Um grupo de empresas está disposto a disponibilizar, até 2030, US$ 10 bilhões em recursos para financiar projetos de agricultura sustentável na América do Sul. O projeto faz parte da iniciativa IFACC - Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco, lançada em 2021, na COP26, pela The Nature Conservancy, Tropical Forest Alliance e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

O objetivo é promover investimentos e a oferta de linhas de crédito e financiamento para o uso sustentável da terra, especialmente nas cadeias de abastecimento de soja e gado.

Quando foi criado, há pouco mais de dois anos, o IFACC tinha oito empresas apoiadoras. Hoje, conta com 16 signatários, entre companhias do Brasil e do exterior como  Itaú, AgroGalaxy, Rabobank, Grupo Gaia, Santander, Mauá Capital e Syngenta, entre outras.

O grupo, em conjunto, se comprometeu a disponibilizar US$4,6 bilhões, dos quais US$ 240 milhões foram disponibilizados para financiar projetos de agricultura sustentável no Brasil – 95% dos recursos foram para o Cerrado.

“Esses recursos foram alocados pelo mercado em onze produtos financeiros diferentes, como títulos de emissão de dívida, CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios)”, explicou Marcela Paranhos, diretora de Finanças Agrícolas da The Nature Conservancy Brasil, ao AgFeed.

Os desembolsos, diz Marcela, estão nos estágios iniciais de evolução e precisam acelerar nos próximos anos.

Dos onze produtos, seis são voltados para o Cerrado, quatro para a Amazônia e um abrange ambos os biomas. Nenhum dos produtos lançados até o momento tem como alvo o bioma Chaco na Argentina e no Paraguai – que ainda dependem de uma evolução gradual dos mercados financeiros sustentáveis nesses países, onde a estruturação de fundos com foco ESG caminha em estágios muito menos acelerados do que no Brasil.

Em termos de tipos de produtos, cinco oferecem empréstimos de longo prazo aos produtores para uma variedade de práticas sustentáveis, incluindo a expansão da soja e da agricultura sobre pastagens degradadas –o governo federal estima em 40 milhões de hectares o total de áreas com condições de serem revertidas para atividades do agronegócio.

Há ainda produtos com foco em melhoria da produtividade na pecuária e restauração florestal e três deles, por exemplo, são empréstimos para promover sistemas agroflorestais e a produção de Produtos Florestais Não Madeireiros, os PFNMs, como pinhão, látex e flores, relacionados à bioeconomia na Amazônia.

Um dos instrumentos oferece financiamento anual de colheitas de baixo custo para agricultores que concordam em proteger sua cobertura florestal além do limite previsto na legislação.

“O IFACC trabalha, principalmente, com a agenda de inovação financeira para gerar incentivos e complementar a oferta de crédito ao produtor, independentemente do tamanho e da robustez da operação”, diz Marcela.

“Para que possamos transformar o uso da terra é preciso que todos os que de alguma forma participam da cadeia do agronegócio sentem na mesma mesa e se envolvam no processo, de bancos a fornecedores de insumos”.

A estruturação dos produtos financeiros que compõem a carteira atual que é oferecida dentro da iniciativa possui uma parcela de funding internacional, especialmente de governos de países como Alemanha, Dinamarca ou Noruega, além de fundos soberanos, multimercados ou exclusivos com perfil ESG.

O próximo passo é tentar engajar também fundos de pensão – que apenas no Brasil administram cerca de R$ 1 trilhão. Isso, segundo Marcela, é essencial para promover uma redução nos custos de capital – e consequentemente nas taxas de juros que são cobradas nas operações.

“Ninguém quer um empréstimo que cobre taxa de juros na casa dos 11%, como é a Selic [hoje em 11,25% ao ano]. O que se espera é algo entre 7% e 8%, que só é possível quando a captação do recurso é feita no exterior”, diz Marcela.

Além disso, os fundos que investem dentro do IFACC são aqueles que toleram maiores índices de risco versus retorno, considerando o contexto de incertezas do agronegócio, muito exposto aos impactos de mudanças no clima ou incidência de pragas ou quebra de safras.

Contrapartidas

O acesso às linhas de crédito dos signatários do IFACC tem algumas contrapartidas. Entre elas está comprovar que área destinada à produção – seja para pecuária ou para plantio de grãos – não está em área de desmatamento, com data de corte em janeiro de 2020.

É uma exigência similar à da lei do desmatamento da União Europeia, que tem dezembro de 2020 como data limite para a compra de produtos agrícolas por empresas sediadas na União Europeia.

“A data passada é essencial para que o projeto seja efetivo e evite uma corrida para desmatar em troca de obtenção de funding”, diz Marcela. Segundo ela, o projeto tem o mérito de analisar os gaps e gargalos de desembolsos para o setor e, com isso, ajudar no desenvolvimento de novos produtos financeiros.

Marcela destaca ainda a capacidade de replicabilidade e de escala a partir da inovação desses produtos, que podem contar com diversas fontes de financiamento e captação.

Um exemplo é o Reverte, criado por Syngenta, Itaú e TNC. Com foco em longo prazo para restaurar florestas e recuperar terras degradadas para produção de carne bovina e soja, o fundo dá apoio financeiro para proteger a cobertura florestal além dos requisitos legais.

Há ainda fundos com foco em oferecer empréstimos para a agrossilvicultura e produção sustentável de produtos florestais não madeireiros, como Natura Living Amazon, estruturado por Natura e Vert.

O envolvimento de grandes empresas no IFACC coloca, mesmo que indiretamente, maior pressão nas autoridades brasileiras para reduzir até zerar os índices de desmatamento na floresta, seja na Amazônia ou no Cerrado, bioma que ainda sofre grande impacto de desmatamento e que, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial divulgado recentemente poderia gerar até US$ 72 bilhões em retorno ao PIB brasileiro anualmente, se for explorado de forma sustentável.

“A IFACC está trabalhando para apoiar empresas, bancos e investidores a acelerar empréstimos e investimentos em modelos que possam aumentar a produção de carne bovina, soja e outras commodities sem mais desmatamento e conversão de vegetação natural”, destaca o relatório, divulgado nesta terça-feira, 12 de março.

É estratégia para atrair investimentos que podem aumentar a produção e os rendimentos dos agricultores sem mais perda de habitat, além de atender a demanda global crescente por maior oferta de alimentos.

Segundo a Organização das Nações Unidas, até 20250 a demanda global por comida deve aumentar 50% - e as áreas para que se plante esses alimentos estão escasseando no mundo. Fazer isso, sem impactar ainda mais o clima, é o grande desafio do século XXI.