O episódio Americanas, que logo depois foi somado à crise da Light, assustou o mercado de crédito brasileiro. Aos poucos, contudo, as emissões vão voltando ao normal. No agro, uma delas tem chamado a atenção: a emissão de debêntures.

De três meses pra cá, quase R$ 10 bilhões foram emitidos por empresas gigantes e médias do setor e para fins diferentes.

Na semana passada, por exemplo,, a Raízen anunciou a emissão de R$ 1 bilhão para pagar despesas passadas e futuras, bem como financiar a produção de cana e de etanol. Essa foi a nona emissão do tipo da companhia, que só nos últimos dois anos, levantou mais de R$ 4 bilhões.

A JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, anunciou no final de agosto que captou R$ 1,8 bilhão para comprar gado.

A Suzano foi mais ousada, e captou em setembro R$ 2 bilhões para financiar investimentos relativos à geração de energia no Projeto Cerrado. Outra gigante das carnes, a Minerva emitiu R$ 2 bilhões.

Além delas, em segmentos ligados direta ou indiretamente ao agro, a Jalles Machado captou R$ 300 milhões, a Camil captou R$ 600 milhões, o Madero, R$ 150 milhões, a Rumo, R$ 1,5 bilhão e a Biotrop captou R$ 100 milhões em debêntures verdes. Isso tudo só nos últimos meses.

Contando o mercado como um todo, de acordo com dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o mês de setembro foi o maior do ano em emissões de debêntures, com R$ 31,8 bilhões emitidos, 56% do total de emissões privadas do período.

“Os recursos destinados das ofertas de debêntures mantém como principais finalidades capital de giro (40,9%) e investimento em infraestrutura (30,0%), o mesmo padrão observado no ano passado”, pontuou a Anbima em seu relatório mensal.

No acumulado do ano, já são R$ 128,1 bilhões emitidos por empresas de todos os segmentos da economia. Em 2022, as debêntures lideraram as captações, com um total de R$ 271 bilhões, o maior volume anual da história.

Os R$ 271 bilhões foram captados em 465 emissões de debêntures, 98 delas com um valor acima de R$ 1 bilhão.

Na visão de Marcio Takaya, gestor de agro da Sparta, essas empresas, consideradas grandes no mercado, estão sempre buscando formas de se financiar e melhorar o dia a dia. “Seja buscando algo mais barato para diminuir custos, alongar prazo ou dar melhores condições de garantia”, afirma.

Um ponto, segundo Takaya, que explica esse aquecimento do mercado, é uma acalmada no mercado de crédito brasileiro, que ficou estressado após a fraude na Americanas e os problemas com a Light.

Esses problemas repercutiram em outros instrumentos de financiamento. Por conta de um mercado mais nervoso, houve redução, por exemplo, na emissão de CRAs por aqui até julho.

Muitas dessas debêntures recentes de empresas do agro possuem lastro justamente nesse tipo de crédito.

Em entrevista ao AgFeed, o sócio e especialista em agronegócio da Genial Investimentos, Fernando Moreira, pontuou que esses eventos com Americanas e Light “reduziram muito o apetite ao risco no mercado”.

“Fundos que tinham exposição de crédito nessas empresas sofreram consideravelmente e enfrentaram muitos saques. O resultado foi que o mercado de crédito retraiu-se, e naturalmente, as pessoas seguraram novas emissões", comenta o sócio da Genial.

No entanto, a perspectiva futura é mais positiva para Moreira. Em sua visão, a indústria dos Fiagros, que tem em sua maioria fundos de papel que compram CRAs, ainda é forte. E o movimento desses fundos está apenas começando, o que pode trazer muitos interessados em adquirir CRAs.

“No segundo semestre vemos o juros também em queda e isso ajuda a melhorar a percepção de risco das empresas. Várias ofertas de dívida que eram para ter acontecido no primeiro semestre ficaram represadas”, explica Takaya, da Sparta.

Lá fora, a inflação persistente e a taxa de juros elevada tanto na Europa quanto nos EUA também acabam tornando o mercado interno mais atrativo. “JBS e Suzano sempre captaram lá fora e agora estão vindo para cá também”, diz.

