A produção de etanol mais próxima do Rio Grande do Sul está a cerca de 600 km de distância, no Noroeste do Paraná, e por isso o produto vendido aos gaúchos é um dos mais caros do Brasil, situação que finalmente poderá mudar, com o avanço das biorrefinarias de cereais.
Praticamente sem produção de cana-de-açúcar, o Rio Grande do Sul está aproveitando a vocação de solo e clima favorável para as culturas forrageiras de inverno, além de milho e arroz, para mexer no mix do "etanol importado”, podendo baratear o valor final ao consumidor.
Para se ter uma ideia, no levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) do final de junho, o preço do etanol no Rio Grande do Sul era disparado mais caro do Brasil, em R$ 6,29 por litro, enquanto a média nacional no período indicava R$ 3,74.
Em janeiro de 2024, deverá entrar em operação a maior usina gaúcha, a partir do processamento do trigo – a CB Bioenergia – considerando que a planta anunciada pela Be8 (antiga BSBios), em escala superior, ficará pronta no segundo semestre de 2024.
O empreendimento localizado em Santiago, na fronteira com a Argentina, é do agricultor Cássio Bonotto, que já injetou R$ 60 milhões no projeto e aportará mais R$ 40 milhões até a fase final.
A usina começará com um fôlego de aproximadamente 1,8 milhão de litros mensais, para os quais se absorverá 3,6 mil toneladas de trigo, de acordo com Tiago Gorski Lacerda, prefeito de Santiago.
A obra ainda se encontra na fase de levantamento das fundações civis, mas com a tecnologia modular das construções industriais e os equipamentos já adquiridos não haverá riscos de atrasos, garantiu ele ao AgFeed.
Parte da produção no início dos trabalhos da CB Bioenergia não irá só para as bombas dos postos de serviços – como ocorre com a maioria das plantas menores gaúchas.
O dimensionamento comercial a princípio estará mais focado em etanóis para especialidades, como cosmetologia, alimentos e bebidas.
Maior produção, mais combustível
“Mas não descartamos aumentar o escoamento para combustíveis em caso de o mercado responder positivamente”, diz Lacerda, que se diz “incentivador da família [Bonotto] desde os primeiros estudos do projeto ". A expectativa é gerar empregos e estimular produção de cereais na região.
Quando a indústria chegar a 220 mil litros dia, ou 6,6 milhões mensais (cerca 15 mil toneladas de trigo) que é a capacidade instalada, aí sim estará garantido muito mais etanol da CB nos veículos do estado, informa ele.
Tecnologicamente, a planta, desenvolvida pela gaúcha Ampla Perfomance Industrial, já atuante em projetos de biodiesel, está preparada para processar todos os cereais, como cevada, centeio, sorgo, arroz e milho.
O trigo, no entanto, leva vantagem pela escala, que só fica abaixo da produção de arroz e de milho, com a diferença, a favor na comparação com as duas outras matérias-primas, de que há espaço para o cereal crescer em produção no Rio Grande do Sul nas duas safras anuais.
Apesar de o Brasil não ser autossuficiente em consumo e a cultura sofrer demasiadamente com o clima, “a garantia de um novo comprador da produção deverá estimular mais os produtores em aumentar a área, investindo em produtividade”, explica o político e representante do grupo empresarial da CB Bionergia.
Nesse sentido, com ganho de produção no campo, Tiago Lacerda acredita que estaria anulada a percepção de concorrência da destilaria pelo trigo para panificação e massas, mesmo numa escala de redução de 14% em 2023, para 4,548 milhões de toneladas, vista pelas primeiras informações da safra pela Emater RS.
Nessa conta, se a empresa estivesse operando hoje, entrariam as 320 toneladas produzidas na propriedade santiaguense de Cássio Bonotto, no Sudoeste do Rio Grande do Sul.
Como ocorre com as destilarias de grãos, como as de milho do Centro-Oeste, a CB ainda levará ao mercado de rações o farelo que sobra, o chamado DDG (sigla em inglês para Grãos Secos de Destilaria com Solúveis).
Demais projetos gaúchos
Quando a CB Bioenergia começar a funcionar – e depois da Be8, com estimados 220 milhões de litros -, até onde se sabe seis pequenas biorrefinarias estarão trabalhando no Rio Grande do Sul, com os mais diversos cereais e até com resíduos alimentícios.
A USI – Usinas Sociais Inteligentes S/A é a projetista de todas, sendo a da Timbro Trading ainda está em construção em São Gabriel.
As plantas dos grupos Canex e Nexus, com produção em São Vicente do Sul e São Sebastião do Caí, também processam cereais diversos.
Já a Usibel, em Santa Margarida do Sul, controlada pela própria USI, e a do grupo mineiro Triex, em Nova Santa Rita, são focadas no etanol de segunda geração, que vem do uso de rejeitos e sobras das indústrias de panificação.
“De tudo que tem fibra, amido e açúcar sai etanol”, pontua Francisco Mallman, sócio-diretor da USI.
A cooperativa gaúcha Cotrijal, de Não-Me-Toque, região de Passo Fundo, também anunciou em 2022 que pretendia investir R$ 300 milhões no desenvolvimento de uma usina de etanol.
Uma análise feita este ano pelo Itaú BBA indica que, se considerados os três maiores projetos anunciados, o investimento deverá ficar em R$ 1 bilhão e a capacidade de produção em 300 milhões de litros.
Segundo o relatório, o Rio Grande do Sul consumiu 892 milhões de litros de etanol em 2022, o que indica um potencial para que os novos projetos atendam pelo menos 30% do consumo local.