois do IPO, crescemos 43% ao ano. Em todos os anos, entregamos resultados positivos”.
O retrato mais detalhado do balanço explica como o modelo de negócios desenvolvido por ele e o irmão, João Marcelo, atual COO do grupo. Ao erguer a empresa em torno de três áreas de negócios complementares, mas com ciclos diferentes, eles criaram uma espécie de hedge para seus resultados.
“Às vezes, quando o varejo agrícola não está trazendo resultado, ou está com estoque caro, temos no trading de grãos ou na indústria setores que nos escoram”, afirma o CEO. “E vice-versa”.
Em 2023, o mercado de insumos precisou ser escorado pela indústria. Enquanto as vendas nas 65 lojas da empresa praticamente empataram a receita de 2022, o faturamento das indústrias de esmagamento de soja e biodiesel cresceu 56%. O negócio de comercialização de grãos ficou 31% acima do ano anterior.
O hedge contempla também a distribuição geográfica da companhia e guia os seus movimentos de expansão. A presença da empresa está concentrada em dois mercados distantes e com características diferentes.
Nascida no Rio Grande do Sul, hoje a empresa está presente em praticamente todas as regiões produtoras do estado, onde a produção de soja, milho, trigo e arroz irrigado, suas principais culturas, está nas mãos de famílias com pequenas propriedades.
E a expansão se dá no Mato Grosso, onde médios e grandes produtores são dominantes. Lá, a 3tentos definiu dois eixos para sua atuação, a BR-163, onde instalou nos últimos anos 8 unidades de varejo e indústrias de esmagamento de soja e produção de biodiesel, e a BR-158, na região do Vale do Araguaia, principal fronteiras de investimentos do grupo nos próximos anos.
Com esse balanço, diz Dumoncel, a companhia conseguiu manter sua estratégia nos últimos anos, em que estiagens severas provocaram quebras de até 50% em lavouras gaúchas. Agora, que o clima impacta as colheitas no Mato Grosso, o Sul deve trazer uma safra cheia, com bons resultados.
“Nossa expansão geográfica sempre vai com o tripé loja, grãos e indústria”, afirma o empresário. No Vale do Araguaia, o discurso pode ser observado na prática neste momento.
Na semana passada, por exemplo, foi iniciada a terraplanagem para a construção de planta de processamento de milho em Porto Alegre do Norte (MT), indústria que receberá boa parte dos grãos que serão originados pela empresa junto a produtores da região.
Esses mesmos produtores serão atendidos pelas seis lojas que a empresa deve abrir nas cidades próximas, fechando assim um ciclo de negócios que coloca os agricultores tanto como clientes quanto como fornecedores. “Assim, temos mais intimidade com o produtor e criamos um ecossistema de negócios agrícolas”, explica.
Indústria e lojas no Araguaia – onde, segundo a empresa, hoje são plantados mais de 3 milhões de hectares de soja e 1,3 de milho – receberão a maior parte dos R$ 2 bilhões em investimentos projetados pela 3tentos até 2030, segundo plano apresentado ao mercado em janeiro passado e que prevê levar o grupo a 100 unidades até o fim da década.
Os analistas do Santander entenderam que a escolha da região foi acertada. “Vemos cidades atrativas nessa localização, onde a concorrência é menor que em outras em que a empresa atua”, ressalta o relatório.
M&A de pessoas
Desbravar áreas menos exploradas traz, porém, desafios adicionais. Um dos maiores é identificar pessoal qualificado para atuar nas diversas frentes da empresa. Por isso, a empresa está percorrendo as cidades do Araguaia, buscando gente com as mais diferentes qualificações.
A lista é longa, como cita o próprio Dumoncel: “Em todas as áreas, desde diretoria comercial, industrial, gerências industriais, coordenadores produção, manutenção, qualidade, operação, grãos, trading, originação, backoffice das lojas, agrônomos de campo...”
Cada escolha é estratégica, sobretudo para o modelo de negócios da empresa, que sempre privilegiou crescimento orgânico a aquisições, o que exige a construção de carteiras de clientes, ao invés de comprá-las.
“Nosso foco é fazer M&As de pessoas”, diz ele, atribuindo a criação da expressão ao irmão, João Marcelo. “O garimpo está acontecendo, para Identificar os melhores agrônomos, o melhor comercial, e assim por diante. E as pessoas vêm com clientes, conhecidos, relações”.
Dumoncel concorda que as dificuldades enfrentadas pelos concorrentes podem ajudar nesse processo de “adquirir profissionais”, já que a estabilidade apresentada pelas 3tentos pode ser um atrativo em um momento de mercado mais desafiador.
“O que defendemos internamente e nunca vamos deixar de incentivar é a sinergia dos negócios”, afirma. “As pessoas que estão e virão tem de ter isso como mantra”.
Enquanto o plano é executado, a 3tentos já projeta o futuro, mas resistindo à tentação de acelerar ainda mais. Dumoncel afirma que a empresa já tem “estudos bem avançados e coisas praticamente certas” sobre as próximas áreas de expansão.
“Mas não temos ainda o timing para isso ocorrer”, diz. “Não somos uma empresa que joga. A gente faz um trabalho seguindo a nossa visão, que é a mesma desde 1994, quando estávamos construindo a empresa, e 1995, quando abrimos as portas para a primeira carga de milho”.
Ele afirma que o foco de 2024 deve ser a busca de “eficiência maior em margens”. Isso será possível, diz, em virtude de uma maior previsibilidade do mercado neste ano, com preços de insumos e grãos normalizados depois de anos de instabilidades provocadas por problemas externos, como covid e guerra na Ucrânia.
“Esperamos um ano em que continuamos crescendo, mas com margens mais saudáveis. Não estamos enfrentando situação que não era prevista e, se acontecer, vamos tratar”, diz.
Dumoncel também garante não estar preocupado com um possível aumento na inadimplência dos produtores rurais. “Nós temos a nossa documentação, com CPRs registradas, que não entram em recuperação judicial. Além disso, conhecemos nosso cliente, sempre tivemos inadimplência baixíssima”.