O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Um verdadeiro gigante global quando se trata de agronegócio, mas o seguro voltado ao setor não acompanha esse gigantismo e vai dando sinais de que o modelo precisa ser modernizado.

Depois de crescer quase 40% entre 2021 e 2022, período de preços e rentabilidade mais favoráveis ao produtor rural, o ano que termina teve um avanço mais tímido no seguro rural, até setembro, de apenas 4,5%, segundo dados da CNSeg, confederação que representa as seguradoras.

Segundo Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg, não houve queda da demanda, mas as apólices ficaram mais caras. “A subvenção foi insuficiente. O resultado é a necessidade de um orçamento maior para cobrir a mesma área”.

“A falta de subsídio pode provocar aumento nos custos do seguro entre 20% e 40%, dependendo da atividade agropecuária e da categoria de cobertura”, complementa Oliveira.

Ele se refere ao Programa de Seguro Rural (PSR), em que o governo arca com parte dos custos de contratação de uma apólice, no limite de R$ 60 mil por safra. Neste ano, não houve correção no orçamento para o PSR, que ficou em R$ 1 bilhão, sem reajuste em relação à safra 22/23.

Além disso, os pedidos de suplementação feitos pelo Ministério da Agricultura ao longo deste ano, já que o recurso acabou em setembro, não foram atendidos pela área econômica do governo.

“Em 2022, cerca de 58% do seguro agrícola foi subvencionado pelo Programa, comprovando sua relevância para contratação de proteção securitária pelos produtores”, afirma Oliveira. O presidente da CNSeg acredita que a falta de recursos para o PSR pode desestimular a contratação de seguros pelo produtor.

Por isso, a CNSeg propõe a criação de um Fundo do Seguro Rural (FSR). “Ele seria constituído por aportes obrigatórios da União e seguradoras que operam o seguro rural, sendo facultativo aos resseguradores que contratarem o Fundo”, explica Oliveira.

Pela proposta, o FSR teria participação da União, com um limite global de R$ 4,5 bilhões, enquanto as seguradoras destinariam um percentual dos prêmios arrecadados com seguro rural para o fundo. Além disso, ele poderia contar com aportes de entidades privadas.

Os recursos serviriam para garantir riscos relacionados a eventos climáticos e para as atividades do ProAgro, que é o Programa de Garantia das Atividades Agropecuárias, voltado para pequenos e médios produtores que tenham dificuldades em pagar financiamentos por conta do clima, pragas ou doenças.

Ainda sobre o PSR, o presidente da CNSeg lembra que o interesse das seguradoras é o mesmo dos agricultores, que por meio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), solicitou ao governo um orçamento de R$ 3 bilhões para o Programa em 2024.

Apesar das incertezas, a projeção da CNSeg para 2024 é de um crescimento de 23,1% nas contratações de seguro rural.

Mapfre deve sofrer menos com El Niño

Esse cenário traçado pela CNSeg, de redução de área e menos produtores com apólices de seguro, é confirmado por Afonso Arinos, head comercial de Seguro Rural da Mapfre.

A seguradora espanhola é a maior no segmento rural entre as que não são ligadas a bancos, com cerca de 65% de participação de mercado dentro deste recorte.

“Segundo os números que tenho da Susep (Superintendência de Seguros Privados), o número de produtores com seguro caiu de 127 mil em 2022 para 68 mil este ano. A área coberta por seguros caiu pela metade. A penetração do seguro privado, quando tratamos de área, está em 10%, depois de ter chegado perto de 20%”, conta Arinos.

Para a Mapfre, o cenário melhorou este ano, com crescimento de 12% em prêmios, e menor sinistralidade. “Em 2022, a sinistralidade ficou em 175%, e esse ano, reduziu bastante, para 53%”, conta o executivo.

Isso quer dizer que, para cada R$ 1 arrecadado pela Mapfre em prêmios no ano passado, a seguradora teve que pagar R$ 1,75 em indenizações, ou seja, houve um prejuízo operacional no segmento rural.

Neste ano, para cada R$ 1 arrecadado, a Mapfre pagou R$ 0,53 em indenizações. “A Região Sul responde por quase 50% das nossas apólices, e por isso, tivemos esse alto volume de indenizações em 2022, com a estiagem machucando os produtores. Esse ano, com as chuvas trazidas pelo El Niño, o cenário melhorou muito. Só houve problemas por conta do excesso em algumas regiões, que trouxeram prejuízos até patrimoniais”, diz Arinos.

Os dados da CNSeg confirmam esta "ajuda" do El Niño para as empresas do setor. Na safra passada, a influência do clima era o La Niña, que provoca seca na região Sul e causou "efeitos climáticos severos", segundo a entidade. Por isso, Nos primeiros nove meses do ano, foram desembolsados R$ 3,5 bilhões em indenizações, representando uma redução significativa de 63,9% em comparação com o mesmo período do ano passado.

Arinos, da Mapfre, conta que no ano passado, o índice de sinistralidade do mercado como um todo ficou em 145%. Esse cenário de riscos crescentes fez com que muitas seguradoras deixassem de atuar com o seguro rural.

“Hoje, temos só 13 seguradoras atuando no ramo. Além do risco climático, os preços das commodities em queda diminui a margem do produtor, e ele tem menos espaço para contratar seguro”, explica.

A Mapfre deve chegar esse ano a um montante entre R$ 1,2 bilhão e R$ 1,3 bilhão em prêmios arrecadados em seguro rural, incluindo o patrimonial, que cobre máquinas, armazéns e outros tipos de benfeitorias.

“Só no patrimonial, devemos fechar o ano com crescimento de 16%. Para 2024, a projeção é ter crescimento parecido com o deste ano no rural”, afirma Arinos.

Ele revela que a Mapfre está trabalhando para aumentar sua participação em outras regiões importantes do agronegócio, especialmente o Centro-Oeste.

“O problema é que pegávamos o modelo de produto oferecido no Sul, e colocávamos exatamente assim para os produtores do Centro-Oeste. Estamos mudando isso, adaptando mais”.

A Mapfre adotou tecnologias para fazer apólices mais personalizadas, levando em conta os ciclos climáticos e produtividade de cada fazenda, e não a média estabelecida pela Conab.

“Isso ajuda muito a trazer algo mais dentro da realidade de cada produtor. E estamos fazendo um trabalho para mostrar que vale a pena ter um seguro. Você abre mão de 3% de margem para proteger até 70% da sua produção”.