A ameaça de guerra tarifária com os Estados Unidos pode ter caído como uma luva para as intenções de setores ligados ao agronegócio europeu de impor medidas protecionistas contra a importação de produtos agrícolas e alimentos de países como EUA, Brasil e Argentina.
Em uma resposta não-tarifária às ações de Donald Trump, como a elevação de impostos de importação de aço, a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, planeja publicar na próxima quarta-feira um conjunto de normas cujo principal efeito será barrar a entrada, nos países do bloco, de produtos que utilizam, em seu processo de produção, pesticidas que os agricultores europeus não estão autorizados a usar.
A possibilidade do uso desse expediente foi antecipada pelo jornal britânico Financial Times e depois também pela agência Bloomberg, com base em fontes de autoridades sanitárias da EU.
Segundo os dois veículos, a Comissão Europeia ainda estuda o alcance dessas medidas e seu impacto, numa expectativa de tentar restringir as importações do setor de alimentos sem gerar uma nova rodada de tensões com o governo americano.
Os primeiros alvos dessa nova política, entretanto, seriam commodities agrícolas como a soja, que nos Estados Unidos e na América do Sul são cultivadas com a aplicação de uma série de produtos químicos já banidos das lavouras europeias.
Para entidades que representam os agricultores europeus, isto geraria uma vantagem competitiva aos produtos vindos de outras regiões, em que os produtores teriam menos restrições e, portanto, mais armas para combater pragas que reduzem a produtividade em diferentes culturas.
O argumento é largamente usado, por exemplo, pelos opositores do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado no final do ano passado entre os dois blocos, mas que ainda passará pela aprovação dos parlamentos dos países membros de cada um deles.
“Temos sinais muito claros do parlamento, sinais muito claros também dos estados-membros e dos nossos agricultores: tudo o que é proibido na EU deve ser proibido na UE, mesmo que seja um produto importado”, disse o comissário de saúde Olivér Várhelyi em uma entrevista no mês passado.
Esse conceito está explícito em um rascunho do documento que pode ser apresentado nesta quarta, obtido pela Bloomberg. Nele, de acordo com a agência de notícias, a Comissão Europeia informa que "estabelecerá um princípio de que os pesticidas mais perigosos proibidos na UE por razões de saúde e ambientais não poderão retornar à UE por meio de produtos importados".
A incidência de medidas não tarifárias não deve, entretanto, driblar a vigilância do governo Trump em torno do que considera concorrência desleal de parceiros comerciais.
Trump tem sido explícito ao dizer que considera nessa questão também outras formas de gerar barreiras à entrada de produtos americanos em seus mercados, o que poderia incluir as regulamentações do bloco.
A intenção da Comissão Europeia é demonstrar que não planeja generalizar as restrições de importação. Para isso, vai alegar que estudará cada caso individualmente, levando em conta a eventual necessidade de uso de pesticidas em cada realidade.
O Brasil, por exemplo, por praticar uma agricultura tropical, com até três safras ao ano e sem o “controle natural” de pragas proporcionado pelos invernos rigorosos na Europa e nos Estados Unidos, acaba sofrendo uma maior pressão de pragas de diferentes tipos, o que exige o uso de uma variedade maior de pesticidas.
O esboço do documento preparado pela Comissão Europeia aponta também que um dos objetivos das medidas é diversificar a origem de suas importações de proteínas vegetais, atualmente muito concentradas em países como Argentina e Brasil.
Segundo o documento, a dependência de poucos exportadores torna “o sistema alimentar vulnerável às flutuações do mercado global e aos riscos de sustentabilidade”.