O empresário e médico veterinário Luis Fernando Laranja da Fonseca é conhecido pela audácia e o pioneirismo em suas empreitadas.
Há mais de 20 anos, largou um bom emprego como professor universitário e pesquisador da faculdade de veterinária da Universidade de São Paulo (USP) para se embrenhar na Amazônia, empreendendo na cultura da castanha.
Há 15 anos, foi um dos fundadores da gestora que fez o primeiro fundo de investimento de impacto da Amazônia, a Kaeté Investimentos. E, mais recentemente, quatro anos atrás, criou o primeiro leite carbono neutro do Brasil, o NoCarbon Milk.
Agora, Laranja está trabalhando em mais uma iniciativa ousada: criar uma metodologia própria para a geração de créditos de carbono na pecuária, validada pela Verra, a maior certificadora de projetos do tipo no mundo.
Em paralelo, o empresário também está reestruturando sua holding, o Grupo Caaporã, com quatro empresas debaixo de seu guarda-chuva: Ecopec (produção de gado de corte de baixo carbono na Amazônia), Aurora Agrosilvopastoril (pecuária de corte e de leite de baixo carbono na Caatinga), Guaraci Agropastoril (detentora da marca NoCarbon Milk) e Carbonpec (startup que estrutura projetos de carbono).
Ao mesmo tempo, Laranja busca R$ 80 milhões para irrigar um FIDC com o objetivo de expandir e consolidar, ao longo dos próximos anos, as atuações de sua holding, que tem 15 mil hectares no País operando no sistema lavoura-pecuária-floresta (ILPF), em que o gado convive com árvores em florestas plantadas e atividades agrícolas.
Econômico nos detalhes sobre quem vai operar o FIDC e quais as taxas de rendimento prometidas, Laranja diz que o fundo está em fase de estruturação e que vai buscar recursos ao longo do primeiro semestre de 2025.
O modelo a ser adotado é o de blended finance. Essa é uma estrutura financeira que mistura recursos públicos, privados, de fomento e filantropia e que vem sendo utilizado nos últimos anos para levantar projetos de sustentabilidade ao redor do mundo.
A ideia é mesclar recursos do Fundo Vale – que aportou, nos últimos quatro anos, cerca de R$ 45 milhões na Caaporã – com dinheiro de outros investidores brasileiros e também estrangeiros.
A Caaporã veio arrendando fazendas de pecuária de corte e leite nos últimos quatro anos, sempre com a ideia de recuperá-las.
Hoje, são cinco propriedades localizadas em diferentes partes do Brasil, sendo duas no Tocantins, uma em São Paulo, uma no Mato Grosso e outra na Bahia.
Em breve, mais uma fazenda vai se somar às demais: Laranja está arrendando outra propriedade no Tocantins, de 3,5 mil hectares.
“Nós buscamos sempre fazendas com pastagens degradadas para fazermos a recuperação das pastagens e a implantação do sistema silvopastoril, ou seja, plantio da parte florestal”, afirma Laranja.
Os bois passam a trafegar entre árvores e passam a ter uma dieta baseada em espécies arbóreas, leguminosas, gramíneas, raízes e tubérculos, ao contrário de soja e milho apenas, como em uma fazenda convencional.
Laranja diz que o custo para fazer essa transformação é de R$ 7 mil a R$ 10 mil por hectare.
Os recursos do FIDC servirão justamente para o capital de giro do grupo e novos investimentos.
Como a Caaporã veio arrendando paulatinamente as fazendas e recuperando as propriedades nos últimos três anos, hoje há necessidade de mais recursos para manter de pé toda a operação.
“Na medida que a gente vai estruturando as fazendas, vai reformando as passagens, vai implantando o sistema silvipastoril, as áreas vão ficando aptas para receber animais e a gente vai precisando de cada vez mais capital de giro para poder comprar matrizes e bezerros”, afirma Laranja.
“Fora isso, temos um plano de implantação de 4,3 mil hectares em 2025 e 2026, que vai demandar também capital para investimento”, emenda o empresário.
Laranja planeja somar produtividade e carbono gerado por essa transformação na conta. No lado da produtividade, a taxa de lotação das propriedades sobe na medida que as pastagens vão sendo recuperadas.
“Quando assumimos as fazendas, que operam no modelo tradicional, com pastagens degradadas, a taxa de lotação é próxima de uma cabeça por hectare. Quando renovamos as pastagens e intensificamos o manejo, a gente leva a taxa de lotação para pelo menos 3 cabeças por hectare”, afirma.
Para incluir a mensuração da pegada de carbono que pode ser evitada – ou estocada na terra – a partir da mudança de sistema produtivo, há um ano o empresário montou a CarbonPec, uma startup que trabalha com a estruturação de projetos de carbono para a pecuária.
A ideia é que essa empresa trabalhe em parceria com os pecuaristas, faça toda a estimativa preliminar do potencial de geração de crédito de carbono da propriedade ao longo de 20 anos, o levantamento dos estoques de carbono no solo, projeto técnico para a transformação e participe da implantação da mudança de sistema produtivo.
No fim de todo o processo, a intenção é que possa ser feito uma mensuração de quantos créditos de carbono foram gerados a partir das mudanças e uma venda desses créditos por parte da CarbonPec, dividindo a receita com o pecuarista.
