Em um futuro breve, haverá uma vitrine fixa do agro brasileiro visível ao visitantes da Farm Progress, principal feira de tecnologia agrícola dos Estados Unidos, realizada na cidade de Boone, no estado de Iowa.

Ali, em uma área de 18 hectares que costumava servir como estacionamento para o evento, o empresário gaúcho Assis Strasser, radicado em Lajes (SC) vai realizar um sonho antigo e construir a primeira unidade internacional da GTS, empresa fabricante de implementos agrícolas.

A compra do terreno foi realizada no ano passado, sob algumas condições: manter um terço da área disponível para os carros dos visitantes no período da feira e manter de pé um antigo moinho construído ali.

Contando o valor da aquisição com o da construção da nova fábrica – ainda sem cronograma definido – a empresa prevê investir R$ 148 milhões no local, segundo confirmou o empresário ao AgFeed na semana passada, em conversa no estande da companhia na Agrishow, em Ribeirão Preto.

A julgar pelo estilo inquieto e empreendedor de Strasser, não deve demorar para as obras começarem. “Gosto muito daquela frase dos americanos, ‘Time is money’, tempo é dinheiro”, disse ele, aflito, ao dar a entrevista, com a presença de clientes do lado de fora da sala. “Na Agrishow temos de vender e fazer dinheiro”.

Strasser é objetivo. Em poucos minutos, ele faz uma análise do momento difícil do cenário atual e destaca a dificuldade de se investir nesse momento.

“Nada é tão fácil. O agro global, nos próximos três anos, ainda vai passar por muita dificuldade”, afirmou. “Muitas empresas vão segurar os projetos. A gente está sempre investindo, mas de certa forma dá medo de como o Brasil enxerga o agro”.

E continua: “A gente vai desacelerar também, porque a gente estava muito acelerado. Temos de olhar para as commodities. O que me preocupa são os estoques. Se os Estados Unidos tiverem uma boa safra e a Argentina também, os preços vão cair. O custo Brasil suporta isso?”

Sonho planejado

Preocupações e arrojo se combinam na trajetória de Assis Strasser. Ele ressalta que “a empresa é muito pé no chão” e que vem preparando “há 20 anos” o salto que vai transformar a GTS em uma multinacional.

“Não atiro pra todo lado, tenho foco” diz. Ao mesmo tempo, diz que a fábrica em Iowa será apenas a primeira de uma série e que vislumbra a operação internacional, dentro de alguns anos, como algo “tão grande ou maior” do que a da matriz brasileira.

Atualmente, a marca da GTS já está em 29 países, através da exportação de produtos produzidos no Brasil. As vendas externas já representam cerca de 25% da receita (não revelada) da empresa, que tem como sócios o próprio Assis Strasser, majoritário, e sua ex-mulher, Gilvanna, que atua na área financeira da empresa.

Há cerca de sete anos os dois sócios começaram a desenhar a invasão americana. “Ao longo desses anos, a gente sempre viu os Estados Unidos como um mercado de oportunidade muito grande. Quando se fala da cultura de milho, o mercado norte-americano lidera fortemente e como nós somos, já, uma referência mundial em colheita, não tem como ficar de fora”, afirmou Fernandes.

Desde então, a empresa vem fazendo incursões no mercado norte-americano com o time de exportação sondando esse mercado e mandando seus produtos, desmontados, “dentro das caixinhas dos containers”.

Trata-se de um desafio, já que alguns deles são grandes estruturas metálicas, que chegam a ter mais de 19 metros de largura, como a maior plataforma de corte para colheita de milho produzida no mundo.

“Imagina que, aqui, precisamos ficar seccionando, diminuindo a máquina, para fazer caber neles”, disse Jonathan Fernandes, gerente comercial da empresa. “Nosso importador, para poder comercializar essas máquinas gigantes, tem todo o trabalho, lá, de montagem”.

As dificuldades logísticas, na visão da GTS, travam o crescimento da empresa no mercado americano. “Hoje a gente tem grandes limitações. Carretas graneleiras gigantes, por exemplo, você não transporta no conteiner. O frete marítimo fica absurdamente caro, porque aí o produto tem que ir com alocação especial no navio”.

