Roberto Rodrigues é uma espécie de embaixador do agronegócio brasileiro. Costuma ter diálogo aberto com os diferentes setores do agro, sem distinção ideológica, o que muitas vezes fortaleceu seu papel também em fóruns internacionais.

É repetidamente chamado de “ministro”, afinal, realmente foi o chefe da pasta da Agricultura, entre 2003 e 2006, no primeiro governo Lula. No âmbito internacional, um dos destaques foi o período em que liderou a Aliança Cooperativa Internacional, como primeiro “não-europeu” a mobilizar eventos e ações envolvendo cooperativas do mundo inteiro.

Com todo esse currículo e um perfil poliglota, não foi surpresa quando este ano, há pouco mais de um mês, recebeu uma correspondência do presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago, o convidando para ser o enviado especial da agricultura na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O evento ocorre em novembro, em Belém, no Pará. Foi uma decisão de Lago ter “enviados” para diferentes temas que serão tratados na COP.

“A COP, embora seja no Brasil, não é uma COP para o Brasil, é para o mundo inteiro. Ele é presidente da COP mundial. Então, ele queria que eu colocasse para ele os temas centrais da agricultura brasileira inseridos no mundo. Basicamente, alimento e energia”, contou Rodrigues, em entrevista ao AgFeed.

A primeira ação do ex-ministro, após aceitar o convite, foi fazer uma reunião com técnicos de diferentes entidades ligadas ao agro como CNA, OCB, IPA, Sociedade Rural Brasileira e Fiesp, por exemplo.

“Muitos deles são melhores do que eu, porque eu deixei muito claro para todo mundo que eu nunca fui a uma COP, não sei como é que é. Eu nunca quis participar, porque é um assunto muito especializado, que eu não conheço fundamentalmente”, afirmou.

Roberto Rodrigues diz que agora, com ajuda dos técnicos, está preparando um documento “que mostre o que o Brasil evoluiu em agricultura, sobretudo em termos de sustentabilidade, num documento denso, com números importantes, mostrando o progresso basicamente com dado técnico científico”.

Além de destacar os avanços na ciência e as políticas públicas que foram adotadas ao longo dos anos, que levaram ao salto de produtividade e a melhores práticas agrícolas, o objetivo é mencionar como o mercado internacional também ajudou o País a crescer.

“Esse documento forte, mostrando o que o Brasil fez até agora, deve dizer ao final, que não que isso não acabou. O processo de desenvolvimento sustentável continua daqui para frente”, afirmou.

O desafio, segundo Rodrigues, é ter um documento “abrangente e universal”, que consiga contemplar o que busca o setor da cana, da pecuária, da batata, e assim por diante.

“A minha ideia é ter um documento que todos aceitem, que seja uma agenda única, para não ficar cada um precisando de uma coisa”, disse.

Assim que tiver em mãos essa pauta unificada do agro brasileiro, feita por entidades do setor privado, frisou ele, sua missão é convencer o Ministério da Agricultura a incluir o que estiver colocado na agenda oficial que o governo vai defender.

Dentro do Mapa, o tema que já está sendo trabalhado e é dado como certo na pauta do governo é a recuperação das pastagens degradadas. O objetivo é aproveitar a COP para atrair recursos internacionais que financiem esse projeto.

Ele admite, no entanto, que “não é um processo trivial”, já que além do Mapa, há vários outros ministérios envolvidos e não há garantia de que essa pauta prioritária será encampada pelo governo como um todo.

Perguntando sobre quais temas são obrigatórios no documento, Roberto Rodrigues respondeu que são “segurança alimentar e transição energética, tudo isso envolto por mudança climática, afinal o tema é a própria mudança do clima”.

Fórum Tropical

Na visão de Roberto Rodrigues, “o Brasil tem um compromisso rigoroso de contribuir com o mundo tropical, desenvolvendo tecnologias que possam ser replicadas no cinturão do planeta tropical, que é a América Latina, a África e a Ásia e é onde tem terra para crescer e onde vai haver a explosão, realmente, do conhecimento da agricultura, da alimentação e da energia”.

