Calejado após mais de 20 anos de experiência em negociações internacionais, Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, é cauteloso sobre as expectativas em relação à COP30 - Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, em novembro, em Belém (PA).
Realizada pela primeira vez na nação que já foi considerada “o país do futebol”, a edição deste ano do principal fórum global de negociação sobre o clima pode ser uma das partidas decisivas nos debates para um documento com atualizações nas metas climáticas, segundo o consultor.
Esse novo documento e as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs da sigla em inglês) de cada país, previsto para ser divulgado este ano, uma década após o Acordo de Paris, não necessariamente devem sair na COP30. Segundo ele, um novo acordo, iniciado na COP29, em Baku (Azerbaijão), pode ser discutido até a COP31, em 2026.
“Não tem que tomar uma decisão finalística aqui na COP do Brasil. Foi até bom ter deixado em aberto lá em Baku. As duas presidências de COP vão trabalhar e você vai ter um documento que, a meu ver, vai continuar ano que vem, na COP31”, disse Lima.
Na avaliação do consultor, Estados Unidos, que já anunciaram a saída do Acordo de Paris mas terão de participar da COP30, e outros países avessos à redução de emissões, como Argentina, podem atrapalhar as negociações no encontro de Belém. Com isso, um documento final após a conferência no Brasil deve “ser uma bola no campo” que continuará sendo jogada até a COP31.
Na entrevista, o sócio-diretor da Agroicone se mostrou cético sobre a capacidade de arrecadação do fundo voluntário de países ricos para projetos de mitigação climática e recuperação da biodiversidade em países em desenvolvimento, cujos valores são estimados em US$ 500 bilhões.
“É factível, vendo as guerras do mundo e esse novo tabuleiro geopolítico, esperar que vai ter US$ 500 bilhões depositados bonitinho lá e todo mundo ir pegar seu quinhão? Eu não acredito nisso”.
Ainda segundo ele, as possíveis doações de países ricos devem prioritariamente para nações pequenas na África e Ásia.
“Eu não espero que um país como o Brasil vá ser um grande recebedor de dinheiro de doação, exceto com um pouco para conservação de floresta”.
Por fim, a agenda de discussão na agropecuária deve ser focada, na COP30, no anúncio das NDCs de cada país para o setor. Essas ações climáticas devem ser inscritas no portal online criado em Sharm El-Sheikh, no Egito, sede da COP27.
Leia abaixo a entrevista completa com Rodrigo Lima, da Agroicone
Qual a avaliação e a expectativa sua e da Agroicone para a COP30?
Essa COP vai ser mais peculiar ainda, com a saída anunciada dos Estados Unidos (do Acordo de Paris). Mas o país ainda será parte quando a COP acontecer, porque você tem um prazo de um ano para, efetivamente, sair. Isso significa que eles podem tentar causar problemas e criar obstáculos nas negociações, né? Mas temos que tocar o processo.
E o que podemos esperar de concreto na COP30 dez anos após o Acordo de Paris?
E acho que o primeiro ponto que eu destacaria é que na COP30 a gente já vai chegar sabendo qual é a nova ambição climática para 2035. Pelo processo cíclico de apresentação e atualização de NDCs aprovado no Acordo de Paris, na COP do Brasil é o momento de termos as NDCs atualizadas.
Como os relatórios-síntese anuais de NDC mostram, (as contribuições) estão bem aquém do necessário. Então, a gente chega na COP com o cenário de possivelmente um aumento na ambição, mas que ainda é menos do que se espera para meta de reduzir a temperatura em 1,5 grau Celsius.
Com os outros países devem agir com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris?
Pela saída dos Estados Unidos e talvez Argentina, ou algum outro país que queira seguir o mesmo caminho, pode ser uma COP da “call to action”: uma chamada de “escuta a gente sem implementar as ações climáticas, as ações de mitigação, a transição energética e se afastar de combustíveis fósseis”. A implementação das ações é mais do que necessária e essa implementação se traduz em negócios, se traduz em retorno.
A gente já chega na COP com as ambições climáticas e já chega com sugestões de ação?
