Com mais de 76% de market share nos CRAs, a empresa de serviços fiduciários Oliveira Trust nunca teve tanto trabalho como agora. E não é pelo número de emissões que já costumava participar. O movimento excepcional vem dos volumes bilionários que um cliente, o BTG Pactual, vem captando para sua trading de grãos Engelhart, conhecida no mercado como ECTP.

A mais recente tacada foi a emissão de mais uma operação de CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio – no valor de R$ 3,5 bilhões, liquidada no último dia 31 de agosto.

Parece alto? Foi apenas a repetição de outro CRA, no mesmo valor, emitido em junho, quando foi considerado o "o maior da história" pelos participantes de mercado. Quer dizer, em três meses já são R$ 7 bilhões.

O valor inicial desta emissão mais recente havia sido de R$ 1,6 bilhão, como destacou o AgFeed em meados de agosto. A repetição do recorde, porém, foi constatada somente agora. Foram confirmados os ativos excedentes que levaram ao montante de R$ 3,5 bilhões, disse ao AgFeed Nilson Raposo, Sales Development da Oliveira Trust.

Ele explicou que a diferença entre a emissão de junho e esta última é que agora uma parte dos recursos são usados para cobrir gastos passados, na chamada "operação de reembolso”, e outra parte fica destinado às despesas futuras da ECTP.

"Agora foram usados R$ 2,2 bilhões no reembolso, o restante ficou para os gastos futuros. Já na outra emissão, todo o valor captado era para as despesas passadas”, disse Raposo.

Em ambos os casos, os recursos estão sendo captados para que a ECTP efetue pagamentos relativos a compras de soja, milho, farelo e óleo, de produtores e cooperativas.

A emissão mais recente foi feita pela Opea securitizadora e teve quatro séries: a primeira, com remuneração de 109% do CDI; a segunda, com CDI mais 1% de spread; a terceira, com juros de 6,3179%; e a quarta, com 11,964% de spread. Em todas, o vencimento será em 15 de setembro de 2033.

Quase 30 mil investidores já apostaram neste último CRA do BTG, sendo que cerca 20 mil ficaram com a quarta série de títulos. Foi a mais pulverizada, com maior presença de pessoas físicas. A primeira série ainda estaria mais concentrada em bancos e grandes investidores, de acordo com a Oliveira Trust.

Além das duas últimas emissões recordes, o BTG Pactual já havia feito mais três nos meses de janeiro, março e maio, com valores de R$ 1 bilhão, R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões, respectivamente.

Portanto, no acumulado do ano, os CRAs emitidos para financiar a ECTP já totalizam R$ 11,5 bilhões.

"Nós esperamos que este movimento continue, sabemos que vão continuar sendo emissores contumazes", afirmou Nilson Raposo.

"Operação BTG"

Um dos motivos para as emissões bilionárias, na visão de Raposo, é a novidade aprovada há um ano pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que permitiu as operações de reembolso, antes só disponíveis para os CRIs, do mercado imobiliário.

Também pode ter ajudado o fato de o dono da trading de grãos ECTP ser um gigante do mercado financeiro como o BTG, "mais familiarizado com as operações de CRA em volumes elevados e sem o receio que algumas empresas ainda teriam”.

O fato é que a “rotina de bilhões" do cliente fez com que a Oliveira Trust montasse uma estratégia diferenciada, que desse mais agilidade na análise no volume enorme de documentos que precisam ser checados.

"O diferencial foi a criação de uma linha direta entre a nossa empresa, o BTG e a ECTP. Uma solução digital que foi desenvolvida para que eles pudessem ir alimentando este canal com as informações e documentos que comprovem as despesas feitas ao longo do tempo", explicou o executivo.

Para o diretor de serviços fiduciários da Oliveira Trust, Antonio Amaro, os CRAs bilionários do BTG com a ECTP devem dar ao mercado a perspectiva de que outros podem ser feitos.

Cabe ao agente fiduciário fiscalizar se a destinação dos recursos que foram captados realmente foi ou será cumprida, como a compra de insumos, por exemplo, além de verificar se tudo está de acordo com a legislação que rege a emissão dos CRAs.

No reembolso, as despesas já ocorreram e o agente verifica se o documento é válido para incluir na emissão que está sendo estruturada.

Se o objeto for soja e milho e aparecer uma nota fiscal de feijão ou boi, aquela não será considerada.

"Com esta possibilidade de reembolso, muitas empresas já devem estar acumulando seus documentos e avaliando a chance de se reembolsar de despesas que já tiveram, por meio desta ferramenta do mercado de capitais”, avalia Amaro.

O fato é que há muito mais trabalho ao agente fiduciário, mas eles garantem que vale a pena à medida que o mercado passa a ter uma demanda crescente.

As notas vão sendo enviadas e avaliadas. Para a última operação de R$ 3,5 bilhões do BTG é possível que tenham sido dezenas de milhares documentos analisados.

“Mas com este canal que criamos, já fica tudo adiantado, os problemas são antecipados e até acelera a data que a operação pode ser feita. O cliente é que define", acrescentou Raposo.

Em ritmo de retomada

A emissão de CRAs este ano vem caindo na comparação com 2022, como já mostrou o AgFeed em reportagem recente, acompanhando uma queda que atingiu também outros títulos, em meio às preocupações do mercado com o aumento da inadimplência em alguns fundos.

Mas o diretor presidente da Oliveira Trust, Alexandre Freitas, acredita que o processo de retomada já começou, com a expectativa de novas reduções nas taxas de juros.

"À medida que o mercado sinaliza Selic de um dígito para o final do ano que vem, é possível que estas operações de renda fixa tenham um aumento significativo e superem 2022, que teve desempenho melhor que este ano”, afirmou.

No caso da Oliveira Trust, o movimento foi diferente. No mercado em geral foram emitidos no primeiro semestre de 2023 um total de 80 CRAs, abaixo dos 95 registrados no mesmo período do ano anterior.

Já a empresa operou 61 CRAs nos seis primeiros meses deste ano, acima dos 53 feitos no primeiro semestre de 2022. Com isso, em 2023 a Oliveira Trust diz ter alcançado um market share de 76%, acima dos 63,5% do ano passado.

Alexandre Freitas, presidente da Oliveira Trust

Freitas também vê com otimismo o mercado de Fiagros que, segundo ele, ainda cresce em 2023. “Nos últimos dez dias de agosto por exemplo, das nove propostas que recebemos, quatro eram de Fiagros, dos mais diversos setores", afirmou ao AgFeed.

Perguntados sobre qual seria o diferencial para seguir crescendo, mesmo no chamado “ano de ajuste do agro”, eles afirmam que os 32 anos de mercado podem ser parte da explicação.

O diretor brinca que, em anos de instabilidades econômicas ou políticas, “alguns acham mais seguro procurar quem já fez operações até na época da Mesbla, nos anos 1990".

Atualmente, a Oliveira Trust diz ter R$ 1 trilhão em operações ativas e já está com tudo pronto junto à CVM para, quando se sentirem seguros, fazer o IPO da empresa. "É possível que seja entre o final do ano que vem ou início de 2025”, afirmou Freitas.

A equipe da empresa mostra entusiasmo com o potencial de crescimento do agronegócio. Hoje 10% das operações estão ligadas ao setor.

"Antes muitos colocavam o CRA como segunda opção, mas agora os investidores sabem que o agro se profissionalizou e nas fazendas, termina uma operação, uma colheita, e no próximo ano vem outra. É uma vantagem em relação ao mercado imobiliário, por exemplo. Posso afirmar que hoje é a primeira opção do investidor", afirmou Nilson Raposo.