Otimista e preocupada. As duas visões convivem no discurso de Fabiana Alves, CEO do Rabobank, banco cooperativo de origem holandesa que há cerca de 20 anos se consolidou como uma das principais referências do financiamento do agronegócio no Brasil.

Alves é a primeira mulher a comandar um banco voltado para o setor no País. Está na função há pouco mais de um ano, mas já atua na instituição há 17 e tem profundo conhecimento dos desafios enfrentados por produtores e empresas do segmento no Brasil.

Assim, seu otimismo vem da percepção das imensas oportunidades oferecidas ao agro brasileiro em áreas como a produção sustentável, o mercado de carbono e a transição energética, por exemplo.

Com maior foco em grãos e cooperativas, o banco segue crescendo no financiamento ao setor e deve buscar cada vez mais as oportunidades nas linhas de “crédito verde”, com o lançamento de dois novos projetos ESG.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Fabiana Alves conta, por exemplo, que nos últimos 3 anos o Rabobank já concedeu US$ 7 bilhões em crédito verde, o que inclui empréstimos atrelados a indicadores de sustentabilidade e também os chamados green bonds.

E destaca entre os projetos prioritários no Brasil a seleção de produtores rurais, que começa a ser feita neste mês de abril, para viabilizar o pagamento por serviços ambientais.

O Rabobank vai direcionar recursos de um fundo que dispõe de 200 milhões de euros para incentivar produtores rurais que preservem áreas de vegetação nativa, além do que já é mantido como reserva legal.

“Uma equipe da Holanda está vindo para o Brasil estruturar os detalhes do projeto, vamos tentar fazer uma amarração dessa questão do pagamento de serviço ambientais com a metodologia de medição de emissões, com o fomento do mercado de carbono para esses produtores que têm esse excesso de área de reserva legal”, explicou Fabiana Alves.

Ao longo da entrevista, porém, em vários momentos a executiva externou a preocupação com o que chamou de “cenário pantanoso”, o que inclui não apenas a combinação de safra menor de grãos e preços mais baixos, mas também a insegurança jurídica que ainda prejudica o avanço de ações voltadas à sustentabilidade.

A CEO do Rabobank acredita que o aumento nas recuperações judiciais entre produtores rurais não chegará a comprometer o ritmo de crescimento que a instituição vem mantendo no Brasil, entre 5% e 10%.

Ela afirmou, no entanto, que é “inaceitável a propaganda das RJs como se fossem um produto financeiro” e defendeu mais maturidade no agro brasileiro para lidar com a crise.

“Não é aceitável que o sistema judiciário aceite a reestruturação financeira de empresas com os níveis de solvência que elas têm. Existe uma oportunidade muito grande de o sistema se equipar melhor para fazer as análises mais adequadas, levando em consideração que a maioria dos produtores rurais não tem balanço auditado”, disse Alves.

O balanço do Rabobank no Brasil foi publicado no dia 27 de março e reportou lucro líquido de R$ 813 milhões em 2023, pouco acima dos R$ 801 milhões registrados no ano anterior. A carteira de crédito ficou em R$ 27,6 bilhões, uma redução de 7,4% em relação a 2022.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Como avalia o atual momento do Rabobank em relação ao agro no Brasil?
Estamos muito felizes porque Rabobank está completando 35 anos de Brasil e faz 20 anos que começamos a nossa plataforma rural. Fizemos parte do desenvolvimento desse agro voltado para ser um negócio profissional, de larga escala no Brasil. Acho que tivemos um papel super relevante nessa expansão porque nós fomos o primeiro banco a trazer as linhas em dólar de longo prazo e de escalar grande volume. Temos acompanhado os altos e baixos, vivenciamos isso junto com os nossos clientes, as volatilidades todas que são típicas do setor.

A mudança é muito grande nesse período?
O que a gente percebe aqui são evoluções em vários aspectos. Quando eu cheguei no banco 15 anos atrás, tinha um momento muito interessante de foco em governança da empresa familiar. Naquele momento se vislumbrava já o começo da transição de gerações na gestão e o mercado se atentou para o fato de que as operações agrícolas tinham crescido muito, mas não necessariamente as práticas de gestão e de governança vinham acompanhado.