A agenda oficial da COP trata do programa de trabalho de mitigação, de conseguir implementar e conectar com o financiamento. Do ponto de vista da agenda formal, o financiamento é muito importante, porque a nova meta coletiva e quantificada de financiamento, aprovada em Baku (COP29), é de US$ 300 bilhões. Eram US$ 100 bilhões, triplicou, mas os US$ 100 bilhões nem foram alcançados.
A gente precisa ler a decisão de Baku da seguinte forma: são US$ 300 bilhões (para NDCs), vindo de várias fontes bilaterais, multilaterais, públicas, privadas, bancos multilaterais, bancos privados, e aí depois você tem uma meta de US$ 1,3 trilhão, também de várias fontes. E quando a gente tem a meta de US$ 1,3 trilhão, cria-se o roadmap Baku-Belém para discutir como chegar nessa meta, o que vai compor e como conduzir isso até o final do ano para chegar aqui com algo na mão.
O financiamento climático vai mudar com o anúncio do governo dos Estados Unidos de ratificar a saída do Acordo de Paris?
Os efeitos Trump e de vários bancos terem saído da aliança dos bancos “net zero”, jogam sinais de um arrefecimento por dar financiamento climático. Eu concordo, só que eu acho que é prematuro dizer que os bancos não vão mais financiar a transição energética. Porque isso é um negócio, isso é dinheiro, são projetos e investimentos e isso é carbono como um co-benefício.
Os bancos multilaterais ofereceram, de financiamento climático, US$ 125 bilhões de dólares em 2023. Pensando nesse roadmap que vão ter que construir ao longo do ano para chegar a Belém com alguma coisa, tenho um sentimento que essa diversificação de fontes tem nos bancos multilaterais uma fonte muito interessante de recursos. Eles vão continuar financiando projetos de transição energética
Mas isso é financiamento, não é doação. Isso entra na conta?.
O financiamento vai entrar na conta (como se fosse doação), a despeito dos países em desenvolvimento baterem na tecla de que não pode entrar o dinheiro de financiamento no cálculo para a meta de arrecadação.
E o que você acha disso? É bom?
Talvez seja duro o que eu vou falar sobre se está certo, ou não, considerar o dinheiro de empréstimo. Eu, sinceramente, acho que está. A questão é que esperar que os países envolvidos despejem US$ 300 bilhões (para a redução de emissões) e querem pelo menos mais US$ 200 bilhões, no mínimo, em biodiversidade.
É factível, vendo as guerras do mundo e esse novo tabuleiro geopolítico, esperar que vai ter US$ 500 bilhões depositados bonitinho lá e todo mundo ir pegar seu quinhão? Eu não acredito nisso.
A grande questão para mim é qual é o diferencial do financiamento climático que um banco multilateral vai me dar. Porque se for um financiamento igual ao que eu já tenho no mercado, aí complicou.
Se houver um financiamento para biodiversidade ou para o clima, mitigação climática, quem vai acabar pagando a conta, no caso, são os que deveriam ser beneficiados?
Eu acho que vai ter dinheiro de doação, sempre vai ter, mas ele sempre vai ser pequeno e, portanto, ele vai ser prioritariamente voltado para países muito pobres.
"Não vou ficar acreditando que vai ter bilhões em doação de todos os países, ainda mais num cenário como o que a gente está tendo hoje"
Eu não espero que um país como o Brasil vá ser um grande recebedor de dinheiro de doação, exceto com um pouco para conservação de floresta, como já tem o dinheiro da Alemanha, do Reino Unido, da Noruega. Porque quando eu falo de transição energética e pego vários países africanos, vários países pequenininhos na Ásia, que têm dificuldades enormes, o Brasil tem problemas? Tem, mas vamos ver onde é que a gente está na fila do pão.
Então não vou ficar acreditando que vai ter bilhões em doação de todos os países, ainda mais num cenário como o que a gente está tendo hoje, de ultradireita, de um potencial arrefecimento de metas climáticas.
Em entrevista recente, o presidente da Unica, Evandro Gussi, falou que os Estados Unidos vão continuar se descarbonizando independente da posição do governo. Você concorda?
