A julgar pelas declarações do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, antes, durante e depois da campanha eleitoral, o país deve passar por uma nova inflexão em sua agenda climática, após quatro anos de uma política ambiental forte sob o governo de Joe Biden.

A possível virada de chave americana, com a agenda climática em segundo plano, pode, no longo prazo, representar uma ameaça à produção agrícola não só nos Estados Unidos, um dos maiores produtores do mundo, mas também em outras regiões do planeta, com o aumento de ocorrência de extremos climáticos, quebras de safra e dificuldades de cultivos.

No caso específico do agro, alguns problemas relacionados ao clima ainda sem solução ao redor do mundo são as emissões de metano vindas do gado, a derrubada de florestas para pasto e plantações, e um número significativo de pastagens degradadas – só no Brasil seriam cerca de 100 milhões de hectares de áreas nessa situação.

Sistemas de plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, adoção de produtos biológicos são algumas das ferramentas propostas por governos e empresas para mitigar efeitos ambientais no campo, dentro do que se conhece como “agricultura regenerativa”.

Toda essa integração entre clima, meio ambiente e agropecuária, áreas que eram distantes e foram se aproximando nos últimos anos, pode estar em risco com a chegada de Trump ao poder – que deve ter uma conduta oposta ao presidente Joe Biden.

Desde que assumiu a Casa Branca, em 2021, Biden tem promovido várias iniciativas de olho na descarbonização da economia americana que são bastante criticadas por Trump e têm tudo para serem extintas ou desidratadas com a volta do republicano.

A principal alteração de Biden, agora sob risco, envolve o Acordo de Paris. No primeiro mandato de Trump, uma das medidas iniciais do republicano foi a retirada do país do tratado climático, em junho de 2017, cumprindo uma promessa de campanha.

Trump justificou a retirada na ocasião alegando que o acordo não trazia vantagens para os americanos e sua economia.

O governo americano foi bastante criticado na ocasião por abandonar o tratado, que tem como principal meta manter as temperaturas médias globais muito abaixo de 2°C em relação à era pré-industrial.

O Acordo envolve também a agricultura, responsável por parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa ao redor do mundo – no Brasil, por exemplo, a agropecuária responde a 69% das emissões –, e os países precisarão desenvolver mecanismos para diminuir a pegada de carbono do setor.

Ainda na campanha, Biden prometeu que iria trazer de volta os Estados Unidos para o Acordo de Paris se fosse eleito, e cumpriu a promessa logo após chegar ao comando do país, no começo de 2021.

Yuri Rugai Marinho, CEO da consultoria Eccon Soluções Ambientais, alerta que uma nova saída dos Estados Unidos do tratado climático teria impactos negativos nos esforços globais envolvendo o clima.

"Quando os EUA se retiram, sendo um dos principais emissores, todos os outros países enfrentam dificuldades para alcançar resultados climáticos – a não ser que a economia americana se descarbonize de forma independente da gestão federal, o que não parece provável, dado que a liderança atual não sugere esse caminho", afirma.

Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroícone, também acredita que a ausência dos americanos pode ter impacto “enorme” nos esforços de descarbonização de todo o mundo, mas pondera para as necessidades comerciais também em jogo.

“Isso não significará que a corrida pela transição energética e pela diversificação de fontes de energia nos Estados Unidos irá acabar, todos os americanos precisam de energia disponível e barata para seus negócios e para viver, especialmente no inverno rigoroso”, diz ele.

Ele acredita que a agenda ambiental dos Estados Unidos sofrerá mudanças, mas acredita que o novo presidente americano poderá usar ferramentas já existentes a seu favor.

“(Trump poderá usar) medidas não-tarifárias para criar restrições a importações de certos países, ou fortalecer a agenda de subsídios para certos setores como energia, como ocorreu com o governo Biden”, afirma Lima.

Ainda assim, ele diz que a ausência dos EUA na agenda internacional, debatendo e contribuindo com a visão de agropecuária resiliente, é ruim de qualquer forma. “Muito embora a retórica do agronegócio e do governo americano será a de que a agropecuária é, de antemão, climaticamente inteligente, como costumam falar”, afirma.