Como assim?
Já tínhamos várias operações agrícolas de porte empresarial, mas ainda com uma gestão muito artesanal e principalmente sem muitas referências da questão de governança para a empresa familiar no momento de entrada de uma nova geração, em alguns casos já na transição. O bonito de ver é que existia esse interesse da nova geração em fazer parte da gestão do negócio, sendo que a outra geração, que estava no comando, ainda tinha muitos anos pela frente. Afinal, produtor rural, nós sabemos, não se aposenta. Então tinha um desafio aí de como profissionalizar a gestão daquelas operações agrícolas, com duas gerações convivendo juntas.

Como equacionar essa convivência?
Fizemos muitos trabalhos no sentido da governança. Em seguida veio o movimento da diversidade das mulheres no agro, em que também participamos muito ativamente apoiando o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, desde o primeiro ano. Fizemos um trabalho junto com os nossos clientes, até porque isso casava um pouco com a história da governança da empresa familiar, de dar iguais oportunidades para os futuros membros, sejam mulheres ou homens. Além destes dois, tivemos também um programa de formação de novas lideranças, que permanece até hoje.

Outro bom exemplo também é o trabalho que a gente fez em gestão de risco, em educar os nossos clientes no uso de produtos de gestão de risco, como derivativos. E hoje temos uma massa enorme de produtores ativos na nossa mesa, que entenderam a lógica da proteção de risco como necessária para diminuir a volatilidade.

Sustentabilidade também tem sido um foco importante?
É um novo tópico, sim. Trabalhamos muito esse conceito da gestão de risco, porque tivemos em 2015 e 2016, por exemplo, muita volatilidade no dólar e perda de produtividade. O pessoal começou a entender a importância da gestão de risco, não só comercial, mas a gestão de risco financeiro também. E agora estamos num momento de trazer luz e foco para a sustentabilidade. Posso dizer que a prioridade é essa, mas num momento bastante pantanoso.

Por que pantanoso?
Porque a gente saiu de duas supersafras, preços sensacionais e margens altas, para agora um momento de preços mais baixos, com pouca expectativa de volatilidade, tanto na questão de juros quanto na questão de preços. É um momento geopolítico complexo no mundo. Também é um momento de seca e os produtores vão sentir o impacto dessa seca nos resultados deste ano naquelas regiões em que o problema realmente foi crítico. E com o Brasil precisando readequar a sua narrativa de sustentabilidade para a reforçar e preservar a sua posição como exportador global, mas sempre tentando balancear essa agenda global com a nossa realidade local.

O que mais interessa neste tema da sustentabilidade?
Tem vários assuntos. Tem o mercado de carbono, por exemplo, que não é só promessa. Ele precisa acontecer, ele vai acontecer e não sou eu que estou dizendo. Recentemente tive oportunidade de estar em painéis junto à Bloomberg. Vimos que existe um déficit projetado de carbono, para que as empresas globais e os países cumpram os seus compromissos, com a expectativa de que o Brasil participe nesse mercado com pelo menos 30%.

O que precisa ser feito para que isso aconteça?
Estamos vendo a dificuldade de tirar isso no chão, de amadurecer na velocidade que a gente gostaria. Um ponto é a padronização das formas de medir as emissões, essa questão de quais são os standards que vão ser aceitos globalmente. Falta um projeto nacional nesse sentido, em que se pudesse ter um padrão aceito e validado cientificamente para ser usado pelo País. Vemos um esforço e um retrabalho enorme de todas as empresas, cada uma procurando a sua metodologia para poder fazer a o mapeamento das suas emissões e todos os seus escopos. Isso não vai dar certo.

"Os produtores vão sentir o impacto da seca nos resultados deste ano naquelas regiões em que o problema realmente foi crítico"

Outro ponto é a questão do desmatamento. Nós vimos as regulamentações amadurecendo no sentido do desmatamento ilegal, na tratativa dos embargos, para ver como a gente estabelece um processo mais ágil de adequação das licenças e como a gente casa isso com a imaturidade e a falta de aprovação dos CARs. Esse é um outro ponto também que eu entendo que cria um cenário extremamente pantanoso.

