As linhas de crédito rural do Plano Safra 2024/2025 utilizadas para financiar práticas sustentáveis no campo acumularam um total de R$ 52 bilhões até o terceiro trimestre deste ano-safra, R$ 2 bilhões a menos do que no mesmo período de 2024.
A estimativa é da consultoria Agroícone, que antecipou ao AgFeed a primeira edição do boletim Crédito Rural na Jornada de Sustentabilidade, que será publicado trimestralmente a partir deste mês com o objetivo de quantificar e relacionar dados do crédito rural alinhado à sustentabilidade no setor agropecuário.
O movimento, segundo a empresa, acompanha a trajetória do Plano Safra 2024/2025, que fechou o terceiro trimestre do ano-safra com R$ 211,8 bilhões, R$ 36,1 bilhões a menos que o mesmo período de 2023/2024.
"Essa safra 2024/2025 foi um pouco atípica do ponto de vista de contratação de recursos, houve um aumento progressivo da taxa Selic ao longo do Plano Safra e isso aumenta o custo de equalização para o Tesouro. Houve um desafio grande do recurso", afirma Lauro Vicari, pesquisador da Agroícone e um dos autores do boletim, em entrevista à reportagem.
Mas as dificuldades não estão apenas nos recursos oficiais, segundo Vicari. "Também há o desafio do produtor de entrar na jornada de sustentabilidade, primeiro pela informação, seja de conhecer aquela prática, seja de assistência técnica, que é um componente central para adotar uma nova boa prática na produção", afirma.
"E por último, tem o desafio da instituição financeira, que às vezes continua com um foco, talvez, mais nos modelos mais tradicionais e conhecidos da sua carteira. Apesar de uma certa melhora da percepção das instituições financeiras em tornar sua carteira mais sustentável, há também uma certa rigidez no sentido de continuar financiando aquela prática que já financia e os produtores que já adotam aquela prática."
Dos R$ 52 bilhões alinhados com a jornada de sustentabilidade, R$ 29,9 bilhões correspondem a financiamentos de custeio e R$ 22,1 bilhões a crédito de investimento.
Os recursos de custeio foram destinados principalmente à produção de soja (R$ 10,3 bilhões), seguido por milho (R$ 5,5 bilhões), café (R$ 3,1 bilhões), arroz (R$ 1,5 bilhão) e bovinos (R$ 1,1 bilhão).
Já no lado do investimento, a maior parte está associada à categoria “correção intensiva do solo” (R$ 7,7 bilhões), essencial para restaurar a saúde do solo e aumentar a produtividade das lavouras. O produto é seguido por “máquinas e implementos” (R$ 3,2 bilhões), pastagem (R$ 3,1 bilhões), irrigação (R$ 1,9 bilhão) e adubação intensiva do solo (R$ 1,8 bilhão).
Ainda na linha investimentos, R$ 7,9 bilhões estão diretamente ligados a programas do Plano Safra com finalidade sustentável, com destaque para o subprograma RenovAgro Manejo dos Solos, com R$ 1,8 bilhão alocados, e o RenovAgro Plantio Direto, com R$ 1,5 bilhão.
"O subprograma de solos tem um destaque grande porque não só tem um alinhamento muito importante com a recuperação das pastagens, mas também um forte apelo com a agricultura", diz Vicari.
O pesquisador da Agroícone destaca também o desempenho das contratações feitas no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), utilizado por produtores de pequeno porte, que somou R$ 1,8 bilhão em contratações de linhas sustentáveis, quase todas correspondentes ao sub-programa Pronaf Bioeconomia, que acumulou R$ 1,7 bilhão no período.
Vicari explica que existem outros três subprogramas alinhados à sustentabilidade – Agroecologia, Floresta e Semiárido – mas que o de Bioeconomia se destaca pelas suas características.
O programa financia atividades diversas como energia renovável, tecnologias ambientais, armazenamento hídrico, pequenos aproveitamentos hidroenergéticos, silvicultura e adoção de práticas conservacionistas, de correção da acidez e fertilidade do solo.
