Desde que ajudou a estruturar uma área dedicada ao agronegócio no Santander, a partir de 2015, o engenheiro Carlos Aguiar Neto e a equipe que montou, praticamente só viveram tempos de bonança na agropecuária brasileira.

“É um ano diferente, mas acho que depois de oito anos, período em que montamos o agro aqui, é quase uma obrigação passar por um problema, assim podemos aprender”, afirmou o diretor de Agronegócios do Santander ao AgFeed.

Aguiar destaca que está havendo um ajuste da cadeia, onde, “tirando a mão de obra, todos os insumos caíram de preço, inclusive a soja”.

Fatos como a pandemia e a guerra da Ucrânia causaram uma disruptura, lembra o executivo, com preços mais caros e “uma margem que nunca existiu antes”.

Enquanto o normal, historicamente, seria uma margem de 25% para o produtor de grãos, “teve casos de até 50%”.

“Era um recorde histórico de custo, mas o preço subia ainda mais e isso gera um risco cada vez maior. Era preciso mais capital de giro para ganhar a mesma coisa e, como o preço subia, os bancos deram mais capital”, disse o executivo.

O momento agora, ele avalia, é de um ajuste nas cadeias porque de um lado o El Niño provocou uma queda de 7% na produção brasileira, com a perda mais significativa em Mato Grosso. De outro lado, a Argentina está produzindo três vezes mais, o que fez o preço cair.

“Estamos passando por um aperto na geração de caixa por causa da falta de política de hedge ou vendas antecipadas por parte dos produtores, além do problema climático”.

Neste cenário, Carlos Aguiar disse ao AgFeed que a inadimplência da carteira agro do Santander está no maior nível dos últimos 5 anos. Ele não revela qual é a taxa, mas diz que, a média histórica, fica abaixo de 1%. “Agora vai ser pior que isso”.

No balanço divulgado pelo Santander na semana passada, o banco reportou uma inadimplência superior a 90 dias – considerando todas as áreas atendidas – de 3.2% em março deste ano, praticamente estável em relação ao mesmo período do ano passado. O banco teve lucro líquido próximo de R$ 3 bilhões, crescimento de 41% na comparação anual.

Carteira agro cresce

A carteira agro do Santander é composta de crédito rural, fundos constitucionais (que no caso do banco se refere apenas a Funcafé), linhas do BNDES e títulos do agronegócio.

Carlos Aguiar diz que, desde 2015, o crescimento médio era de 35%. No ano passado, chegou a avançar 40% no crédito destinado ao agronegócio. Mas em 2024 prevê que o aumento fique entre 15% e 20%.

“Agora a prioridade é muito mais manter a carteira que você já tem de forma saudável, alongar quem te deve e aumentar pontualmente, do que a famosa carteira de rouba monte, quando o cliente leva de um banco para outro”, afirmou o diretor.

Ele lembra que o período mais desafiador deixou muita carteira com problema. Portanto, neste momento, trazer clientes de outros bancos pode significar “trazer um problema”. Reforça a ideia de ter “muito mais uma carteira de manutenção e complemento, do que uma carteira agressiva, até porque acho saudável dar um respiro depois de tantos anos de crescimento”.

No primeiro trimestre deste ano, a carteira agro do Santander atingiu R$ 55,4 bilhões, acima dos R$ 53,7 bilhões dos últimos três meses de 2023. “Se comparado ao primeiro trimestre do ano passado, crescemos o dobro”.

O agro representa 10% da carteira total do banco, sendo que há 8 anos era cerca de 2%. A expectativa de Aguiar é que a participação siga crescendo nos próximos anos já que o setor avança em ritmo mais acelerado que a economia como um todo. “Já em 2024 deve ficar empatado”.

O banco também tem apostado crédito relacionado a práticas agropecuárias mais sustentáveis, mas diz que não gosta de “carimbar linhas”, já que é difícil acompanhar o que é feito dentro fazenda. O Santander é um dos maiores repassadores da linha ABC, do BNDES, com foco em baixo carbono.

“Fizemos a nossa pegada de carbono recentemente. Consigo dizer quantos hectares financiei, em que estado, município e qual a cultura porque vigio isso por satélite. Mas a sustentabilidade se dá mais pelo perfil do produtor do que pela amostra do solo, sei que são produtores que fazem plantio direto, por exemplo, mas não consigo dizer quanto aplicou de corretivo”, pondera.

Do total de crédito ofertado, 10% são operações de investimento e 90% é para financiar o custeio da safra.

Para a próxima safra, como caiu o custo, a expectativa do Santander é que o produtor precise de menos dinheiro. “Vão tomar menos do que vão me pagar, já que tem o juro além do principal e agora precisam de menos dinheiro”. Neste cenário, Aguiar diz que “se a carteira crescer um pouco já está bom para caramba”.