Em função desta abordagem, as primeiras ações do ex-ministro vão além do documento assinado pelas entidades. Ele está liderando também o lançamento do que foi chamado de “Fórum Brasileiro de Agricultura Tropical”, que é uma articulação de diferentes centros de pesquisa e representantes do setor produtivo.

Atualmente, Rodrigues é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Além dele, a iniciativa do Fórum é liderada pelo Centro de Estudos em Agronegócios (FGV Agro) e do Observatório de Bioeconomia (FGV Bioeconomia).

Na visão da FGV, o Fórum é importante porque há “um cenário de fragmentação institucional e crescente pressão por modelos climáticos e agrícolas que muitas vezes não refletem a realidade tropical”. O temor é que o Brasil, se não apresentar uma posição coesa, corra o risco de ficar fora das decisões internacionais.

“Queremos contribuir fortemente com a difusão desse conhecimento para os países tropicais. Ao mesmo tempo, ser um elemento importante como um agente de segurança ambiental global, aumentando as exportações e garantindo segurança alimentar para o mundo inteiro, na direção da paz. Como eu costuma de dizer, o agro é paz, porque sem comida não vai haver paz”, ressaltou.

Rodrigues diz que é um “fórum de think tanks”, com muito conhecimento técnico, envolvendo diversos atores, além da FGV, como Agroicone, CCarbon/Esalq, Coalização Brasil Clima Florestas e Agricultura, entre outros.

Além do que vai ser apresentado em Belém, Roberto Rodrigues diz que o objetivo é criar algo que seja permanente. Ele diz que o próprio Corrêa do Lago defende ações “pós-COP”, que sigam ocorrendo até que venha uma próxima edição da conferência.

“As COPs anteriores foram muito discursivas, há documentos e compromissos, mas realizar mesmo, pouca coisa aconteceu”, avalia. A ideia é efetivamente implementar um programa com foco na agricultura e na questão climática.

Rodrigues pretende participar de alguns dos eventos preparatórios que já começaram a ocorrer.

Um deles está sendo realizado com representantes dos governos esta semana em Bonn, na Alemanha. Há relatos de que, no encontro, as divergências já ficaram evidentes no primeiro dia, à medida que nem mesmo a agenda ficou definida.

No evento de Belém, Rodrigues já teria sinal verde para organizar debates paralelos na chamada “blue zone”, para projetos que sejam apoiados pelo governo. A intenção é levar diferentes setores do agro para apresentações neste espaço.

“Ele (Corrêa do Lago) quer que organize lá diversos eventos ligados a agricultura, de tecnologia, de peixe, de boi, de cana, de tudo. Os temas principais, são mais de 30 eventos ligados à agricultura. Pequenos seminários ligados à agricultura brasileira e tropical. Então, vou trabalhar nessa direção”, revelou.

Há também a “green zone”, onde a Embrapa marcará presença e deve organizar “um grande evento”, com apoio da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) e outros órgãos.

Rodrigues espera ainda consolidar uma parceria com IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – que já demonstrou interesse em participar das ações.

“Vai ser uma posição muito mais forte de toda a América continental. Vamos ter algumas reuniões prévias, uma delas no dia 4 de agosto”. A ideia é ter o “endosso” do IICA para o mesmo documento da pauta unificada do agro.

Resumo

  • Roberto Rodrigues será o enviado especial da agricultura na COP 30, com a missão de apresentar uma pauta unificada do agro brasileiro
  • Está sendo elaborado um documento técnico-científico com contribuições de entidades como CNA, Fiesp e OCB,
  • Rodrigues também lidera o Fórum Brasileiro de Agricultura Tropical, com o objetivo de fortalecer a posição dos países tropicais nas decisões globais sobre agricultura e clima