"Ele abarca muitas coisas e é central para promover condições para o produtor familiar se inserir na jornada de sustentabilidade", afirma.
O pesquisador comemora o fato de que as linhas sustentáveis do Pronaf cresceram 1,9 ponto percentual no período analisado, superando a alta de 1,7 pontos das demais linhas utilizadas por médios e pequenos produtores, mas pondera que ainda há a necessidade de expandir esse tipo de financiamento para os pequenos produtores.
"É um grande público que tem um grande potencial ainda de desenvolver ainda mais as linhas, até porque o acesso a esse crédito para a agricultura familiar ainda é menor se comparado a produtores médios e grandes", afirma.
Considerando todo o crédito rural, a maior parte dos financiamentos (R$ 46,2 bilhões) está concentrada no crédito a atividades agrícolas e o restante (R$ 5,8 milhões) se direciona à pecuária.
A baixa participação da pecuária, intensiva em pegada de carbono, é um sinal de alerta, na avaliação do pesquisador. "É uma atividade com grande potencial para externalidades ambientais negativas e deve ser um dos principais focos no processo de transição", diz.
A maior parte dos recursos de crédito rural associado à sustentabilidade vieram dos recursos livres equalizáveis (R$ 11,5 bilhões), seguido por recursos obrigatórios (R$ 6,9 bilhões) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) - Taxa Livre (R$ 6,3 bilhões).
No recorte por estados, o Rio Grande do Sul lidera o crédito alinhado à jornada de sustentabilidade, com R$ 11,2 bilhões, seguido por Minas Gerais (R$ 8 bilhões), Paraná (R$ 4,9 bilhões), Mato Grosso (R$ 4 bilhões) e São Paulo (R$ 3,3 bilhões).
Vicari diz que o Rio Grande do Sul consegue qualificar melhor o seu crédito, refletindo na liderança dos gaúchos. "Até mesmo do ponto de vista das instituições financeiras, há um maior registro proporcional desse crédito alinhado à jornada de sustentabilidade. Nos registros do sistema do Banco Central, você consegue ver muito mais detalhamento a respeito desse crédito no Sul", afirma Vicari.
Apesar de ser o maior produtor de grãos do país, Mato Grosso figura apenas em quarto lugar. Vicari diz que o desempenho está associado ao comportamento dos produtores mato-grossenses.
"Mato Grosso, proporcionalmente, tende a se financiar mais por recursos de mercado de capitais e financiamento privado, porque os produtores têm escala maior, mais capacidade de financiamento e até promovem garantias da sua produção", diz.
A Agroícone utilizou dados do Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR), do Banco Central, para a análise. A consultoria preferiu utilizar o termo “jornada de sustentabilidade” para caracterizar o crédito rural que, de alguma forma, financia práticas sustentáveis.
De acordo com Lauro Vicari, com a utilização desse termo, a proposta é classificar e monitorar operações de crédito rural que, embora ainda não tenham seus impactos ambientais mensurados, possuem características que indicam um potencial de geração de benefícios socioambientais no campo a médio e longo prazo.
"Como a gente não consegue e ainda não existe de fato um mecanismo ou um conjunto de procedimentos para mensurar se aquele crédito de fato gerou algum tipo de ganho ambiental ou mitigação de externalidade negativa, a gente preferiu não chamar de crédito sustentável", afirma Vicari.
"Trata-se de um crédito que permite que o produtor entre em jornada de sustentabilidade, quando ele decide fazer a transição para uma agropecuária sustentável e resiliente", complementa.
Resumo
- Crédito rural sustentável soma R$ 52 bilhões na safra 2024/2025, com maior concentração em custeio (R$ 29,9 bi)
- Apesar da queda no volume total financiado, Pronaf Bioeconomia se destaca, com R$ 1,7 bilhão contratados
- Rio Grande do Sul lidera em volume de crédito sustentável (R$ 11,2 bilhões), enquanto Mato Grosso aparece em quarto lugar, devido ao uso mais intenso de recursos de mercado privado