Renato Seraphim é um experiente profissional do agro. Engenheiro agrônomo, tem mais de 26 anos dedicados a empresas do setor de defensivos agrícolas, nas quais atuou em posições de liderança e até mesmo como CEO.

Hoje, é CMO da UPL no Brasil, é observador privilegiado das transformações do mercado de defensivos agrícolas. E, como tal, tem muito a contribuir para a formação dos profissionais que atuarão em um novo cenário de maior convivência dos produtos químicos e biológicos.

Professor associado da Cumbre, Seraphim é o convidado da coluna Educar e Semear. No artigo a seguir, ele aponta a necessidade de uma nova qualificação dos engenheiros agrônomos para esses novos tempos. Confira a seguir:

O Crescimento dos produtos biológicos como uma das principais ferramentas de combate a Pragas e Doenças e o novo perfil do agrônomo para esse mercado

O mercado de defensivos agrícolas no Brasil fechou 2022 em US$ 20 bilhões, contra US$ 15 bilhões em 2021. O principal motivo desse aumento foi o incremento de preços, principalmente dos herbicidas, sejam eles os seletivos como os não seletivos.

Esse mercado tende, no entanto, a voltar aos mesmos níveis de 2021, pela volta aos preços do período pré-covid e também por uma desvalorização do real, que reduz as receitas e exige do agricultor uma maior atenção e, principalmente, a um melhor travamento dos custos.

As cinco grandes empresas do mercado representaram quase 70% do mercado. Outro ponto que chamou a atenção foi, novamente, o forte crescimento do mercado de produtos biológicos. Algumas projeções já apontam que eles representarão 20% do mercado em 2027.

Segundo a Kynetec, os maior mercado para os “biológicos” foram a soja, que representou 59% das vendas, e a cana, com 27%.

Ainda, de acordo com o estudo, os produtos biológicos são divididos em importância e indicação da seguinte forma: Inseticidas com 41% de participação, nematicidas, com 35%, e fungicidas, com 24%.

Também se dividem em diversas categorias que vão desde os macroinsetos até os feromônios, como descrito na figura abaixo, produzido pela agtech Openeen.

Os principais motivos para a redução do uso de químicos e o crescimento do mercado de biológicos foram:

• Maior resistência a pragas e doenças, com queda acentuada no desempenho de produtos químicos e fornecimento limitado de novas moléculas;

• Destruição indiscriminada de insetos benéficos e consequente surto de pragas secundárias;

• Diminuição da atividade biológica do solo com consequentes impactos na produtividade das culturas;

• Consumidores em todo o mundo exigindo postura comercial mais sustentável e consciente por parte das empresas, levando-as a ofertarem produtos biológicos no seu portfolio;

• Apoio do Governo Federal para o setor de bioinsumos, com a desburocratização do setor.

Outra razão para esse forte crescimento foi a dificuldade de controle das pragas e doenças de difícil controle por métodos tradicionais, visto que antigos agroquímicos que controlavam essas pragas foram banidos do mercado.

Com isso, foi necessário criar novas alternativas. Dentre os exemplos dessas pragas e doenças de difícil controle estão nematoides, mofo branco, ferrugem da soja, moscas-brancas, percevejos e cigarrinhas.

Além disso, os biológicos estão muito mais alinhados com o futuro do setor agrícola, como o consumo consciente através de uma agroindústria mais lógica e mais tecnológica, e com a necessidade de uma nova agricultura.

Mas nem tudo é otimismo no setor, visto que existem alguns problemas a resolver como:

• Formulações mais modernas: é urgente a necessidade de melhorar a qualidade e investir em novas tecnologias, que já são utilizadas em outros setores como o de medicamentos. (Exemplo: antibióticos que não precisam de armazenamento e com tempo de prateleira superior);

• Prazo de validade e armazenamento: não é fácil para os distribuidores lidar com o curto período de validade e armazenar produtos em geladeiras e freezers;

• Confiabilidade: como a barreira de entrada neste setor não é difícil, muitas empresas entram sem boa qualidade gerando resultados insatisfatórios e desconfiança.

• Melhor explicação sobre o manejo consciente: biológicos e produtos para proteção de cultivos terão que ser usados em conjunto para melhorar o controle e nos trazer melhores resultados, além do fato de que os biológicos precisam ser usados consistentemente para maior controle.

Com todo esse cenário positivo e esses desafios para esse segmento, surge uma grande indagação: Como nós, engenheiros agrônomos, temos que nos posicionar perante essa mudança?

Precisamos ter melhor conhecimento técnico e estarmos mais presentes.

Um dos maiores problemas que o mercado enfrenta é a dificuldade de mostrar aos agricultores o quanto esses produtos ajudam no controle e no aumento de produtividade, visto que a sua ação é mais lenta e exigirá mais paciência dos agrônomos e agricultores.

Portanto conhecer os produtos, as culturas, os alvos, o tempo de controle, as associações necessárias, e estar mais presente serão fundamentais para nós, profissionais.

