Com volume de recursos maior e taxas de juros sem muitas mudanças, o governo fez acenos importantes para as lideranças do agro que acompanharam o anúncio do Plano Safra esta semana. Não houve críticas contundentes, mesmo nos setores menos alinhados com a atual gestão.

Mas uma questão ficou no ar, ouvida em várias frentes diferentes: e o seguro rural? Quanto terá de dinheiro este ano? A ausência de uma resposta clara tem uma explicação bem mais complexa do que se imagina.

No caso do crédito rural, que contempla os R$ 364 bilhões anunciados no Plano Safra 2023/2024, a origem do dinheiro são as rubricas ligadas ao Tesouro Nacional.

Já no chamado Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural, que oferece incentivos para aos produtores rurais para que adquiram apólices junto às seguradoras, o recurso do subsídio está alocado no próprio orçamento do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

É a mesma fonte de recursos usada para as despesas com os gabinetes, do cafezinho ao custeio das atividades administrativas.

Em períodos de cortes de orçamento na Esplanada dos Ministérios, portanto, o seguro rural concorre com programas de outras secretarias do Mapa. E como é a maior despesa, historicamente, sofre com a imprevisibilidade.

"Isso dificulta mais a liberação do dinheiro, já que pela lei atual a subvenção do seguro não é considerada despesa obrigatória", diz uma fonte que acompanha o tema há mais de uma década.

No caso do Proagro, tipo de indenização concedida a pequenos produtores rurais, é diferente. “O governo é obrigado a achar o dinheiro para pagar, pois é um programa com recursos obrigatórios", afirma este especialista.

Tradicionalmente, no anúncio do plano, as autoridades já sinalizavam quanto em recursos seria disponibilizado para os seguros no próximo ano civil. Mas o silêncio desta semana na cerimônia principal causou estranheza.

Na entrevista coletiva concedida a jornalistas, o ministro Carlos Fávaro disse que o Mapa "está buscando" valor próximo de R$ 2 bilhões para o seguro.

O AgFeed apurou que o silêncio se deve ao fato de o Mapa, por enquanto, não ter sido atendido nos pleitos que fez junto à área econômica.

O orçamento de 2023 prevê valor próximo de R$ 1,1 bilhão para o seguro, mas desde o governo anterior a equipe técnica do Mapa sinalizava uma demanda de pelo menos R$ 2 bilhões.

Uma fonte do mercado diz que 60% do valor previsto no orçamento deste ano já foi usado e que no máximo em agosto, mais uma vez, o dinheiro terá se esgotado, com a interrupção da oferta do seguro aos produtores.

Em entrevista ao AgFeed, o ex-ministro de Lula e atual professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Rodrigues, ressaltou que o plano foi “razoavelmente bom”, mas que a falta de clareza sobre o seguro rural e o apoio à comercialização é o que mais preocupa.

"Precisamos garantir R$ 3 bilhões para o seguro rural aos produtores que venham a enfrentar impactos negativos na próxima safra", afirmou Rodrigues.

Ele explica que a queda nos preços agrícolas coloca "nuvens sóbrias para o cenário de renda do produtor na próxima safra".

Os custos de produção caíram, mas em culturas como o milho, por exemplo, que viu os preços despencarem, está havendo um descasamento da renda, diz ele.

Se o El Niño trouxer problemas de produtividade para algumas regiões, será mais um agravante.

Além disso, Rodrigues lembra que a safra americana segue com boas previsões, o pressionará a oferta mundial e os estoques. "E ainda temos a gripe aviária, que, ao se espalhar mundialmente, poderá trazer redução no consumo do milho, com mais pressão de baixa nos preços”, afirmou.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja Brasil), Antônio Galvan, também disse ao AgFeed que a falta de prioridade com o seguro preocupa, já que somente no Rio Grande do Sul foram três anos seguidos de quebra de safra.

"Nos Estados Unidos os produtores recebem US$ 8 bilhões de apoio com seguro rural”, lembrou, defendendo também uma mudança no modelo do seguro brasileiro.