Assim, a decisão de investir de forma definitiva em produção no território americano, mais que um sonho, atendeu, segundo Strasser, a “uma necessidade” da GTS;

A nova fábrica começará produzindo plataformas de corte, principal produto da companhia. No futuro, entretanto, a intenção é migrar e internacionalizar todo o portfólio de produto, de acordo com Fernandes.

Strasser sabe, entretanto, que construir uma nova fábrica do zero, em outro país, requer mais que vontade e recursos. “Não é fácil, pela mão de obra e a cultura de cada país”, comentou.

Por isso, antes de chegar a Boone, a GTS deve fazer uma escala com uma planta provisória para montagem de seus implementos. O local exato ainda não está definido, mas o plano, sim.

“Essa planta provisória, que a gente pretende fazer perto de um porto para facilitar a logística, a gente deve estar operacionalizando dentro de no máximo um ano”, antecipou Fernandes.

Investimento também em casa

O investimento não é só nos EUA. Na sede da empresa, em Lages, uma grande transformação está quase pronta para acontecer, com a inauguração de uma nova planta – a décima da companhia na cidade, se somar as industriais, comerciais, de armazenagem e administrativas.

Hoje, a capacidade de produção da empresa é de 150 plataformas de corte por mês. As unidades fabris estão espalhadas em diferentes pontos da cidade. “A gente não conseguiu concentrar tudo em volta da matriz, porque já havia algumas outras indústria ali”, contou.

A pedra fundamental da nova unidade foi lançada em 2022. Ela está, segundo Fernandes, com a parte de engenharia civil praticamente pronta. Nos próximos meses, serão executadas as obras elétricas e, em seguida, a instalação do maquinário, com a inauguração prevista para o segundo semestre deste ano.

Mais de R$ 20 milhões foram investidos na planta, que deve ter cerca de um hectare de área coberta. “Será a maior e a primeira totalmente verticalizada, com processos que vão desde a desbobinização ao corte e dobra das chapas de aço”, disse Fernandes.

Enquanto essa fábrica é concluída, outra começa a sair do chão a poucos quilômetros de distância. Uma grande obra de terraplanagem está sendo realizada em uma área conhecida como Mangueirão, na zona rural de Lajes.

“Essa sim é onde a gente pretende concentrar várias unidades que estão espalhadas, entre armazenagem, corte e dobra. Vamos também fazer uma linha de processo para a fabricação de componentes para a GTS, processar tudo por ali, que é algo que hoje a gente não faz”, contou o gerente.

Assim, a GTS vai cada vez mais ganhando tamanho e forma das grandes montadoras de máquinas. A intenção de Assis Strasser é, no futuro, operar com linhas de produção totalmente integradas, trazendo para o mesmo teto todas as etapas de fabricação componentes e sua montagem.

Sua única restrição – que de certa forma segura um pouco a capacidade de produção – é quanto à robotização das fábricas. Ele se orgulha da qualidade da mão-de-obra que possui em suas fábricas e costuma dizer que tem a melhor solda de alumínio do mercado, uma especialidade da casa. “Nossos soldadores têm CPF, a gente não troca por robô”, afirmou.

O estilo Assis

Strasser acompanha cada processo pessoalmente, bem de perto. E se orgulha de participar ativamente em cada detalhe da gestão e da produção.

“Eu cuido da engenharia, dos nomes, das cores”, afirmou. “Sou um cara que faz as coisas muito rápido. Se me der uma questão, em dez minutos já te dou uma resposta. Devagar não trabalha comigo”.

Na Agrishow, era o primeiro a chegar no estande e participava do atendimento aos clientes da mesma forma que qualquer outro dos vendedores de seu time. Na sede da empresa, em Lajes, não é diferente. “Ele está em toda parte”, disse Fernandes. “O Assis foi o primeiro vendedor, o primeiro técnico, o primeiro desenvolvedor”.