Precisamos ter uma postura mais paciente e tranquila, evitando aquela atitude de pegar ou largar e compreendendo melhor o timing da cultura e do agricultor.

Posicionarmos com maior confiabilidade e respeito.

Várias empresas estão entrando nesse mercado, o que vai fazer com que a competição aumente significativamente. Como a entrada nesse mercado é mais fácil que no mercado de proteção de cultivos, irão surgir várias empresas com baixa qualidade de produtos e de expertise técnica, resultando em falta de credibilidade e de baixa eficácia.

Cenário que já que vimos acontecer no uso de bioestimulantes e fertilizantes especiais, em que essa falta de credibilidade e excesso de competição acabou gerando um ambiente de desconfiança com o setor.

Transmitir ao agricultor uma imagem respeitável e confiável será essencial para se ter sucesso nesse novo ambiente.

Estarmos digitalmente mais conectados e atualizados.

O controle com produtos Biológicos necessita ser totalmente preventivo, constante e em associação com outras ferramentas de controle como os químicos, rotação de cultivos etc..

Para isso necessitamos saber com mais detalhes os históricos das áreas, de cultivos e de produtividade, que possam nos auxiliar, seja na recomendação ou no uso.

O uso de soluções digitais será inevitável, pois precisamos ser mais exatos e conhecer mais detalhes para a recomendação certa.

Se antes tomávamos muitas decisões baseados no instinto, com os produtos biológicos teremos que ser muito mais proativos e assertivos.

Erros no timing de controle ou uso curativo podem colocar todo o manejo a perder. Soluções que estimam curva de produtividade, crescimento vegetativo através de imagens de satélites, variação sazonal da área cultivada e da produção, estimativas da produção total por região e sub-região, e o uso de algoritmos e máquinas de aprendizagem para remover o impacto das nuvens e estender a curva até os dias de hoje ajudarão muito em nossas recomendações.

Precisaremos ser mais consultivos e menos transacionais

Recomendação consultiva é o processo em que o agrônomo atua como um consultor.

Renato Seraphim, CMO da UPL Brasil

Precisamos diagnosticar e entender o momento do agricultor para que, juntos, concluamos se a oferta faz sentido. Na recomendação consultiva o agrônomo escuta, investiga se o produto ou serviço que oferece é o ideal para resolver os problemas do agricultor.

Na recomendação transacional o agrônomo não se preocupa em investigar os problemas que o agricultor enfrenta. Os esforços são direcionamentos para fechar a venda.

Na recomendação consultiva, o agrônomo precisa se preparar, estudando o agricultor. Ele conversa, ouve, questiona e entende o histórico e o momento pelo qual o cliente está passando.

Para terminar, destaco aqui oito atitudes que todo agrônomo precisará exercer para se destacar nesse novo contexto:

1- Superar desafios e ter resiliência
Ter iniciativa e proatividade. Agrônomos que encontram dificuldades, mas não se deixam abater, buscam maneiras de se superar e fechar a recomendação.

2- Preparar-se melhor para reuniões
Uma habilidade básica, mas que nem todos dominam, é estudar o cliente e ir preparado para as reuniões e visitas. Precisaremos investir cada vez mais tempo no planejamento e organização.

3- Ter uma melhor interação com os clientes
Ter habilidades sociais e saber cultivar relacionamentos com clientes é fundamental.

4- Ter mais coerência
Uma pessoa que se contradiz o tempo todo gera desconfiança e, com facilidade, perde conexões. Manter uma conversa direta, mostrar comprometimento e profissionalismo são qualidades que conquistam e fidelizam clientes.

5- Ter habilidade de apresentar a empresa e compactuar com os valores dessa empresa
Se seu cliente não entender o que seu negócio pode trazer de valor para a empresa dele, dificilmente a relação será duradoura.

6- Criar empatia
A empatia é outra habilidade que todo agrônomo sabe que deve ter. Mas estabelecer uma conexão com o cliente e criar um clima leve e receptivo durante uma reunião de trabalho não é exatamente fácil. Precisaremos ter uma escuta ativa, foco durante as conversas, ausência de julgamentos e capacidade de compreender outros pontos de vista.

7- Construir um bom discurso de vendas
Um bom discurso de vendas pode ser a diferença entre um fechamento ou a perda de um cliente. Ter foco nos benefícios oferecidos pela solução e apresentar sempre a verdade ao cliente, com os prós e contras.

8- Habilidade de storytelling
Ter a habilidade de fazer o agricultor enxergar seu produto ou serviço como um “herói” que vai salvar o dia dele e levá-lo a um novo patamar de resultados, um verdadeiro “final feliz” para seus problemas, é o que se chama de storytelling.

Bons desafios e boas oportunidades estão por vir e cabe a cada um de nós, agrônomos, entender esse momento e nos preparar para ele.

Felipe Treitinger é engenheiro agrônomo , CEO e Fundador da Cumbre, empresa de treinamentos e capacitações para profissionais do agronegócio.