Em que sentido?
Sabemos que para lidar com a diferença do desmatamento legal e legal a gente precisa de informação pública de qualidade, de celeridade nos processos. E essa é uma questão que o Brasil tem que tratar, porque lá fora tem uma dificuldade muito grande de se diferenciar o tema da legalidade. A única forma é a gente amadurecer o mercado de carbono e fazer um trabalho sério no sentido de valorização das áreas de excesso de reserva que são preservadas.

Como o Rabobank deve ajudar neste processo?
Há linhas de produtos que trazem vantagens quando o cliente tem compromissos ligados a sustentabilidade e tem financiamentos específicos para projetos específicos. Uma das questões que muito tem se falado é do potencial de recuperar áreas degradadas para evitar a abertura de novas áreas no País. Temos linhas específicas, que são de uma duração bem maior, de até 12 anos, que podem ser utilizadas pelos nossos clientes através do fundo Agri30, que o Rabobank lançou já faz alguns anos e que continua fazendo as suas operações. Temos a possibilidade de fazer empréstimos com indicadores de performance, com condições e covenants ligados a sustentabilidade, que vão fomentar essa agenda e vão ajudar os nossos clientes.

Quais os principais projetos?
Estamos fazendo um trabalho muito grande, que começou no ano passado, é um piloto com 50 clientes para fazer a nossa medição das emissões de carbono, é a nossa calculadora de carbono. Estamos tentando trabalhar em linha com algumas outras empresas e algumas outras metodologias, pela razão que eu falei antes. Isso passa por um processo de educar os nossos clientes sobre o que que é isso. O que é medir emissões? Estamos também começando esse ano o projeto piloto para justamente avaliar.

Como ele funciona?
Fizemos todo o processo de desenvolver a metodologia baseado no GHG, não é nada que a gente inventou. É para ajudar os clientes a coletar essas informações e entender como que é hoje o perfil de emissões das suas atividades, para daí sim eles começarem a ver como podem fazer a redução dessas emissões e como isso, lá na frente, pode se tornar uma vantagem competitiva. Começamos com 50 clientes de produção primária. Fizemos o cálculo de emissão de 1,5 milhão de hectares, é o maior cálculo que tem hoje feito no Brasil. A ideia é que a gente financie este processo de redução das emissões, mas não necessariamente a ação em si. Vamos conceder um crédito ligado aos indicadores de implementação dessas ações.

Há outras iniciativas?
O Rabobank está disponibilizando um fundo específico para fazer esse pagamento de serviços ambientais para clientes que se comprometem a não abrir o excesso que eles têm de reserva legal. É realmente uma sinalização da nossa casa matriz de que eles entendem essa assimetria entre a expectativa global e a expectativa da sociedade de não querer mais ter desmatamento e a questão da legalidade e do fato de as áreas de reserva no Brasil serem propriedade privada.

Os financiamentos para pagamento de serviços ambientais já estão sendo concedidos?
Não, estamos estruturando, tem uma equipe da Holanda vindo para isso. Queremos amarrar esse pagamento de serviços ambientais com uma impulsionada no mercado de carbono, com a metodologia de medição de emissões, com o fomento do mercado de carbono para esses produtores que tem esse excesso de área de reserva legal. Os produtores começam a ser selecionados a partir de abril. Estamos hoje com uma área de sustentabilidade reforçada, estamos trazendo reforços grandes, incluindo especialistas de mercado de carbono. É um ano de grandes investimentos do banco nessa agenda.

Há um volume de recursos previsto para o projeto?
O Rabobank disponibilizou, a princípio, um valor de um fundo de 200 milhões de euros, mas é bom lembrar que isso é muito pouco perto do valor dos empréstimos. Então temos que saber como olhar para esse número, porque ele vai ser revertido em benefícios dentro dos nossos empréstimos proporcionais às áreas de vegetação nativa preservadas. Isso é só um piloto e a ideia é que a gente consiga fazer o link desses produtores e desse serviço ambiental dentro da cadeia mesmo.

