No universo do agro, fazenda é negócio, mas nem sempre é empresa. Há um grande contingente de produtores rurais que gere o caixa e paga as contas relacionadas à propriedade como pessoa física, sem poder utilizar de serviços e recursos que os bancos oferecem para pessoas jurídicas.

Carlos Aguiar, diretor de Agronegócio do Santander, vislumbrou nessa realidade uma porteira aberta para aumentar seu relacionamento com esse tipo de empreendedor rural.

Até o final deste ano pretende lançar um novo modelo de ambiente digital específico para atender essa demanda, turbinando a conta PF com funcionalidades que vão deixá-la com jeitão de PJ.

O novo ambiente de atendimento está em teste com um grupo de menos de 200 clientes do banco – segundo Aguiar, a carteira de Agro do Santander tem 30 mil CPFs.

“Os produtores que atendemos são pessoas físicas com faturamento e movimentações financeiras de pessoas jurídicas”, afirmou ao AgFeed. “Estamos testando a novidade via aplicativo e internet banking ”, revelou.

Uma das diferenças entre os novo ambiente e o convencional está na possibilidade de ter um usuário secundário para a conta, que pode operar transações autorizadas pelo titular da conta. “Nós já temos o sistema para isso, mas claro que não é fácil adaptá-lo para clientes pessoas físicas produtores rurais. Leva um tempo”, afirma Aguiar.

A inovação é uma das estratégias que o Santander pretende usar para, mesmo em ambiente de juros altos, manter um ritmo de 30% de crescimento na carteira de crédito rural.

O objetivo, segundo Aguiar, é se tornar o banco utilizado pelos produtores para gerir seu negócio. “Dessa forma, poderemos ter mais informações, saber como nossos clientes gerenciam o caixa”, conta.

Desde que assumiu a diretoria de agro no Santander, em 2015, Aguiar tem trabalhado na montagem e ampliação de uma estrutura focada em atender os clientes do setor.

“Montamos um time de gerentes que atuam por região. A rotina deles gerentes é visitar os produtores e oferecer os produtos que eles realmente precisam, sem venda casada”, diz Aguiar.

O resultado é bem visível, segundo ele, na carteira de crédito do Santander. Não somente no tamanho, mas também na composição. “Antes, fazíamos crédito porque era obrigatório, só o que era preciso para cumprir a obrigação. Hoje, cerca de 80% da carteira é de recursos livres, originados pelo próprio banco”, afirma o diretor.

O Santander fechou o primeiro trimestre com um saldo de crédito rural de quase R$ 40 bilhões. “Deste total, R$ 4 bilhões são obrigatórios, pela regulação do Banco Central, e outros R$ 4 bilhões são de origem do BNDES. O restante é com recursos próprios”, diz Aguiar.

O banco pretende fechar o ano com uma carteira superior a R$ 50 bilhões. Essa alocação de recursos próprios é possível principalmente por conta da garantia real. Segundo Aguiar, cerca de 95% da carteira rural do Santander conta com garantias.

“Nós executamos muito pouco, porque um produtor pode ter um problema climático naquele ano e aí não vamos executar. Isso só acontece quando percebemos que há má gestão”.

O executivo conta que uma das premissas passadas aos gerentes é serem completamente transparentes com o produtor rural. “Eles estão acostumados a ir até o banco, esperar muito tempo pela resposta e, muitas vezes, levar produtos dos quais não precisa. Nós chegamos com o crédito e a taxa. Sem linhas miúdas”.

Em muitos casos, o banco recebe questionamentos dos produtores por conta da taxa de juros. E explica que o custo do crédito vale mais a pena que antecipar venda para tradings ou negociar pagamentos posteriores para os insumos.

“Muitas vezes, o produtor não percebe que vai ficar mais caro fazer tudo isso do que simplesmente financiar conosco toda a sua necessidade de custeio. Depois, ele sente como fica mais barato comprar insumos à vista, por exemplo”, diz Aguiar.

O executivo conta que a equipe teve que passar por um treinamento para conseguir se aproximar dos agricultores, inclusive em linguagem. “Antes do Santander, eu não tinha experiência em bancos. Trabalhei em empresas como a Cargill e trouxe o ponto de vista do produtor”.

Monitoramento via satélite

Já o ponto de vista do Santander tem vários ângulos. Para monitorar de forma mais eficiente o negócio de seus clientes de agro, o banco implantou, em 2017, um sistema de monitoramento via satélite das propriedades rurais.

“Hoje nós temos 18 mil propriedades monitoradas. Olhamos para o Cadastro Ambiental Rural, áreas de preservação, embargos, terras indígenas, quilombola e desmatamento”, afirma Aguiar.

Ele afirma que as iniciativas começaram com o banco incentivando o cadastro ambiental, chamado de SICAR. “O cliente podia usar pontos do nosso programa de fidelidade para tirar o Cadastro e nós bancávamos metade dos pontos”.

O executivo conta que a relação do banco com os clientes, neste sentido, é muito transparente. “Se o satélite detectar um problema que seja de responsabilidade do produtor, vamos cortar o crédito”.

Para Aguiar, é preciso ter clareza sobre a seriedade do agronegócio no Brasil. “Muitas vezes, os 2% que desmatam ou agem de forma irregular acabam afetando a imagem dos 98% que fazem tudo certinho”.