A produção brasileira de cacau já vinha mostrando sinais de recuperação e pode agora ser beneficiada pelo recorde atingido esta semana, quando o contrato futuro da tonelada em Nova York bateu os US$ 3,6 mil, preço que não era visto desde 2012.

Em Londres, no mercado futuro da ICE, chegou a US$ 3,5 mil, valor que vem se mantendo. O fato é que, de um ano para cá, os preços do cacau já subiram 45% nos Estados Unidos.

Em um relatório do banco holandês ING, analistas destacaram que esse avanço nos preços se deve a uma piora nas perspectivas em relação à oferta de cacau 2023/2024.

A preocupação aumentou após a Costa do Marfim, que produz quase metade de todo cacau global, algo em torno de 2 milhões de toneladas, decidir suspender as vendas para compradores estrangeiros a partir de outubro, na nova safra.

O país da África Ocidental, que faz um controle estatal na na produção de cacau, já havia interrompido alguns contratos de venda antecipada, há duas semanas, mas agora decidiu cancelar toda e qualquer exportação.

Assim como ocorreu na Índia com o arroz, que também proibiu as exportações por problemas na safra, os africanos enfrentam adversidades climáticas. Se na Índia o problema é a falta de chuvas, na Costa do Marfim a questão é o excesso de umidade.

Essas chuvas excessivas causam inundações em áreas de plantio, que por sua vez, se tornam suscetíveis a pragas e doenças, o que diminui a produção.

O movimento de alta pode beneficiar os produtores brasileiros, na avaliação do analista de mercado Adilson Reis, que cita que as indústrias locais estão tendo “prêmios negativos”.

Segundo ele, como a relação entre preços internacionais, dólar e custos estava desfavorável ao produtor, práticas de melhoria de produtividade foram deixadas de lado, o que pode impactar negativamente essa safra em termos de volume. Contudo, preços mais altos podem favorecer o bolso do agricultor.

“O impacto dessa alta de preços deve ser positivo para o produtor. A relação de troca melhorou, e a situação está muito mais adequada à compra de insumos. Vejo um momento bom, de ânimo para o produtor”, comentou o analista.

Planos para atingir a autossuficiência

A alta de preços e as margens melhores são fatores que, segundo os especialistas, podem levar o Brasil a virar autossuficiente na produção da amêndoa.

Já faz algum tempo que produtores locais pedem para que o governo brasileiro interrompa as importações do cacau marfinense, portanto, a suspensão não preocupa.

Em fevereiro, a ANPC, Associação Nacional dos Produtores de Cacau, alegou questões fitossanitárias para impedir a entrada do produto em terras tupiniquins.

O Brasil importou 11 mil toneladas de amêndoas de cacau em 2022, ante 59,8 mil toneladas em 2021, segundo dados da AIPC, Associação da Indústria Processadora de Cacau.

Esse volume importado, no entanto, é considerado atípico, conforme explicou ao AgFeed a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, lembrando que este ano, por exemplo, as importações já estão na faixa das 30 mil toneladas.

Do outro lado, a exportação de cacau brasileiro é praticamente nula, já que as 220 mil toneladas produzidas em 2022 , de acordo com a estimativa da entidade, foram praticamente 100% direcionadas à indústria nacional.

Losi acredita que o Brasil está caminhando para atingir uma autossuficiência no cacau, mas a expectativa é de que isso só aconteça em 2030, quando a safra nacional atingir a atual capacidade da indústria.

Somando os três associados da AIPC - Cargill, Olam Food Ingredients (OFI) e Barry Callebaut - que representam mais de 90% da moagem do produto por aqui, com outras empresas como a Dengo, por exemplo, a capacidade instalada é de algo em torno de 300 mil toneladas por ano.

“Produzimos nos últimos anos algo em torno de 200 mil toneladas, e se pegarmos a média dos últimos cinco, esse número cai para 170 mil toneladas, um volume muito inferior se pensarmos na capacidade industrial instalada”, comenta a presidente.

Na safra 2022/2003 a moagem estimada é de 240 mil toneladas, sendo 210 mil referentes à produção brasileira.

Um evento como esse de alta nos preços não deve impactar de imediato os produtores locais, mas pode servir como um impulso para novos investimentos em suas propriedades.

“No Brasil, 80% dos produtores de cacau são pequenos, e os outros 20% se dividem entre médio e grande. O ideal é trabalhar para que esse ganho ajude a capitalizar o produtor e se preparar para quedas futuras”, comenta Losi.

Para alcançar a autossuficiência, o setor aposta na melhoria da produtividade das áreas já existentes, bem como no surgimento de novas regiões produtoras em áreas não tradicionais.

Anna Paula Losi explicou que a produtividade média do Brasil é algo em torno de 600kg de cacau por hectare cultivado, sendo que o ideal seria algo em torno de 1 tonelada por hectare.

Olhando por região produtora, o problema se mostra ainda mais complicado. Na Bahia, onde estão concentradas  entre 55% e 60% da produção brasileira, a produtividade média está em torno de 300 kg por hectare. No Pará, esse número já sobe para 800 kg.