“O Brasil vai caminhando no sentido oposto, vemos uma melhora e um ciclo econômico mais positivo. As empresas estão encontrando maiores facilidades e mais incentivos”, afirma o gestor.

João Abdouni, analista de commodities da Levante Corp, relembra também que essas empresas que emitiram debêntures recentemente são majoritariamente exportadoras, o que faz essa oferta de crédito ser mais “farta”. “De fato, o mercado de debêntures reabriu”, comenta.

Investimento com incentivo

Incentivo é uma outra palavra chave para o aumento das emissões de dívida. Takaya relembra que dessas debêntures recentes, Jalles Machado e Suzano conseguem emitir as chamadas debêntures incentivadas, ou seja, que permitem às empresas captar recursos no mercado para financiar projetos de infraestrutura.

Por conta disso, os investidores recebem isenção de imposto de renda na hora dos rendimentos.

Por outro lado, os CRAs possuem o mesmo tipo de isenção, o que atrai os investidores. “No patamar ainda elevado de juros, essa isenção é muito atrativa para o investidor, sem falar na remuneração alta”, comenta Takaya, que também gere o Fiagro CRAA11 da Sparta, que tem puramente CRAs em sua composição.

Do lado das empresas, a possibilidade de captar um dinheiro agora e pagar com juros daqui a muitos anos também é positiva. Na emissão da Suzano, por exemplo, das três séries, duas terão vencimento em 2033.

Essa foi a percepção da Rumo para apostar nesse tipo de título de dívida. A companhia citou os incentivos fiscais para os investidores e o longo prazo para a companhia levantar o dinheiro como pontos importantes na decisão.

Os R$ 1,5 bilhão captados pela empresa devem ser utilizados principalmente para concluir a Malha Paulista, que chega ao Porto de Santos. A Rumo afirmou, durante apresentação para investidores no mês passado, que a capacidade de transporte após a conclusão dos investimentos na Malha Paulista vai passar dos atuais 53 milhões de toneladas para 75 milhões de toneladas, um salto de 41,5%,

A emissão da Rumo é classificada como Sustainability-Linked Debenture, ou SLD. A captação, assim, está conectada a metas de sustentabilidade, não divulgadas até agora pela companhia para esta captação.

A operação será realizada em duas séries. A primeira, com vencimento em seis anos, ou em agosto de 2029, pagará taxa equivalente ao retorno dos títulos públicos atrelados à inflação pelo IPCA, com vencimento em 2028, mais 5,76% ao ano.

Já a segunda série, com vencimento em maio de 2033, seguirá os títulos públicos atrelados ao IPCA com vencimento em 2023, mais 6,183% ao ano. Caso as metas de sustentabilidade não sejam atingidas, a Rumo terá que pagar uma taxa adicional aos investidores.

Na avaliação de Álvaro Rezende, sócio da Fator ORE, as empresas mapearam o mercado e passaram a identificar oportunidades mais interessantes nas debêntures do que em outros títulos de dívida.

Na opção de emitir um CRA, por exemplo, a gestora precisa, obrigatoriamente, de uma securitizadora, um agente fiduciário e um custodiante, por exemplo. Nas debêntures, a estrutura é mais simples.

“O custo de uma operação muitas vezes pode destruir a perspectiva de retorno do investimento feito. Questões regulamentares podem inflar o preço para uma emissão”, afirma.

Diante disso, as debêntures passam a ser uma boa opção. Somado a isso, Rezende vê essas companhias avaliando que as isenções são peça chave para trazer os investidores pessoas físicas para o jogo.

“A PF gosta de ativos com incentivos, então opta por debêntures incentivadas, CRIs e CRAs, por exemplo”, diz.

Assim, ele vê também uma possibilidade de Fiagros do tipo FIDC comprarem debêntures voltadas para o agro e colocarem dentro dos fundos, assim como são feitos com os CRAs.

“Antes dos Fiagros, o mercado de CRA estava restrito a estruturas de family office, com uma pequena parcela de investidores profissionais que compravam um CRA, sem a abertura para uma carteira pulverizada. O Fiagro popularizou isso, com o foco em comprar CRA”, finaliza.