Etanol e veículos pesados têm uma relação historicamente turbulenta. No Brasil, desde o lançamento do Proálcool, no final da década de 1970, houve tentativas de popularizar caminhões movidos pelo combustível feito a partir da cana-de-açúcar e mais recentemente do milho, sem sucesso.

Na década passada, algumas montadoras chegaram a colocar no mercado modelos movidos a etanol. E o ano de 2024 vai ficar marcado por uma nova tentativa da indústria para emplacar esse casamento, prometendo um final feliz.

A tendência ficará bem visível na vitrine da Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola da América Latina. Se nos últimos anos as montadoras de máquinas aproveitaram a exposição do evento para ressaltar as tecnologias digitais embarcadas em seus lançamentos, este ano o que se vê é uma preocupação em apresentar os resultados de seus esforços em viabilizar uma nova geração de motores que utilizam etanol e outros biocombustíveis, reduzindo significativamente a pegada de carbono das operações agrícolas.

Seguem por esse caminho de grandes multinacionais do setor à paulista Grunner – fabricante de equipamentos para transbordo, distribuição de fertilizantes e outras operações, montados sobre a plataforma de caminhões Mercedes Benz.

A empresa fundada pelos irmãos Belei, família de produtores da cidade de Lençóis Paulista mostra a partir desta segunda-feira, 29 de abril, na feira de Ribeirão Preto o primeiro modelo desenvolvido a partir de um novo projeto de motor movido a etanol para suas máquinas.

“Nós vimos uma apresentação na última conferência da Datagro, em março passado, de um pesquisador chamado Daniel Sofer, fundador de uma empresa chamada DSA, que já tem um trabalho de desenvolvimento de motores, e fechamos uma parceria”, conta Denis Arroyo, CEO da Grunner, em entrevista ao AgFeed.

Como a DSA já trabalhava no desenvolvimento de tecnologias de motores de máquinas movidas a etanol, Arroyo conta que Sofer conseguiu rapidamente colocar de pé não só o motor, mas adaptar esse motor a um das “smart machines” - como a Grunner classifica seus produtos – para que a empresa pudesse apresentar a novidade de forma prática.

“O modelo terá inclusive um tanque de acrílico, transparente, para mostrar ao público que realmente é movido a etanol e funciona”, antecipa Arroyo.

A apresentação na Agrishow não é de um modelo comercial, mas de um protótipo cuja função é servir de amostra das pretensões da montadora para os próximos anos. O executivo afirma que o que vai mostrar na feira é um projeto, que ainda precisa de desenvolvimento por um tempo estimado de 18 meses. Por isso, ele diz que a montadora ainda não tem um planejamento sobre investimentos e comercialização dos veículos a etanol.

“Nós vamos apresentar na feira a versão 7, mas a DSA já tem desenvolvida a versão 11. Então, teremos esse tempo para checar o desempenho das máquinas, consumo, viabilidade econômica, para depois começar a fazer os testes em campo”, afirma o CEO da Grunner.

De acordo com Arroyo, neste primeiro momento, a Mercedes-Benz, fabricante dos motores dos caminhões da Grunner, não tem participação no projeto. “Acredito que há uma boa chance da Mercedes embarcar depois dessa fase inicial”, afirma.

Arroyo já avalia alguns caminhos para a nova alternativa. Uma delas é fazer a conversão dos motores a diesel que hoje já estão em circulação. “O projeto é simples, porque mexe somente na parte de injeção do motor. Ele continua praticamente o mesmo. Então, não será difícil fazer esse retrofit”.

Arroyo afirma que atualmente, o mercado de veículos de transbordo, que fazem o transporte de cana da lavoura para a usina, por exemplo, tem cerca de 11 mil unidades no mercado.

“A estimativa da indústria é de uma renovação de 10% dessa frota por ano e a Grunner tem conseguido ficar com algo entre 30% a 40% dessa renovação”, conta o executivo.

Ele projeta um crescimento de até 7% no faturamento neste ano, levando em conta que o primeiro semestre deve fechar em linha com o realizado em 2023, e o segundo semestre deve apresentar um ambiente melhor. A Grunner teve um faturamento de aproximadamente R$ 700 milhões em 2023.

Caminho da indústria

A procura de soluções que envolvam etanol e outros biocombustíveis tem movimentado recursos financeiros e de engenharia nas grandes montadoras globais de caminhões e máquinas agrícolas.

Nos últimos meses, John Deere, CNH e AGCO, as três maiores empresas do segmento, adiantaram ao AgFeed projetos de investimentos para oferecer aos produtores soluções que vão além do diesel no abastecimento.

Na Agrishow 2024, algumas delas estarão à mostra. A norte-americana John Deere, por exemplo, vai apresentar pela primeira vez no Brasil seu motor a etanol de nove litros, que foi desenvolvido com o apoio de engenheiros brasileiros, segundo a companhia.

O modelo, ainda em etapa de conceito, será testado a partir deste ano em lavouras do interior do País e ainda não tem data para se tornar comercial.

"O motor a etanol é mais uma iniciativa para seguirmos liderando esta jornada de transformação, enquanto apoiamos os produtores em sua desafiadora missão de garantir segurança alimentar a uma população global crescente", afirma Antonio Carrere, presidente da John Deere Brasil.

A companhia afirma que o lançamento do motor a etanol vai ao encontro das metas globais de sustentabilidade traçadas para o período entre 2026 e 2030. Um dos compromissos da John Deere é apresentar, até 2026, uma solução viável de motor de baixa ou zero emissão de carbono.

Em outra frente, a John Deere também tem avançado no desenvolvimento de máquinas movidas a biodiesel. A empresa tem inclusive uma parceria com a Amaggi, que já na próxima safra usará, em uma de suas fazendas, apenas tratores e colheitadeiras com motorização alimentada pelo combustível produzido a partir de soja.

Na concorrente Case IH, marca do grupo CNH, o movimento é semelhante. Há poucas semanas, o vice-presidente da Case IH para a América Latina, Christian Gonzalez, revelou ao AgFeed que a montadora vai apresentar na feira, pela primeira vez, um motor agrícola movido a etanol.

Inicialmente, esses motores serão testados em colhedoras de cana e posteriormente, o plano é fazer testes em tratores.

A novidade a ser apresentada pela Case IH é o propulsor Cursor 13, protótipo movido a etanol. O projeto é todo brasileiro e foi desenvolvido em parceria com a FPT Industrial. Para Gonzales, o lançamento é promissor, principalmente no setor sucroalcooleiro, que poderá realizar economias com combustíveis e fretes.

A AGCO, dona de Valtra, Massey Ferguson e Fendt, também tem apostado na tendência. Em 2022, sua divisão de motores AGCO Power, que fornece propulsores para as diferentes marcas do grupo anunciou o início da fabricação de uma linha de motores agrícolas chamada Core, com investimentos de 50 milhões de euros

Em princípio, esses motores foram fabricados para serem movidos a diesel. Mas os propulsores foram projetados para serem compatíveis com biocombustíveis como etanol, hidrogênio, metanol e biogás.