“No final das contas, o modelo da CarbonPec é fomentar a intensificação da pecuária, mostrando para os proprietários que, ao fazer isso, que por si só já tem uma lógica financeira e ecológica, o cara vai ter uma fonte recente adicional, o carbono”, afirma.
Por enquanto, a CarbonPec está trabalhando em projetos-piloto dentro das fazendas da Caaporã no norte do Tocantins, mas a ideia é que a atuação da startup não fique restrita às fazendas arrendadas pelo grupo.
“A CarbonPec é uma asset light. Ela tem equipe com know-how, não tem fazenda. É uma prestadora de serviços que vai trabalhar não só para a Caaporã, mas também para outras empresas”, afirma Laranja.
Por enquanto, nenhum crédito de carbono foi vendido pela CarbonPec porque a metodologia de aferição da pegada de carbono, desenvolvida em parceria da Caaporã com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), ainda precisa ser aprovada pela certificadora Verra, algo que Laranja espera que aconteça em 2025.
“Uma vez que essa metodologia esteja aprovada, nós acreditamos que vai ter um desenvolvimento muito acelerado de projetos de carbono da pecuária”, afirma Laranja.
A meta do empresário é que a Caaporã chegue a 2030 com 50 mil hectares de pecuária de corte trabalhando dentro do sistema ILPF, volume de terra que Laranja considera até pequeno diante do desafio que as mudanças climáticas estão impondo à sociedade.
“Sem a reestruturação do modelo produtivo da pecuária, não tem absolutamente nenhuma possibilidade de nós falarmos em enfrentamento às mudanças climáticas. Ou a gente reforma a pecuária, ou nós estamos lascados”, diz.
Ele critica, porém, a falta de celeridade na alocação de recursos financeiros para a transformação dos sistemas produtivos.
“Sempre fui muito pessimista com relação a investimentos de impacto socioambiental e de baixo carbono. Nós estamos correndo muito aquém da velocidade necessária”, diz.
“Acho que nós estamos indo para o buraco e, em parte, é porque a sociedade como um todo, e os investidores de forma específica, não estão dando a velocidade, a prioridade que eu acho que é necessária”, defende Laranja.
“Quais mudanças significativas de uso da terra nós tivemos em função dessa agenda de clima, pautada por investidores relevantes? Nenhuma.
Nós continuamos produzindo as coisas do jeito que sempre produzimos, no business as usual”, critica.
O leite que talhou
Um dos negócios de Laranja não foi para a frente justamente pela aversão dos investidores por se embrenharem em investimentos sustentáveis.
Em 2021, o empresário lançou a primeira marca de leite carbono neutro do País, a NoCarbon, com outros três sócios, entre eles, Valmir Ortega, dono da Belterra Agroflorestas, startup que faz a implantação de sistemas agroflorestais.
Laranja firmou uma parceria com a Fazenda da Toca, propriedade da família Diniz desde a década de 1970, localizada em Itirapina, cidade a 200 quilômetros de São Paulo, para produzir seu leite com baixo impacto ambiental.
Em uma área de 132 hectares dentro da fazenda dos Diniz, 440 vacas foram inseridas no sistema agrossilvipastoril, com a integração de lavoura, pecuária e floresta.
A produção chegou a atingir 4 mil litros de leite por dia e o produto, que se posicionava na categoria premium, custando cerca de 20% a mais que o leite pasteurizado, podia ser encontrado em gôndolas de supermercados do eixo Rio-São Paulo como Oba Hortifruti, St Marche e Zona Sul.
Para atender a demanda pelo produto, a ideia era expandir a produção de leite para além da Fazenda da Toca, com uma segunda unidade na Bahia, em uma fazenda de 3 mil hectares arrendada por Laranja, ampliar o portfólio.
Para isso, a NoCarbon abriu uma rodada de investimento em meados de 2022 para captar entre R$ 25 milhões a R$ 30 milhões no mercado.
Laranja e seus sócios não contavam, no entanto, com uma coincidência negativa: a escalada da taxa Selic, que saiu de 2% no começo de 2021 para 13,75% no ano seguinte. Diante dessa conjuntura, a rodada subiu no telhado.
“Quando nós começamos a rodar a captação, o mercado de venture capital estava derretendo. Ficamos com a rodada seis meses aberta, falamos com mais de 40 investidores, a receptividade era muito boa, mas todo mundo estava com o freio de mão puxado”, diz Laranja.
Em paralelo, nas gôndolas, Laranja começou a sentir problemas, mesmo com uma quantidade de pontos de venda grande para um negócio pequeno.
“Chegamos a comercializar o produto em 650 pontos de venda em nove estados brasileiros. Só que, apesar de a demanda ser muito ampla em termos de quantidade de pontos de venda, o volume vendido em cada um desses pontos era muito pequeno”, afirma.
Após terem investido cerca de R$ 12 milhões em recursos próprios no projeto, sem conseguirem atrair investidores e sentindo as dificuldades do mercado, Laranja e os sócios decidiram interromper a produção do NoCarbon há seis meses.
A marca continua registrada, mas o empresário não tem planos de recomeçar a produção no ano que vem.
"O plano nosso era fazer esse projeto piloto em São Paulo, e depois expandir ele mediante a obtenção de investimento na fazenda que nós temos na Bahia. Como não conseguimos o investimento, resolvemos desativá-la", afirma Laranja.