Imagina que os Estados Unidos agora falassem tchau para o etanol de milho. Não dá, né? O que eles vão fazer é brigar para o etanol de milho americano ter uma nota de carbono melhor que a do etanol brasileiro no sistema de redução de emissões de aviação civil para ele ter mais benefício na hora de vender. Então, o Trump vai usar implicitamente o argumento de ser mais sustentável quando ele puder se beneficiar do ponto de vista de comércio.
O que Estados Unidos e Argentina podem fazer para atrapalhar o debate na COP30?
Cada país tem um voto e quando você vai aprovar uma decisão, se um país falar não, barrou. Existe na convenção, pelas regras de procedimento, a possibilidade de votar. Mas isso nunca é utilizado porque, a partir do momento que tiver que ser utilizado a primeira vez, cria-se um precedente. E aí, tudo quanto é problema que der, vai ter que votar.
Então, o acordo é com o consenso. Mas eles poderiam criar empecilhos, por exemplo, na discussão sobre financiamento.
Podemos ter uma COP30 sem anúncios concretos?
É importante destacar que não tem que tomar uma decisão finalística aqui na COP do Brasil. Foi até bom ter deixado em aberto lá em Baku. As duas presidências de COP vão trabalhar e você vai ter um documento que, a meu ver, vai continuar ano que vem, na COP31. Então, mesmo que eles atrapalhem nessa parte de financiamento, você pode ter uma linguagem mais solta lá no documento. O documento vai ser uma bola no campo. Ele vai continuar sendo jogada.
O que pode ser decidido de fato na COP30?
Uma decisão que vai ser importante na COP aqui são os indicadores de adaptação. Porque a gente teve lá a meta global de adaptação aprovada na COP28, em Dubai, e está se negociando indicadores de adaptação para orientar as partes dentro da implementação das suas políticas nacionais de adaptação. O Brasil mesmo está construindo a sua política de adaptação atualizada.
Imagino que será apresentado isso antes da COP. Tem uma lista de 6 mil e fala-se em conseguir jogar um funil para até 100. Aí imagina os Estados Unidos bloqueando esses indicadores? Vai ser bizarro se isso acontecer, porque você vai ter indicador, por exemplo, para evitar impacto de poluição em água.
Tem COP em que se tem uma decisão muito marcante, muito profunda da estrutura e tem COP que você tem decisões com o processo andando. Nessa COP talvez o maior tema seja conhecer a nova ambição, das NDCs atualizadas, e tem países que vão apresentar em março, em abril.
O que você achou da escolha do André Corrêa do Lago como presidente da COP?
O embaixador André foi negociador da Rio 92, negociou o protocolo de Nagoya e toda a agenda de convenção de biodiversidade. Não havia pessoa melhor para ter sido escolhida como presidente da COP30. O embaixador André, além de um amplo conhecimento técnico sobre a agenda climática, sobre os temas que compõem a agenda climática, tem uma bagagem política que gravita no altíssimo nível.
E o papel da agricultura na COP30?
Há o grupo de Sharm El-Sheikh (sede da COP27, no Egito) sobre ações climáticas e agricultura e segurança alimentar. Hoje se fala muito da transição dos sistemas alimentares e da agenda de agricultura e no Brasil essa agenda é super importante. A gente espera chegar na COP com pelo menos alguns países tendo inscrito as suas ações climáticas de agricultura no portal online criado em Sharm El-Sheikh.
Existem 141 NDCs que tratam de agricultura, mas não tem um lugar em que eu possa ir olhar para ver o que estão dizendo e o que querem fazer de ações climáticas e agricultura. Então, a gente vai chegar na COP em Belém com pelo menos 20 países tendo submetido suas ações, porque o mundo está discutindo o que é agricultura e o que fazer em agricultura e o que deveria focar em relação às ações climáticas para a agricultura.
E como fica o Brasil na discussão sobre a agropecuária?
Como internamente o Brasil tenta trabalhar essa agenda, a gente tenta promovê-la. Hoje, a discussão de agricultura na convenção amadureceu muito, e a gente fala de mitigação, adaptação e benefícios, e se eu não tiver inovação, inovação significa um rol de tecnologias, os produtores vão ter problema, e é no mundo isso, não é só no Brasil.