As práticas sustentáveis na agricultura brasileira que permitem a captura de carbono, por exemplo, podem ser vistas no campo, mas nem sempre são reconhecidas pelo mercado internacional.
É por isso que nesta era de metas ambientais audaciosas, em diferentes países, conseguir comprovar o papel da agropecuária na descarbonização virou tarefa obrigatória para produtores rurais e tradings.
A ADM, uma das maiores companhias de agronegócio do mundo, é um exemplo deste cenário. A companhia tem metas de descarbonização e está implementando um programa de agricultura regenerativa, globalmente. No Brasil, a iniciativa foi lançada em novembro de 2023, como mostrou o AgFeed.
Nesta terça-feira, em São Paulo, executivos da ADM reuniram jornalistas para mostrar os primeiros resultados. Foram monitorados 25 mil hectares de propriedades rurais de Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais.
O programa é executado em parceria com a Bayer, que utiliza a calculadora desenvolvida em conjunto com a Embrapa, para medir a pegada de carbono nas lavouras de soja.
Na primeira etapa, áreas que adotam boas práticas agrícolas (cadastradas no programa) foram comparadas a um benchmark que, na prática, é um indicador internacional genérico utilizado pelas tradings quando precisam “declarar” qual foi a pegada de carbono daquela soja que adquiriu, exportou ou processou.
Segundo a ADM, a principal constatação foi uma redução de mais de 50% nas emissões de carbono nas áreas de soja que foram monitoradas, quando comparadas a esse benchmark.
“Acho que a nossa principal vitória foi realmente conseguir mapear esses 25 mil hectares com muita precisão, utilizando ciência e tecnologia de ponta, trazendo transparência, a rastreabilidade para esses produtos, e a gente chegou num resultado que honestamente nos surpreendeu positivamente”, afirmou André Germanos, gerente de Negócios de Carbono e Agricultura Regenerativa da ADM para América Latina, em entrevista ao AgFeed.
O executivo disse também que houve grande disposição dos produtores em unir forças com a trading para atingir e superar as metas de redução nas emissões de carbono.
Durante o encontro na capital paulista, uma das produtoras rurais participantes, Lisandra Zamboni, de Mato Grosso do Sul, se mostrou otimista com a iniciativa. Ela contou que no começo viu com desconfiança, mas que depois identificou uma oportunidade de “mostrar para o mundo as práticas sustentáveis” que já adota. Dos 1,2 mil hectares cultivados na fazenda de Lisandra, 15% foram acompanhados pela equipe do ADM Regeneração.
A produtora rural destacou como uma vantagem ter a liberdade de apenas medir, para depois decidir se poderá optar por comercializar, sozinha, créditos de carbono gerados na sua produção.
Neste aspecto, Germanos reforçou que o objetivo da ADM não é comercializar créditos de carbono. Porém, a empresa vai utilizar a mensuração para o chamado mercado “insetting”, onde diferentes elos da cadeia produtiva podem fazer a sua compensação de emissões.
Ao adquirir um óleo de soja de baixo carbono, produzido pela ADM, por exemplo, uma grande indústria de alimentos poderá contabilizar essa redução no futuro.
É a partir dessa parceria com as gigantes do setor de alimentos que a ADM também pretende viabilizar o tão almejado “prêmio” ao produtor que conseguiu colher uma soja de baixo carbono. André Germanos espera viabilizar um diferencial de preço – como já ocorre nos Estados Unidos – para o produtor brasileiro ainda em 2025.
“Continuo otimista, nós temos acordos bem avançados, então nós temos a confiança de que a indústria vai aderir e vai participar e vai ver o valor desse trabalho que está sendo feito pelos produtores e por nós também. Isso está em vias de acontecer”, ressaltou.
A ADM não revela qual a área contemplada pelo programa na safra 2024/2025, que já está com o plantio praticamente finalizado, mas garante que a meta de atingir 200 mil hectares até o ciclo 2025/2026 está mantida.
Germanos diz que nesta safra já será possível medir evoluções incrementais nas áreas do programa, ou seja, ao invés de comparar a pegada de carbono de uma lavoura com a média padrão que a ADM usava no seu inventário, agora a comparação será feita em relação aos dados da própria fazenda, no ciclo anterior.
Por isso, a intenção é seguir dando suporte para que produtores adotem mais práticas que permitam melhor o balanço de carbono, mas sem uma obrigação.
“Nós vamos ver uma evolução paulatina e incremental nos próximos anos. Eu imagino que se tudo der certo, como a gente acha que vai dar, essa próxima safra vai ser uma safra menos desafiadora que a safra anterior (do ponto de vista climático). Por conta de um possível aumento de produtividade, nós vamos ter uma diferença de emissões”, prevê o gerente da ADM.
Durante uma visita à uma propriedade participante do programa, em março deste ano, Germanos chegou a dizer que esperava dobrar a área monitorada em 24/25.
Considerando os resultados piores registrados pelas principais tradings ao longo deste ano, o AgFeed perguntou se o plano não terá que ser revisto. “Se precisar fazer um ajuste, nós vamos fazer”, disse ele. Sobre dobrar a área, afirmou apenas que a empresa “está trabalhando para que isso aconteça”.
Outra forma de incentivo para que produtores participem do programa e busquem melhorar seus índices deve ser a ampliação na oferta de descontos na venda de insumos, como já ocorre com máquinas agrícolas, fertilizantes e biológicos.
“Nós estamos agora modelando como isso vai funcionar. Também entramos no mercado de plantas de cobertura, com mix de cobertura, que é uma das práticas que tem um impacto muito positivo”, acrescentou.
Para o diretor de grãos da ADM, Eduardo Rodrigues, que assumiu o cargo recentemente, o projeto é fundamental no processo de adequação das metodologias de carbono para a realidade da agricultura tropical.
Ele diz que a alta capacidade de captura de carbono que está sendo mostrada no projeto poderá ser questionada em outros países, que tem clima e realidade diferentes.
“Você tem que abrir a metodologia, tem que explicar. Eu acho que é muito importante a Bayer estar junto, porque de forma global, vamos abrir as portas para todo o ecossistema. Quem quiser ver, é convidado”, afirmou.
Enquanto se viabiliza o “prêmio” para a soja de baixo carbono, Rodrigues reforça que “remuneração”, de certa forma, já ocorre por meio do ganho de produtividade que as boas práticas oferecem.
“Agora eu acho que nós temos que entender muito mais o outro lado da moeda, se o consumidor ele também tem interesse em remunerar por isso. Já vimos no passado algumas outras coisas que aconteceram, como exemplo o próprio não GMO (não transgênico), que inicia com algum prêmio e logo depois some esse prêmio”, alertou o diretor.
Na visão de Rodrigues, embora o consumidor esteja interessado em sustentabilidade e seja a favor de ume pegada menor de carbono, há uma resistência em “pagar mais por isso”.