Como está a carteira de crédito do Rabobank no Brasil?
Em termos gerais hoje no Brasil temos US$ 11 bilhões. Nesse número estão produtores e empresas, mas todos relacionados ao agro, é a cadeia de alimentos. A produção primária representa cerca de metade deste valor. Publicamos nosso balanço agora em março.

O volume vem crescendo nos últimos anos?
Sempre crescemos porque acompanhamos o crescimento do setor e dos nossos clientes. Anualmente, temos crescido de 5% a 10%. É um valor em euro, por isso depende um pouco do câmbio também e de quanto a gente tem em moeda nacional e quanto tem em moeda estrangeira, mas nossa taxa de crescimento vem sendo, nos últimos anos, entre 4% e 6% no total.

Chegaram a ser afetados pelo momento desafiador do agro em 2023?
Não fomos afetados em 2023. Sabemos que em 2024 os preços estão mais baixos, mas viemos de dois anos de margens muito boas e a gente espera que os nossos clientes já tenham maturidade nessa questão da gestão financeira. Sabemos que margens muito boas, elas acabam. Então teremos aí um ano de 2024, sim, um pouco afetado, mas mais por alguns clientes nas regiões do Mato Grosso. Não é generalizado, mas foi por causa da combinação do baixo preço com a seca.

As recuperações judiciais tiveram algum reflexo?
Este ano, não. Mas dentro daquele histórico que eu fiz, teve também esse momento da febre das RJs. Eu acho que isso é um ponto superimportante. Depois da diversidade e dessa questão da gestão de risco, veio um momento de muita insegurança jurídica por conta das RJs. E eu realmente preciso reforçar que isso não é bom para o setor, porque cria uma percepção de risco sim, que encarece o dinheiro para o setor. Os bons pagadores acabam sendo prejudicados pelos maus pagadores. A reação do mercado foi trocar hipoteca por alienação fiduciária.

E o problema voltou...
O que está acontecendo agora com a volta das RJs é lamentável e quase inaceitável. Isso está sendo fruto de um esforço mercadológico, uma propaganda de RJ como se fosse um produto financeiro. Eu acho isso lamentável e temerário. Os defensores dessa prática como se isso fosse parte do sistema financeiro, na minha visão, não estão fazendo uma boa avaliação das consequências dessa história. E o sistema judiciário brasileiro também precisa se equipar melhor para lidar com isso.

De que forma?
O princípio de uma recuperação judicial e da lei de falências passa por conceitos financeiros básicos, que são os conceitos de solvência, de liquidez. O que a gente vê é que o agro é muito capital intensivo. Sabemos que a volatilidade gera problema de liquidez e a indústria financeira está preparada para lidar com essas acomodações necessárias devido a um problema de liquidez. Mas não é aceitável que o sistema judiciário aceite a reestruturação financeira de empresas com os níveis de solvência que elas têm.

"Não é aceitável que o sistema judiciário aceite a reestruturação financeira de empresas com os níveis de solvência que elas têm"

Existe uma oportunidade muito grande de o sistema se equipar melhor para fazer as análises mais adequadas, levando em consideração que a maioria dos produtores rurais não tem balanço auditado, levando em consideração que existe aí uma boa fé do sistema financeiro de avaliação das informações sem estar respaldado por esse sistema de balanço auditado. Esse credor tem responsabilidade fiduciária sobre a dívida que ele adquire. E essa dívida está respaldada por uma garantia.

E como ficam os bancos?
O sistema financeiro tem que poder acessar essa garantia. Essa proposta de crédito do sistema privado foi supernecessária para desonerar o governo. Antes o governo tinha que providenciar todo o crédito para o sistema agrícola. E hoje a gente tem uma participação muito maior do sistema privado, mas essa participação maior vem contando com um bom funcionamento dessa estrutura de fornecimento de crédito de longo prazo, em um setor que é capital intensivo, lastreado e garantia e lastrado numa segurança jurídica, porque tem o ativo lá.

Por isso acho absolutamente inaceitável e danoso para o setor o que a gente está vendo que em termos de RJ sendo vendida como se fosse um produto financeiro. Já vimos muitas reações de instituições se pronunciando contra isso, mas são coisas que o Brasil precisa resolver para poder capturar o seu potencial agrícola na sua máxima potência. É essa equação toda da sustentabilidade e a segurança jurídica.

