Que a humanidade e o planeta estão à beira do colapso alimentar e ecológico, ninguém duvida. Que o modo como produzimos nossa comida contribuiu para a crise, também não. Que é preciso tornar a cadeia mais simpática ao meio ambiente e mais resiliente às mudanças climáticas, idem.

O que não se sabia, porém, é quão pouco está-se fazendo para reverter tal cenário. Até os especialistas estão espantados.

Divulgado recentemente, o estudo “Landscape of Climate Finance for Agrifood Systems” é o primeiro a determinar quanto do financiamento climático global vai para o sistema agroalimentar. E os resultados são inquietantes.

Responsável por um terço das emissões anuais de gases de efeito estufa, o ecossistema agrifoodtech recebeu somente 4,3% dos US$ 660,2 bilhões destinados às soluções focadas no aquecimento do planeta, somando-se todos os setores econômicos. “Um valor surpreendentemente baixo”, definem os autores do trabalho.

O levantamento foi conduzido pela ONG Climate Policy Initiative (CPI) e pela aliança Climateshot Investor Coalition (CLIC), com apoio do governo britânico, e avaliou o período 2019/2020.

Quando analisados os investimentos de venture capital, as perspectivas não melhoram. Um de cada dez dólares destinado ao ecossistema agrifoodtech vai para empresas que têm o clima parte da proposta de valor alvo. Em números absolutos, foram somente US$ 2,3 bilhões, no período analisado.

Um dos grandes desafios da contemporaneidade está na intersecção entre segurança alimentar e mudança climática, diz ao AgFeed Francisco Jardim, cofundador e sócio da SP Ventures, o principal fundo brasileiro com foco em agrifoodtech.

Como aumentar a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, fazer a transição para um sistema de baixo carbono e construir uma cadeia mais resiliente? “Só via cheque de inovação e tecnologia”, afirma o executivo.

Conforme o relatório “Landscape of Climate Finance for Agrifood Systems”, nas estimativas mais conservadoras, para levar o sistema agroalimentar rumo a um futuro mais sustentável, inclusivo e produtivo, o financiamento climático deveria ser sete vezes maior, em relação aos níveis atuais.

A seguir, com base no estudo da CPI e da CLIC, o AgFeed traz uma breve análise dos investimentos feitos em segmentos específicos, do setor:

Agricultura: Novas técnicas agrícolas, como os modelos regenerativos, receberam a maior parte dos US$ 28,5 bilhões, com 42% do total de aportes. É pouco. Nas contas dos analistas, esse valor deveria ser de US$ 30 a US$ 218 bilhões, ao ano.

Silvicultura: A integração lavoura-pecuária-floresta é tida como uma das soluções mais importantes para aumentar a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, preservar e regenerar o meio ambiente. Mesmo assim, o segmento ficou com apenas US$ 11,7 bilhões. O ideal seria entre US$ 55 bilhões e US$ 753 bilhões.

Perda e desperdício de alimentos e dietas de baixo carbono: Esse é, sem dúvida, um dos problemas mais importantes a ser combatido. A cada ano, um terço da produção global de alimentos vai parar no lixo, enquanto 2,3 bilhões de pessoas, no mundo, vivem em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. No entanto, as oportunidades nessa área “permanencem inexploradas”, com irrisórios US$ 100 milhões financiados. O necessário? De US$ 48 bilhões a US$ 50 bilhões.

Pesca e aquicultura: Quando praticadas, conforme os preceitos da sustentabilidade, essas atividades têm um papel preponderante no futuro da alimentação, ao aliviar a pressão sobre as terras agrícolas. Apesar de sua importância, a economia azul levantou US$ 100 milhões, no período avaliado. Um nada perto dos US$ 11 bilhões tidos como ideais.

Dinheiro tem

Nem tudo é apenas má notícia, no entanto. Na avaliação dos pesquisadores, com base no volume total de dinheiro destinado ao setor, há liquidez suficiente para financiar a transição climática.

Os subsídios públicos globais para a agricultura e pesca foram estimados em cerca de US$ 670 bilhões, no período de análise – “com a maior parte apoiando práticas nocivas”. Além disso, há uma disponibilidade de capital privado da ordem de US$ 630 bilhões.

Como argumentam os especialistas, “reaproveitar parcialmente esses fluxos para apoiar intervenções climáticas pode fornecer um grande impulso para a conquista do financiamento necessário”.

Na opinião de Jardim, a falta de investimentos no ecossistema agroalimentar só pode ser explicada pela falta de compreensão do setor. Com particularidades muito específicas, difere radicalmente dos outros segmentos.

“O ciclo de adoção, consequentemente, o horizonte do investimento é um pouco mais longo”, explica. “Por outro lado, é mais dinâmico, resiliente e estável. É denominado em dólar, com uma cadeia mais diversificada.”  Tudo isso representa, segundo o executivo, uma grande oportunidade. O setor deve fechar 2023, no Brasil, com um crescimento superior a 10%.

Como fazer

O levantamento da CPI e da CLIC indica quatro caminhos a seguir. O primeiro é tão simples quanto revolucionário. Todos os players do setor devem trabalhar juntos, de modo a integrar vários objetivos de sustentabilidade e, assim, enfrentar os desafios climáticos de forma sistêmica.

Definidas como “círculos virtuosos”, as parcerias entre poder público, iniciativa privada, academia e sociedade, em todos os níveis, são imprescindíveis para virar o jogo climático. E, as ações devem ser coordenadas, para evitar a duplicação de esforços e usar com eficiência todos os recursos humanos, políticos e financeiros disponíveis.

Por fim, o mantra da nova economia: “Pense globalmente, aja localmente”.