Uma das quatro estratégias da nova versão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), do Ministério do Meio Ambiente, é a cadeia produtiva da recuperação. Isso inclui remunerar coletores de sementes e aproximá-los de produtores rurais que estejam engajados em recuperar áreas degradadas.

Para que o Planaveg consiga atingir o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares, é fundamental assegurar a qualidade do material que será utilizado nas iniciativas de restauração. Para isso, projetos socioambientais têm sido dedicados a aproximar redes comunitárias responsáveis pela coleta das sementes àqueles que farão o uso para plantio.

O Redário é uma articulação que reúne várias organizações e grupos de coletores de sementes, para fomentar a muvuca de sementes. Esta é uma técnica ancestral, que consiste em reunir diferentes espécies e genéticas de sementes, de forma que o plantio variado acelere a restauração da vegetação nativa.

Atualmente, mais de 1.200 coletores trabalham em um modelo de negócio, cujo faturamento bruto, em 2023, foi de R$ 4 milhões. Em 2024, foram comercializados mais de R$ 2 milhões, mas os números do ano ainda não foram consolidados.

O trabalho inclui a preparação das sementes, recebimento, avaliação de qualidade, organização das sementes em misturas e as embalagens, de acordo com cada bioma. Em seguida, o plantio é feito por semeadura direta – mais ágil do que se a restauração fosse feita por mudas.

A semente corresponde a 20% do custo total deste método de restauração. Ao considerar a cadeia da semeadura direta inteira, a movimentação foi de R$ 20 milhões, segundo a organização.

"Para tentarmos nos aproximar da meta de 12 milhões de hectares é fundamental que seja valorizado e potencializado a produção comunitária de sementes através das redes de coletores. Diferentemente do que tem sido divulgado, a oferta de sementes é maior do que a demanda. Desta forma, estamos promovendo uma restauração ecológica verdadeiramente inclusiva", diz Rodrigo Junqueira, secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), instituição parceira do Redário.

Restaurar áreas degradadas, portanto, não se trata somente de uma iniciativa ambientalista, mas diz respeito à organização de uma cadeia produtiva que precisa ser economicamente rentável para todos os envolvidos.

Laura Antoniazzi, pesquisadora sênior e sócia da Agroicone, fala da oportunidade de reunir coletores de sementes e produtores rurais.

Por um lado, ela diz, os proprietários rurais têm que ver a importância e viabilidade econômica de fazer a restauração nas suas áreas. A prática pode levar a outras gerações de renda, como produtos madeireiros ou frutas, além de melhorar qualidade e quantidade da água, que por sua vez garante produção agropecuária.

Por outro lado, quem produz sementes e mudas ou quem presta serviço de apoio e assistência técnica para restauração deve ganhar dinheiro com a atividade, garantindo assim que a cadeia funcione de maneira eficiente e profissional.

“Em alguns locais se reclama que não existem viveiros ou sementes e, ao mesmo tempo, observamos muitos viveiristas e coletores de sementes que não conseguem vender sua produção. A cadeia só vai evoluir com crescimento coordenado de produtores de sementes, empresas que executam restauração e demanda geral para restaurar”, afirma em entrevista exclusiva ao AgFeed.

A consultoria Agroicone junto ao ISA promove a iniciativa Caminhos da Semente. No mês de novembro, através da organização do Redário, as instituições coordenaram uma ação que visa distribuir cerca de 14 toneladas de sementes nativas para 50 projetos de restauração ecológica localizados em diversas regiões do Brasil.

Mais de 10 projetos são feitos diretamente pela Agroicone em Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, em parceria com proprietários rurais em São Paulo.

A Rede de Coletores de Sementes Vale do Paraíba (Coopere), por exemplo, oferece ou indica serviços de restauração do movimento Redário, o qual vende as sementes nativas, já seguindo recomendação técnica de acordo com o ecossistema. O Redário, por sua vez, recebe pedidos de compra de vários locais e organizações e faz a distribuição.

A definição do preço de cada espécie de semente é feita levando em conta o tempo gasto para coleta e beneficiamento. Assim, aquelas espécies que requerem menos trabalho são mais baratas e as mais difíceis de coletar e beneficiar são mais caras. Por exemplo, a semente de cedro custa R$ 600/kg, enquanto a semente de jatobá custa R$72/kg.

Em 2024, somente com o Redário, o faturamento da Coopere foi de R$ 112 mil, o que representa um valor significativo para os agricultores familiares, muitos deles assentados da reforma agrária.

Da Amazônia ao G20

A relação entre o trabalho da restauração, por meio das sementes nativas, e o pagamento por serviços ambientais foi tema de um estudo do Painel Científico para a Amazônia (SPA) apresentado nas reuniões do G20, no Rio de Janeiro.

Os pesquisadores ressaltam que o pagamento por serviços ecossistêmicos, através de créditos de carbono e de biodiversidade, pode complementar as fontes de renda e ajudar a cobrir os custos da restauração.

“Uma cadeia de suprimentos para restauração gerará oportunidades de renda e diversos cobenefícios sociais. A expansão de viveiros para espécies nativas pode gerar entre 34 e 146 milhões de dólares em renda para coletores de sementes”, aponta trecho do estudo. Ele é assinado por Catarina Jakovac, pesquisadora do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina, e Nathália Nascimento, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), entre outros autores.

De acordo com o estudo, atualmente, a região amazônica possui um número limitado de grupos de coletores de sementes e viveiros de mudas. Entre eles, está a Rede de Sementes do Xingu, articulada entre o Instituto Socioambiental e os povos indígenas do Rio Xingu, no Mato Grosso.

Existente há 17 anos, os grupos que integram a iniciativa já comercializaram 330 toneladas da muvuca de sementes, cujo plantio resultou na restauração de quase 8,8 mil hectares de cerrados e florestas, gerando renda de R$ 7 milhões aos coletores.

A restauração e o mercado de carbono

O modelo de negócio chamou a atenção da Natura que, através do projeto Carbono Socioambiental das Nascentes do Xingu, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), trabalha com a Rede de Sementes do Xingu desde 2007. A iniciativa atende Áreas de Preservação Permanente e territórios de Reserva Legal degradadas na região de Santa Cruz do Xingu (MT).

Dados exclusivos obtidos pelo AgFeed mostram que, em 15 anos, a ação entre a Natura e o ISA contribuiu para a restauração de 296,7 hectares, compensando 43.394,8 toneladas de CO2. Até 2041, a expectativa é de que pelo menos 61.533 toneladas desses gases sejam sequestradas.

“Esse projeto se iniciou em 2009 e agora, 15 anos depois é que vemos o resultado na prática, com a floresta se regenerando, o estoque de carbono sendo gerado e comercializado através de créditos de carbono”, diz João Teixeira, gerente de sustentabilidade da Natura.

Ele reforça que a companhia considera o trabalho ancestral da muvuca de sementes uma das estratégias mais eficientes e de baixo custo para o restauro e recuperação áreas degradadas no Brasil.

“Esta abordagem não apenas promove a restauração florestal de forma eficaz, mas também cria oportunidades econômicas para indígenas e ribeirinhos, preservando simultaneamente conhecimentos tradicionais vitais e a preservação da biodiversidade ao reintroduzir espécies endêmicas dos biomas em que estão inseridas”, afirma.