Realmente é uma das maiores crises do setor?
Já tivemos crise há alguns anos, mas ela foi seguida por anos de muita bonança. O importante, este ano, é o setor passar por essa crise com maturidade, porque isso não é mais novidade para a gente. A gestão de liquidez, gestão de risco e de preço contam com instrumentos, com ferramentas para o pessoal estar mais preparado para passar por isso e certamente a solução não é RJ.

O nível de negócios deve cair?
Quando temos essa combinação de uma safra não muito boa com preços baixos, tudo fica um pouco mais devagar. Eu acho que existe esse movimento de mais cautela, o que não necessariamente é ruim, mas é claro que o agro não espera, tem que plantar. O preço está mais baixo, mas, se a gente olhar historicamente um conjunto de fatores, acho que a gente precisa superar aquela fase em que o produtor sempre reclamou. Temos que nos mostrar mais maduros do que isso.

Neste cenário, como deve ser 2024 para o Rabobank?
Temos confiança que vai ser um ano bom. Claro que precisamos estar preparados para dar suporte para alguns clientes que precisarem, que foram muito afetados pela combinação preço e seca. Mas na outra ponta, quando a gente fala das empresas, estamos vendo uma movimentação muito grande de investimentos e de busca por oportunidades dentro do universo do M&A.
Eu acho que a baixa da volatilidade de juros fomenta a outra ponta. Temos visto um aquecimento das operações de mercado de capitais e da busca por M&A e muitas empresas grandes voltando a investir e buscar recursos para investimentos de longo prazo. No balanço, nós previmos um ano bom, sem grandes impactos.

"Temos visto um aquecimento das operações de mercado de capitais e da busca por M&A e muitas empresas grandes voltando a investir"

Será possível manter o ritmo de crescimento?
Sim, entendemos que vamos continuar o nosso ritmo de crescimento aqui no Brasil, em parceria com os nossos clientes, acompanhando o crescimento deles, mas agora com uma agenda de sustentabilidade mais determinante do quanto que a gente avança. O banco sempre é pautado no balanço de risco e retorno. Neste momento entendemos que banco agora passa a ser um tripé risco-retorno-sustentabilidade.

Como está o perfil de clientes atualmente e quais setores são mais promissores?
A nossa carteira continua tendo uma presença muito forte dos grandes produtores de grãos, do setor de açúcar e etanol, menor do que já teve no passado, mas continua a presença forte, também do setor de papel e celulose e das cooperativas. Nós crescemos muito o suporte nas cooperativas, porque o nosso modelo de negócio é focado para o grande produtor. Mas a gente dá apoio ao médio produtor indireto através das cooperativas. E o nosso portfólio nas cooperativas, nos últimos anos, praticamente dobrou.

Esse é um foco para o crescimento?
Entendemos que esse mercado ainda pode crescer bastante. Estamos vendo as cooperativas brasileiras se profissionalizando, muitas delas verticalizadas, com o potencial de incremento nos seus produtos para exportação, fazendo exportação direta. É um setor que obviamente sempre pode crescer bastante.

E em outros segmentos?
Acho que dentro das commodities existe um equilíbrio natural entre o nosso portfólio e a demanda global. No setor de açúcar diminuímos um pouco e é um setor que, embora os preços tenham melhorado, muito em função dos combustíveis renováveis, a demanda por açúcar é mais ou menos estável. Mas aí há uma grande oportunidade, porque o Brasil vai ter um papel fundamental nessa transição energética também, com os biocombustíveis. É um lugar que vai haver crescimento nas empresas que tiverem capturando essa oportunidade.

E qual a estratégia do Rabobank para ganhar espaço em relação aos concorrentes?
Eu acho que biocombustíveis e a transição energética fazem parte hoje do nosso roll de conhecimento. Sempre falamos que o Rabobank trabalha com tripé estratégico que é financiamento, que todo mundo tem, conhecimento e network. O nosso conhecimento e o nosso network são muito específicos e o modelo é muito difícil de ser copiado. O pessoal tenta, mas não consegue, porque a gente tem uma presença global e quando você fala da cadeia de alimentos no Brasil é esse agro, de larga escala, ele é todo voltado para exportação.

