A conversa com Andy Jarvis, PhD em Geografia pelo Kings College, de Londres, é recheada de perguntas, que ele mesmo faz.
Como lidar com a crise da natureza? Com a perda de biodiversidade? Como proteger a natureza de forma mais eficaz? Como fazer com que o sistema alimentar fique muito mais alinhado com o clima e a natureza, a situação com o clima e a natureza? Como reduzir as emissões provenientes do sistema alimentar?
As interrogações vão se sucedendo em sua fala e se acumulando em sua missão. Ele está em campo, em busca de respostas. E tem um generoso orçamento para isso.
Jarvis é o homem selecionado por Jeff Bezos, dono de uma das maiores fortunas do mundo, para liderar a uma missão que tem como objetivo transformar processos na produção de alimentos, a partir de sua relação com o clima e a natureza.
“Essas são as duas coisas em que nos concentramos”, diz ele, que estuda o tema há cerca de 20 anos e hoje carrega o título de diretor de Futuro dos Alimentos no Bezos Earth Fund, a entidade filantrópica com fundos de US$ 10 bilhões criada pelo fundador da Amazon.
“Temos de enfrentar a crise climática, reduzir as emissões, colocar mundo em direção a mais sustentabilidade. Esse é o grande compromisso do fundo. Temos US$ 1 bilhão comprometido com a área de alimentos até 2030. E é disso que eu preciso”, afirma ao AgFeed.
Não por acaso, Jarvis hoje está sediado em Medellin, na Colômbia, e faz visitas frequentes ao Brasil. Um de seus principais focos é encontrar soluções para reduzir os impactos da pecuária, seja na redução das emissões de gases de efeito estufa, seja ao diminuir a pressão da atividade sobre as florestas da região amazônica.
“Todos pensam imediatamente na energia e nos transportes como os motores das alterações climáticas. Mas os alimentos que comemos todos os dias representam um terço das emissões globais. E vemos uma enorme oportunidade de reduzir isso. Você sabe, precisamos alimentar 10 bilhões de pessoas, mas fazê-lo de uma forma que não esteja gerando tantas emissões”, explica.
Jarvis apoia suas buscas em dados, que surgem em proporção semelhante às perguntas. “O primeiro passo é reconhecer que a produção de proteínas ou alimentos de origem animal, essencialmente gado, é a maior fonte de emissões no sistema alimentar. E é a maior forma de uso da terra do planeta, com 40% das áreas livres de gelo. São mais de 15% das emissões globais provenientes da pecuária”.
O trabalho de Jarvis tem duas vertentes. Uma, como não poderia deixar de ser em um fundo bancado por Bezos, é um olhar específico para tecnologias que possam ajudar a, nas palavras de Jarvis, tornar a pecuária mais sustentável.
“E isso é olhar para o lado das emissões”, diz, emendando com outra questão: “Como reduzir o metano que vem do gado?”
A segunda é financiando projetos que promovam ganhos de produtividade através da adoção de práticas mais eficientes de manejo e rastreabilidade do gado. E é aí que o Brasil – e, mais especificamente o estado do Pará – ganha relevância na estratégia do Bezos Fund.
A vitrine da Amazônia
“Não estamos interessados em trabalhar no Colorado (EUA) ou na Holanda. Queremos estar nos ambientes ásperos, nos ambientes rurais da América Latina”, diz.
Quando o foco se fecha no Pará, os dados justificam, mas aqui combinados com um componente político. “O estado tem 25 milhões de cabeças de gado”, estima.
Ali estão, acredita, as maiores áreas de pressão para conversão de florestas em pastagens. Em contrapartida, também as maiores oportunidades de montar uma vitrine para as diferentes soluções em que o fundo está investindo.
Belém, a capital do Estado, será a sede da COP 30, conferência do clima da ONU, que acontecerá em 2025. E o governador Helder Barbalho espera que, até lá, apresentar o estado como livre de desmatamento ilegal.
“Amamos o compromisso do governador”, diz Jarvis. “É uma meta extremamente ambiciosa, mas muito nobre, que acho que o mundo precisa apoiar”.
O diretor do Bezos Fund acredita que, se conseguir entregar essa meta, o Pará estaria enviando “uma mensagem incrível de esperança para o mundo”.
O fundo tem também suas metas de olho na COP 30. Jarvis espera, até lá, poder obter resultados comprovando a eficiência dos investimentos em projetos pilotos realizados junto a pecuaristas da região, fomentando técnicas como o manejo rotacionado de pastagens e introduzindo as tecnologias de rastreamento.
O tempo corre e pressiona Jarvis. No fim do ano passado, durante a COP 28, em Dubai, o Bezos Fund anunciou um aporte de US$ 57 milhões para apoiar as ações voltadas para a transformação dos sistemas alimentares.
Desse total, US$ 16,3 milhões irão para os projetos na Amazônia, onde a entidade pretende, segundo o comunicado distribuído na ocasião, desenvolver “o maior sistema de rastreabilidade animal do mundo”.
Os projetos, já iniciados, englobam parcerias com o governo estadual e organizações como a The Nature Conservancy (TNC), a Imaflora, Earth Innovation Institute e a Aliança da Terra, além de empresas especializadas em transformação de cadeias de produção agropecuárias, como a Produzindo Certo.
