Em menos de uma semana, quase R$ 4 bilhões foram emitidos em CRAs pelas concorrentes Marfrig e Minerva. Em ambos os casos, o montante captado servirá para a compra de bovinos para abate. O movimento, ainda que corriqueiro, também mostra um apetite do setor em aproveitar um preço baixo do boi gordo no mercado.

A Marfrig emitiu R$ 1,8 bilhão em CRAs lastreados em debêntures na semana passada. A operação, que está sendo securitizada pela Ecoagro, servirá para financiar a compra de animais até a data de vencimento do CRA, no ano de 2030.

Por uma questão legal, a empresa não poderá comprar animais de “partes relacionadas”, como por exemplo, de Marcos Molina, presidente do conselho da empresa e um dos maiores pecuaristas do País.

A emissão do CRA se dará em três séries, sendo a primeira de R$ 450 milhões. Essa série terá uma remuneração aos acionistas baseada na taxa DI acumulada mais o spread, ou seja, a diferença entre os valores da carne no atacado e do Indicador do boi gordo.

As outras duas séries ainda não tiveram seus valores e remunerações definidos, e tudo vai depender ainda da coleta de indicações e interesses e pedidos de compra de investidores durante a emissão, processo conhecido como Bookbuilding. Essa coleta deve acontecer, segundo o cronograma da oferta, no dia 19 de março.

Já a Minerva está emitindo R$ 2 bilhões em CRA, numa operação que conta com a Virgo fazendo a securitização.

A emissão ocorrerá em três séries. A primeira terá uma remuneração da taxa CDI mais 1,1% ao ano, já a segunda dará a opção ao investidor de uma remuneração igual a da primeira série ou uma acréscimo fixo de 11,4% ao ano. Ambas séries vencem em 2029.

A terceira série, que tem prazo de sete anos, terá uma remuneração ou da taxa CDI mais 1,2% ao ano ou uma taxa fixa de 11,75% ao ano. O valor de cada emissão ainda não foi divulgado.

A oferta recebeu um rating preliminar ‘brAAA’ na escala nacional pela agência de risco S&P Global Ratings. A classificação é a maior do tipo para o País e, segundo a empresa, está em linha com as outras dívidas da empresa.

Na avaliação de Alexandre Pletes, head de renda variável do escritório de investimentos Faz Capital, esse tipo de operação de emissão de dívida é comum em empresas de alavancagem alta.

A alavancagem líquida da Minerva encerrou o terceiro trimestre em 2,8 vezes. O múltiplo leva em consideração a relação entre dívida líquida e lucro operacional medido pelo Ebitda nos últimos doze meses, ou seja, mede em quanto tempo esse lucro “paga” a dívida. Já na Marfrig, o indicador estava em 3,9 vezes.

Um terceiro ponto está mais relacionado ao mercado em que as empresas estão inseridas. Ele cita que o preço do boi gordo atual está abaixo dos valores praticados no mesmo período do ano passado, o que pode impulsionar o fechamento de contratos com os fornecedores.

Segundo dados do Cepea/Esalq, a arroba do boi gordo está cotada por R$ 233 atualmente. Um ano atrás, estava em R$ 273. Em doze meses, o preço recuou cerca de 15%.

“A disponibilidade de gado no mercado doméstico também é importante, pelo fato dessas empresas possuírem operação em países com menor disponibilidade, permitindo a manutenção da cadeia de produção”, pontuou Pletes.

Somado a isso, o momento atual da economia brasileira, de taxa de juros em queda e com a expectativa de mais cortes pelo Banco Central, é propício para emissões.

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, vê as empresas, principalmente as mais conhecidas do mercado e que costumam emitir esses títulos de dívida, indo muito forte ao mercado para aproveitar esse momento de taxa de juros. Se em março passado a Selic estava em 13,75%, agora está em 11,25%.

Somado a isso, players do mercado financeiro consultados pelo Boletim Focus, publicação semanal divulgada pelo Banco Central contendo um resumo das expectativas de mercado a respeito dos principais indicadores da economia brasileira, projetam que a Selic deve encerrar 2024 em 9% ao ano. Em 2025, a expectativa é atingir 8,50%.

“Vejo as tesourarias de grandes empresas entrando em contato com os conselhos para fazer esse tipo de movimento agora. Quem estava pensando em fazer emissão está aproveitando o momento”, afirma.

Outro ponto que aquece o mercado de emissões está relacionado às restrições de emissões de títulos como os CRAs e LCAs, fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no mês passado.

Esse tipo de emissão movimenta um setor estratégico da economia, o agronegócio. Por isso, acaba tendo uma série de incentivos para os investidores e empresas, como por exemplo, a isenção de imposto de renda sobre os rendimentos dos títulos.

A ideia da CMN em criar restrições para a emissão é garantir que apenas empresas que de fato faturem com o agro possam emiti-las.

Com essa restrição de oferta de CRAs, Mayara Rodrigues, analista de renda fixa da XP, empresas bem capitalizadas e listadas podem surfar na demanda que ainda existe, principalmente com os juros em baixa.

“A resolução da CMN derrubou as taxas de papéis isentos, que agora mais escassos no mercado, trazem oportunidades para empresas que conseguem emitir, pois agora possuem um custo menor de dívida”, afirmou.

Essa matemática de menos emissores trouxe escassez ao mercado de CRAS, o que torna uma procura grande pelos ativos disponpiveis no mercado.

Isso, segundo Rodrigues, fez as taxas dos papeis caírem. “Essas empresas conseguem emitir volumes grandes de dívida, pois existe procura, e pagam menos na dívida. E, nesse caso, os frigoríficos não precisam comprar todo o gado agora. Podem fazer essa gestão de capital de giro ao longo do ano aproveitando a janela de captação”, afirmou.

Nos cálculos da analista, de 75% a 80% de todo custo desse tipo de empresa está relacionado à compra de gado ou outros animais para abate.