As linhas verdes devem crescer?
Os grandes volumes vêm quando participamos dos green bonds. São grandes empresas e, por isso, grandes volumes. Por exemplo, no ano passado, fizemos mais de 80 transações ligadas especificamente a KPIs de sustentabilidade. Nós fomos o banco que, no ano passado, mais desembolsou no programa ABC do BNDES, então isso vem crescendo ano a ano. Temos o nosso fundo Agri3, que fizemos algumas operações no ano passado. É o fundo que lançamos com Banco Mundial e a ONU tempos atrás, justamente com foco em financiar projetos ligados a sustentabilidade. É meta nossa sempre superar ano a ano os volumes e a quantidade de clientes que engajamos. Se ano passado foram 80, este ano teremos mais transações.

Quanto em volume financeiro vem sendo destinado a esses programas?
Nos últimos três anos foram mais de US$ 7 bilhões. Varia muito, porque quando entra os green bonds dá aqueles picos, então eu gosto de falar nos últimos três anos. Nem tudo é green, muitos são empréstimos ligados a sustentabilidade, que têm vantagens ligadas ao cumprimento de performance de sustentabilidade e tem os green mesmo, que são financiamentos de projetos de sustentabilidade. Existe essa diferença e a gente segue os standards globais dessa nomenclatura porque, claro, temos que ter muito cuidado com o greenwashing.

O Rabobank foi criticado por ONGs, há alguns anos, sob o argumento de que estariam financiando projetos que prejudicavam o meio ambiente. Isso já foi superado?
Essas críticas vão fazer parte agora da realidade de todas as de empresas. Temos a tese e a antítese. Gostaria muito que conseguíssemos chegar na síntese em relação a essa agenda de sustentabilidade. A maioria dessas críticas está relacionada com o fato de que os nossos clientes vêm expandindo a área plantada nos últimos 20 anos e isso significa conversão de áreas de natureza em áreas produtivas. O Brasil aumentou a área produtiva nos últimos anos em 50 ou 60%. Só que a nossa produtividade aumentou 270%. Temos muita eficiência em ganhos de tecnologia produtiva e por ter duas ou três safras, isso tem que ser levado em conta.

"O País ainda não consegue traçar uma linha clara entre um desmatamento legal e ilegal, abre espaço para críticas, muitas vezes infundadas e completamente enviesadas"

A crítica existe porque a gente veio dando suporte para esse desenvolvimento da agricultura no Brasil. Mas fizemos isso nos melhores standards de sustentabilidade. Não temos correlação com projetos que degradam o meio ambiente. Porém, fazer essa distinção, especialmente quando o País ainda não consegue traçar uma linha clara entre um desmatamento legal e ilegal, abre espaço para críticas, muitas vezes infundadas e completamente enviesadas. Eu digo que é muito importante que o Brasil se posicione melhor e se equipe melhor para essa nova realidade. Não é o Rabobank, é o Brasil que está sendo atacado.

Você foi a primeira CEO mulher de um banco agro no Brasil e já está quase completando um ano na função. Acredita que está conseguindo contribuir para mudar este cenário de menor presença feminina no setor na comparação com outros segmentos?
Estou muito feliz que esta maior presença feminina vem acontecendo, mas eu quero mesmo chegar no dia em que isso não esteja na lista de temas para tratar. Quando isso deixar de ser assunto é porque já se resolveu o problema. Ainda não chegamos lá, ainda é assunto. Apoiamos o Congresso Nacional das Mulheres do Agro desde no começo e temos isso na nossa agenda. O banco fez ações afirmativas há muito tempo, muito antes na verdade de estar tanto no holofote.
Acho que as iniciativas para ir na direção certa estão acontecendo, mas como elas ainda são assunto e elas ainda precisam ser ações afirmativas é porque a gente não resolveu o problema ainda, mas avançamos bastante. Fico muito feliz de representar isso de alguma forma, tanto no agro como no sistema financeiro.