Aos 64 anos, o homem que cursou apenas o antigo primeiro grau, hoje é um ávido estudioso autodidata, que mergulha nos temas de interesse da empresa, seja um software de desenvolvimento de produto, sejam as previsões aí de economia.

“Ele está sempre se informando, falando com muitas mentes brilhantes do agronegócio, e com uma capacidade de aprendizado fora do comum”, relatou o gerente da empresa.

Segundo Fernandes, apesar do rápido ritmo de crescimento dos anos anteriores, Assis Strasser já vinha preparando suas equipes para uma freada do mercado. Entre 2021 e 2022, por exemplo, a empresa deu, segundo ele, um salto de 300%. Já no ano seguinte, um recuo de 30%.

“Quando a gente cresce tão rápido, a gente acaba ficando acostumado com o crescimento e vendo esse expansionismo no mercado como talvez até o teu único caminho. Ele nos mostrou que não era assim”.

Para este ano, a tendência é de uma nova redução, menor, nas receitas, mas que não assustam o empresário. Na Agrishow, por exemplo, a GTS fez 16 lançamentos, já de olho em um momento em que, seguindo os tradicionais ciclos do agronegócio, o segmento volte a crescer.

Fortalecer o negócio externo, assim, é também um antídoto a essas oscilações, diversificando as operações e gerando um equilíbrio melhor de receitas. “Faz parte da análise não ficar tão refém de um mercado apenas”, explicou Fernandes.

Legado da “Joinha”

Filho de agricultores gaúchos, nascido em Não-Me-Toque, Assis Strasser criou a GTS do zero, a partir de uma demanda própria. No final dos anos 1990, ele e os irmãos Aldivio e Avenir decidiram subir para Santa Catarina em busca de terras para expandir a lavoura e se instalaram em Campo Belo do Sul, na região de Lages.

Lá, eles começaram a plantar milho, mas queriam usar um processo em que as linhas de cultivo tivessem um menor espaçamento, como as da soja. O problemas é que não havia plataformas de colheita para milho apropriadas para operar em espaçamento de 52 centímetros, como desejavam, mas apenas nos tradicionais 80 a 90 centímetros.

Eles, então, foram às montadoras com quem se relacionavam e aporesentaram a ideia. Como não foram ouvidos, resolveram produzir, no barracão da fazenda, a sua própria plataforma.

“Pegaram a original que tinham na fazenda, cortaram, soldaram e foram colher”, contou Fernandes. “E deu certo”. O problema é que, com mais linhas de corte, o equipamento ficou pesado e a colheitadeira “sofria” para carregá-lo.

Então, o próximo passo, foi buscar uma forma de aliviar o peso. A solução encontrada foi fazer uma do zero, toda de alumínio. Mais uma vez deu certo e os irmãos enxergaram que tinham nas mãos um novo negócio.

A GTS foi constituída em uma sociedade com duas indústrias argentinas. O G vem de Garro Fabril, companhia fabricante de caixas de transmissão. G de GTS Garro Fabril. O T, de Tanzi, especializada na estruturação de chassis.

Logo nos primeiros anos do negócio, porém, o S, de Strasser, adquiriu as partes dos demais. Anos mais tarde, Assis comprou a participação dos irmãos, tornando-se, ao lado da então esposa, dono da companhia.

Antes disso, em 2005, ele tomou a iniciativa, sem contar aos irmãos, de adquirir, em Lajes, uma unidade que pertencia ao seu fornecedor de alumínio, a Alcoa. “Foi um peitaço, como dizemos por aqui”, brincou Fernandes.

Ali, ele instalaria a sede onde a empresa está até hoje – e também a “Joinha”, restaurada e aposentada, depois de mais de duas décadas de serviço.

Ali, Assis Strasser faz seus planos. Além da internacionalização, ele pensa em produzir máquinas autopropelidas, como distribuidores de solos e pulverizadores, e quem sabe, num futuro mais distante, até mesmo colheitadeiras.

Também pensa em sucessão e em uma possível abertura de capital. “Ainda é algo para longo prazo”, disse Fernandes. “Nós, que estamos há mais tempo na GTS, até já provocamos ele, dizendo ‘vende as primeiras ações para a gente’”.