O vácuo deixado pelos americanos em uma eventual saída do Acordo de Paris – e da própria centralidade das discussões climáticas no mundo – pode ser ocupado por outros países como a China, na avaliação de Marcello Brito, coordenador técnico do Centro Global Agroambiental e da Academia Global do Agronegócio da Fundação Dom Cabral (FDC) e colunista do AgFeed.

Brito acaba de ser indicado para a função High Level Champion do Brasil na COP30 em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por uma série de lideranças da sociedade civil, entre elas, os ex-ministros Roberto Rodrigues, Luiz Fernando Furlan e Izabella Teixeira, o CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, e o CEO da Verde Asset, Luis Stuhlberger.

“Vamos precisar determinar como vai ser a equação dessas duas estruturas geopoliticas, Estados Unidos e China. A China, por exemplo, é o maior produtor de insumos e equipamentos para transição energética mundial e essa saída dos Estados Unidos pode abrir mais espaço para os chineses e outros países”, afirma.

Brito também diz que ainda há dúvidas sobre o comportamento do setor privado – dado que as maiores empresas do mundo são americanas – em uma eventual saída do tratado climático.

“Resta saber qual será o comportamento do setor privado americano, já que a população claramente demonstrou que não está muito interessada na agenda de meio ambiente – pelo menos até o momento”, afirma.

Trump II e a COP

Outro ponto de dúvida daqui em diante envolve a participação dos americanos nas próximas edições da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP.

A edição 29, que começa no próximo dia 11 de novembro, em Baku, no Azerbaijão, deve ser esvaziada, sem a presença do presidente Joe Biden e de outros líderes como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, segundo informações da agência de notícias Reuters, e também do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que vai participar das reuniões da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), no Peru, e do G20, no Brasil, no período.

Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroícone, diz que ainda é cedo para indicar se haverá alguma mudança na participação da delegação americana. “É válido esperar que os negociadores americanos vinculados ao governo Biden tenham posições convergentes com o governo atual”, afirma ele.

Yuri Rugai Marinho, da Eccon, também acredita que a delegação americana neste ano deve contribuir positivamente com os compromissos climáticos por estar orientada pela gestão de Biden.

“Nas próximas, se o Trump mantiver a promessa de saída do Acordo de Paris, é provável que a delegação esteja mais esvaziada e sem foco em compromissos climáticos”, afirma ele.

Lima, da Agroícone, tem posição semelhante. “Vale destacar, no entanto, que considerando a importância das negociações sobre nova meta coletiva e quantificada de financiamento climático, que geraria obrigações para os Estados Unidos a partir do próximo ano, a posição dos Estados Unidos tenderá a ser bastante tímida”, emenda.

Em relação à participação da delegação americana na COP30, Lima, da Agroícone, será necessário verificar se os Estados Unidos ainda farão parte do Acordo de Paris e até que ponto a agenda climática terá prioridade no novo governo americano.

“De forma mais ampla, o Brasil pode ter dificuldades no seu relacionamento com os Estados Unidos pensando na agenda climática. Há compromissos firmados na agenda de soluções baseadas na natureza, redução do desmatamento, conservação de florestas e biocombustíveis. De que forma isso será mantido é incerto”, afirma.

Para Marcello Brito, da Fundação Dom Cabral (FDC), ainda é cedo para entender a recepção dos EUA frente à agenda esperada para a COP30, mas adianta que adaptações serão necessárias.

“Naturalmente, a partir de hoje, a própria estruturação dessa agenda vai ter ser diferente como era até ontem. Precisamos ver os próximos passos, e temos um ano até a COP, para saber que agenda apresentamos ao mundo que se interessa sobre mudanças climáticas e compor uma agenda inteligente”, afirma.

De qualquer forma, Marcello Brito espera mudanças nas condutas das negociações climáticas não só dos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, daqui em diante, por influência da chegada do republicano ao poder.

“Devemos ter uma discussão estrutural climática mundial mais pragmática do que o que vinha acontecendo até o momento. Negociações de clima precisarão ganhar um pragmatismo muito maior, incorporando a estrutura econômica no processo, muito mais do que numa dinâmica de meio ambiente ou de estrutura climática puramente dita”, afirma.