O plano da Cargill de restaurar 100 mil hectares de mata nativa até 2027 deve ganhar ritmo a partir de agora, tendo atingido "quase 20% da meta proposta neste primeiro ano”.

Foi o que disse a diretora de Sustentabilidade do Negócio Agrícola da empresa, Letícia Kawanami, em conversa com o AgFeed, horas depois de participar de um painel sobre o papel das grandes corporações na sustentabilidade, durante o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio. Ao lado da executiva, estavam lideranças de empresas como Nestlé, JBS, Aurora e John Deere.

Kawanami ressaltou que o começo do projeto priorizou o ajuste das metodologias e envolveu diferentes parceiros e stakeholders, inclusive da área acadêmica, que validaram o projeto. Com isso, já foi possível restaurar a vegetação nativa, desde que houve o anúncio em 2022, numa área de 16 mil hectares.

A Cargill fornece as sementes e mudas e o processo é todo auditado, monitorado, para que as áreas realmente sejam restauradas de forma consolidada.

"Agora vai ter uma curva bem íngreme porque no começo tem muito aprendizado, mas estamos chegando em áreas produtivas grandes, dentro da nossa cadeia, seja da soja ou do cacau", afirmou.

A executiva diz que reflorestar em fazendas de soja “tem um duplo benefício”. De um lado os produtores sabem que ganham ao melhorar a biodiversidade, a disponibilidade de água e a proteção ambiental.

E de outro, a Cargill ganha mais um aliado para garantir o monitoramento sobre o correto andamento do projeto, já que os produtores acompanham o plantio e desenvolvimento das áreas, além de ajudar na proteção contra incêndios.

"Quando o reflorestamento não ocorre dentro de uma fazenda, grandes investimentos podem ser jogados fora, basta vir um fogo do vizinho, por exemplo, é difícil evitar que se espalhe”, alerta.

A restauração de vegetação nativa também ocorre dentro da reserva legal, já que em algumas fazendas este pedaço da propriedade muitas vezes também tem elevado nível de degradação.

A diretora da Cargill disse que o próximo passo é trazer parcerias para financiar o projeto, admitindo que se trata de uma ação de investimento elevado.

A empresa não revela quanto exatamente já investiu ou vai aplicar no projeto, mas segundo Letícia, estima-se que para recuperar 1 hectare de vegetação sejam necessários US$ 2,5 mil. "Mas ainda não definimos quanto virá de parcerias".

A partir deste valor, considerando a meta da Cargill de restaurar 100 mil hectares, o investimento total necessário seria de US$ 250 milhões.

Este ano a John Deere – que estava no mesmo painel do CNMA - fechou uma parceria com a Cargill nos Estados Unidos na área de agricultura digital. Kawanami não descarta que a empresa de máquinas agrícolas venha a ser parceira em algo também no Brasil, mas não revela em qual projeto seria.

"Pensamos em usar chamado 'insetting’ que considera a captura de emissões em toda a cadeia. Se as empresas parceiras estiverem contribuindo para o nosso projeto, contabiliza o ‘inset’ e ajuda a financiar o programa que é bastante caro", explicou.

Como o programa também envolve ONGs e comunidades locais na produção das mudas e no plantio, recursos também são aplicados neste aspecto.

O projeto de restauração de mata nativa é uma das iniciativas da Cargill em função das metas globais estabelecidas pela empresa. O compromisso é reduzir em 30% as emissões por tonelada de produto, até 2030. A meta está ligada ao SBTi, Science Based Target Initiative.

Desmatamento zero

Uma outra frente importante da política de sustentabilidade da Cargill, prevê zerar o desmatamento até 2030, incluindo o chamado desmatamento legal, que consiste na abertura de novas áreas dentro dos limites permitidos pelo Código Florestal Brasileiro

"Nós já eliminamos o desmatamento ilegal da cadeia. Temos um sistema de compliance com os produtores, baseado em listas do governo e da Abiove, como por exemplo, a moratória da soja", lembra executiva.

Na cadeia da soja o compromisso é zerar o desmatamento, mesmo o legal, até 2025, nos biomas prioritários, que são Amazônia, Cerrado e Chaco.

"Mas pelos nossos estudos não vai mudar muito o que a gente já faz. Temos muito pouca soja comprada de área desmatada legalmente e há outros projetos pra apoiar o atingimento dessa meta, que ela seja sentida menos drasticamente, um deles é incentivar o uso de áreas degradadas", afirma.

A ideia é seguir dando suporte técnico e financeiro para conversão de áreas degradadas em terras produtivas, "algo que precisa ser acelerado, afinal 2025 já está aí”, lembra a executiva.

"Com isso você tira o desmatamento, afinal, no começo não é a melhor colheita, e as áreas estão degradadas em diferentes níveis, muitas já produzem de forma rápida, naturalmente ajudando o produtor”, explica.

Letícia Kawanami afirma que os maiores desafios e também oportunidades na sua área estão no chamado escopo 3, que é aa redução das emissões na produção agrícola.

Além da questão do desmatamento, a prioridade é desenvolver a agricultura regenerativa e “empacotar” as soluções disponíveis de uma forma que fique interessante para o produtor adotar estas práticas, diz ela.

"Podemos fazer isso com linhas de financiamento ou comprovando que determinada prática vai reduzir custos, um bom o exemplo é o caminho para usar menos fertilizante, ou a substituição de parte dos químicos pelo biológico, que pode ser mais barato”, acrescenta.

No Congresso das Mulheres, o objetivo foi disseminar estes programas, que foram apresentados em uma das arenas técnicas, separadamente do painel geral, em que Letícia participou. “Esta troca de experiências com elas é muito importante".

Perguntada sobre o impacto da nova legislação europeia, que deve entrar em vigor em 2024, também restringindo a compra de produtos vindos de área de desmatamento, a diretora diz que o impacto é "relativamente pequeno”. Isso porque, na avaliação dela, os projetos já existentes permitem mapear os fornecedores que não desmataram após 2020.

"O desafio ficará mais com a logística, porque será necessário fazer a segregação e ainda não está muito claro como será esta entrega física e quais documentos vão exigir, quem vai monitorar", ressaltou.

Recompensa ao produtor

Nos fóruns em que se apresentam metas de redução de emissões da indústria de alimentos e a consequente necessidade do avanço da agricultura regenerativa, muitos produtores ainda desconfiam do processo e temem custos elevados para que se comprove ou certifique as novas práticas.

Letícia Kawanami se mostrou otimista com esta busca de uma compensação financeira ao produtor e citou como exemplo o programa chamado “3S”, da Cargill, que segundo ela, já está pagamento prêmio aos agricultores que adotam práticas sustentáveis na soja.

"É um programa de melhoramento contínuo. O básico é estar com a fazenda regularizada, cumprir todas as normas ambientais e aí vai subindo a régua", explica.

A executiva conta que o prêmio só é possível porque os clientes da Cargill no exterior também já enxergam este valor da produção sustentável, portanto, é o modelo de negócio "que faz mais sentido”.

A compra de soja com o prêmio – o valor não é revelado pela empresa – já contemplou 700 mil toneladas no ano.

"Já duplicamos este volume de um ano para outro e achamos possível duplicar novamente, se comparar com o volume total é bem pequeno, mas o número de produtores engajados começa a ser interessante", diz.

Ela contou que a intenção é agregar mais práticas de agricultura renegerativa ao programa, "o que poderá aumentar o prêmio”.