O comunicado indica também a meta de reduzir as emissões de metano em 30% em até 15 anos. “Não vamos ter 25 milhões de cabeças rastreadas e tudo funcionando até a COP 30, mas devemos ter essencialmente um plano muito detalhado e pilotos rodando em vários municípios do Pará”, diz Jarvis.
Em médio prazo, ele acredita ser capaz de criar um sistema robusto que beneficie consumidores, de um lado, e produtores, na outra ponta da cadeia produtiva. No supermercado, diz, as pessoas teriam o nível de informação suficiente para decidir por uma compra consciente.
Já para os pecuaristas, o primeiro resultado seria a garantia de que não estariam alijados de mercados importantes e cada vez mais demandantes. Mas ele acredita que, com os modelos avançando, é capaz de atrair empresas de diferentes elos da cadeia da proteína animal e convencê-los a financiar os produtores nessa transformação produtiva.
“Os pecuaristas não devem ver isso como uma espécie de penalidade, de mais regulamentação, mas como uma oportunidade de abrir novos mercados” afirma.
“Estamos olhando para o lado de incentivo também e vemos dois lados nisso. Um deles é o mercado de carbono. Podemos acessar mercados de carbono para que pecuaristas possam obter renda adicional por causa dos benefícios de carbono que trazem com práticas aprimoradas”.
O outro lado é justamente fomentando mercados. “Queremos que todos os grandes compradores do mundo digam que comprarão do Pará se o gado for rastreado” afirma.
“O estado do Pará poderá, potencialmente, acessar o mercado europeu. E também receber alguns dos grandes compradores do setor privado, como McDonald's e Cargill e assim por diante”.
Jarvis também olha para o fluxo de capital financeiro. Segundo ele, há também um trabalho sendo feito junto a instituições financeiras com o objetivo de “promover incentivos positivos para que o financiamento e o capital fluam para fazendas, agricultores e organizações, associações que estão comprando a carne e, de outro lado, fechando o capital que está indo para aqueles que estão desmatando”.
"Uma gota no oceano"
O executivo do Bezos Fund admite que os recursos destinados até agora para o projeto são uma quantia muito pequena diante do desafio a que se propõe. Ele mesmo faz as contas.
“Estimamos que custará cerca de três a quatro dólares por animal para ter uma espécie de sistema de rastreabilidade ao longo da vida dele. Isso inclui a marcação, o banco de dados, as informações, todo esse tipo de coisa”, diz.
Assim, seriam necessários entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões para, nas suas palavras, “colocar isso em pratica em todo o Pará”.
Segundo Jarvis, com o aporte já realizado a ideia é dar um sinal da importância dos projetos, além de cobrir alguns dos custos iniciais de implementação e os estudos que vão permitir o avanço no desenvolvimento de sistemas, de banco de dados e de processos até mesmo de verificação do trânsito de animais.
“Não seremos o único financiador disso, haverá outros financiadores. E isso não é apenas filantropia, mas também coinvestimento do governo, coinvestimento do setor privado. Somos uma gota significativa nesse oceano”.
Além das ações em campo no Pará, os recursos do fundo são destinados a projetos em outras regiões e no desenvolvimento de tecnologias que, em algum momento, podem responder a algumas das perguntas de Jarvis e ser utilizadas pelos pecuaristas brasileiros.
O financiamento de pesquisas relacionadas ao desafio de reduzir a emissão de metano entérico pelos rebanhos é uma frente importante. Bovinos são, segundo definição de Jarvis, “máquinas de produzir de metano”.
Além de contribuir para o efeito estufa na atmosfera, com importantes efeitos climáticos, essa produção de metano consome, de acordo com ele, 10% da energia do animal, que poderia ser aproveitada de maneira mais eficiente.
“Temos uma série de projetos que estão olhando para isso de globalmente”, diz. Elas vão de estudos em melhoria genética dos rebanhos para o desenvolvimento de para ração e forragens que contribuem para uma melhor digestão dos animais.
Jarvis cita, por exemplo, estudos para introduzir compostos em gramíneas ou em leguminosas que podemos promover benefícios nesse sentido.
“Estamos colocando alguns deles em sistemas de nutrição que, quando ingeridos, suprimem os metanogênios que estão no rúmen e reduzem as emissões de metano”, diz.
Jarvis avanças nas perguntas e respostas. “E então, como medir isso de forma mais eficaz? Se você não pode medi-lo, você não pode gerenciá-lo. Estamos olhando para sistemas mais simples e baratos nesse sentido. Estamos apenas arranhando a superfície. Há uma série de outras coisas que estamos analisando e que anunciaremos em breve”.
Soluções que parecem simples, como manejo rotacionado de pastagens, também são custosas em sua implantação pelos produtores e, por isso, merecem atenção do fundo. Uma prosaica e necessária instalação de cercas, por exemplo, exige
comprar arame e mão de obra.
Junto com a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Bezos Fund financia estudos em uma tecnologia de cerca virtual, que utiliza uma coleira ou uma marca auricular introduzida no animal.
“Será basicamente com aparelho com GPS, que usando som ou um estímulo vai dizer aos bois onde podem pastar. Queremos que isso funcione na América Latina mais profunda e sombria”, diz.