Assim, como já relatado por outros bancos, o ritmo de contratação do crédito de custeio está mais lento. O Santander avalia que a comercialização da safra – e consequente compra de insumos – começou a andar mais em abril, em meio a relação de troca melhor e dólar mais valorizado.

“A contratação está atrasada porque quem não produziu bem está renegociando. E aquele que produziu, mas não fez hedge, fica esperando o melhor momento. A soja subiu R$ 7 por saca em uma semana, aí começou a sair negócio, mas nem se compara com a época que estava acima de R$ 150”.

RJs preocupam

A onda crescente de recuperações judiciais entre produtores rurais e as regras do Banco Central obrigaram o Santander a aumentar, de forma significativa, o provisionamento de recursos para cobrir as eventuais perdas.

Aguiar diz que está sendo provisionado, em média, entre 20% e 35%, do valor de cada empréstimo concedido, “dependendo da garantia e do rating do cliente”. Ele conta que antes a medida não era necessária porque o mercado tinha 20 casos de RJ no ano, enquanto agora, em 4 meses, teve 200 pedidos.

“A indústria de RJ  não é ilegal, mas deveria ser o último recurso. É um negócio que sai caro, é mais para empresa fazer, não para o produtor na pessoa física”, opinou o diretor do Santander. Ele ressalta que um produtor com dívida de R$ 10 milhões pode gastar R$ 2 milhões em um processo de recuperação judicial. “E se o advogado disser que só custa R$ 100 mil, pode haver algo errado com ele”. Sem falar, que o produtor acaba alijado do sistema, diz o executivo.

Balanço da Agrishow (com renegociação)

Carlos Aguiar conversou com o AgFeed durante a Agrishow, em Ribeirão Preto. E descreveu “um mau humor generalizado sobre intenções de compra, no que se refere a investimentos”. Diz que ouviu com frequência dos clientes do setor de máquinas temas como “layoff” e paralisação de fábricas. “Um deles disse que tudo o que tinha para produzir no ano já está nas concessionárias”.

Mesmo assim, até sexta-feira, o Santander diz ter atingido a meta estabelecida para a feira de contabilizar R$ 2 bilhões em propostas.

A movimentação no estande do banco permaneceu intenso ao longo de toda a semana. Segundo o relato de Aguiar, há uma forte mobilização do time para viabilizar as renegociações de dívidas.

“Começamos a visitar todos os clientes antes dos vencimentos (das dívidas) para tentar ajudar e está funcionando. Não vamos passar ilesos, mas estou feliz com resultados”, avalia.

No caso do Santander, a renegociação não é feita com base na portaria do Conselho Monetário Nacional (CMN). Isso porque o perfil de cliente do banco é diferente, são produtores rurais com mais de 250 hectares e as operações “Plano Safra” ficam restritas ao que é obrigatório por lei.

“Não temos poupança rural e não usamos equalização de juros, temos apenas os 30% dos depósitos a vista”, explica o diretor.
De qualquer forma, a estratégia tem sido estender o prazo. O banco procura o cliente para ver qual a capacidade de pagamento. “Alguns clientes precisam de um ano, mas há casos em que se parcela em 3 anos”, conta Aguiar.

Ele relata que o “caso mais complexo” está sendo Tocantins, com maior índice de renegociação proporcionalmente ao que foi contratado, mas não revela os números em detalhe.

“Acho que vamos tirar lições boas disso. Para o produtor é a gestão de risco e para a minha equipe é a primeira crise que eles entram, o que não te mata te deixa mais forte” afirma.

Os efeitos da mudança nas LCAs

O Santander é mais um banco que está sendo afetado pela mudança nas regras para emissão de LCAs, Letras de Crédito do Agronegócio, títulos que vinham registrado alta demanda devido a isenção de Imposto de Renda para o investidor.

“O mercado se acostumou a ter LCA com liquidez após 90 dias, mas, com a mudança, foi pra 270 dias e virou um produto de gente rica. Quem tem dinheiro pra deixar todo esse tempo?”, indagou Carlos Aguiar.

Ele disse ao AgFeed que a emissão de LCAs pelo banco caiu quase 30% e que, no mercado, a diminuição é ainda maior. No ano passado foram cerca de R$ 40 bilhões em crédito concedido pelo Santander ao setor por meio desses títulos.

A expectativa é conversar com o governo para que até o Plano Safra haja alguma mudança. “Estamos pedindo ao governo para voltar com os 90 dias e assim ter mais liquidez. O governo tem pouco recurso para equalizar juros e a LCA é a maneira mais barata para financiar safra”.