O produtor rural acompanha com lupa a disparada do dólar nos últimos dias que, nesta semana, alcançou o maior patamar desde novembro de 2022, com a cotação perto dos R$ 5,50.

Nesta sexta-feira, a moeda americana fechou em leve queda, cotada em R$ 5,44. Mas no acumulado do ano a valorização do dólar em relação ao real ultrapassa 12%.

De um lado a alta do dólar costuma entusiasmar os produtores de soja, que observam preços melhores em reais para comercializar a safra. De outro, porém, o real desvalorizado costuma impactar no custo dos insumos, como defensivos e fertilizantes.

O plantio da safra 2024/2025 se aproxima e, na visão de analistas, já é possível prever impactos significativos do novo patamar da taxa de câmbio.

O consultor de mercado e sócio proprietário da Terra Agronegócios, Ênio Fernandes, lembra que a grande maioria dos produtores brasileiros faz operações em reais. “O que é um custo maior na aquisição de insumos”, diz.

Segundo Fernandes, com a cotação acima dos R$ 5,40, o momento está favorável para que o produtor avance na comercialização da soja, em proteção a possíveis quedas de preços nos próximos meses.

“É o famoso hedge (proteção cambial). O produtor deveria vender sua safra agora para se proteger de uma baixa que pode ocorrer nos próximos meses”, comenta.

O consultor de mercado lembra, porém, que na produção de grãos cerca 40% dos custos são em dólar, enquanto os demais 60% são em reais.

“Quando o dólar sobe, o produtor que exporta tem mais benefício do que malefício. Mas o produtor que opera só no mercado interno, como o pecuarista, o produtor de frutas e de feijão, por exemplo, não consegue fazer essa proteção cambial”, reforça.

Atraso na compra de insumos

Com a alta do dólar os preços de alguns insumos já começaram a reagir, o que representa um risco para o produtor.

O analista da Agrinvest, Eduardo Vanin, em post na rede social linkedin destacou que “nem tudo que reluz é ouro”, ao alertar que, apesar de preços melhores na soja, produtores já podem começar a se deparar com insumos mais caros, em função do dólar.

Ele deu como exemplo a ureia, que esteve a R$ 2,3 mil por tonelada em maio, mas que agora em junho já era cotada acima de R$ 2,8mil.

O AgFeed conversou com analistas para ver se o produtor já acordou para este risco. E ao que parece, ainda não,

Ênio Fernandes relata que a compra de fertilizantes, sementes e defensivos agrícolas que serão usados nas lavouras entre setembro e outubro “está extremamente atrasada”.

Entre os motivos, segundo o sócio proprietário da Terra Agronegócios, é que o produtor está com um “pé atrás” para investir.

“A conta não está fechando. Os produtores perderam dinheiro na safra passada e estão perdendo dinheiro nessa safra. Com isso, eles estão com medo de investir e atrasam ao máximo a decisão de compra de insumos. Depois, o produtor será obrigado a comprar mais caro e vai gerar um outro problema. A logística para a entrega desse material”, explica.

O sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo, concordou que o progresso nas vendas de alguns insumos, em especial defensivos agrícolas, tem sido lento. Até 15 de junho, a venda de defensivos chegava a 38%, contra 39% no mesmo período de 2023 e 54% na média histórica dos últimos cinco anos.

“Até a semana passada, a venda de sementes estava em 55%, contra 60% no ano passado e 65% nos últimos cinco anos. Já a venda de fertilizantes está mais adiantada, com 66% negociados para a safra 2024/2025. Porém, está abaixo da média histórica dos últimos anos, de 75%”, explicou.

O atraso na compra de insumos não chega a trazer impactos no que se refere a uma eventual redução de área plantada ou de produção, segundo Ênio Fernandes. Mas o consultor acredita que agricultores tendem a reduzir o uso de tecnologia no período, diante do aumento de custos.

O pesquisador da FGV Agro, Felipe Serigati, também destaca que a capacidade de investimento do produtor está menor. Na última safra houve quebra de safra em algumas regiões produtoras de grãos, ele lembra. “Alguns produtores tiveram margens menores. Agora, para comprar insumo, está difícil porque estão com o caixa mais apertado”, diz.

Para Serigati, o produtor de grãos que ainda não comercializou a safra está em um dilema. “Se vende agora com o dólar perto dos R$ 5,50 ou se espera uma janela de preço maior da moeda”, diz.

Dólar alto estimula venda de soja

Apesar do clima de cautela na compra de insumos, o avanço da cotação da moeda americana em relação ao real tem estimulado a venda de soja, com 35% do volume da safra 2023/2024 a ser comercializado, neste momento, disse Cogo.

“Estimulou bastante, como também acelerou as vendas futuras. Porém, segue abaixo da média histórica, com cerca de 15% da safra 2024/2025 fixada pelos produtores. Ainda assim, o volume negociado em junho é maior do que o registrado em maio”, reforça.

No mesmo período do ano passado, produtores haviam comercializado 14% da safra, nesta época. Historicamente, as vendas deveriam estar alcançando 28%, segundo Cogo.

O consultor Vlamir Brandalizze também contabiliza ritmo mais forte de vendas agora se comparado ao mesmo período do ano passado, por causa dos preços melhores para a soja, impulsionados pelo dólar.

Segundo ele, 63% da safra 2023/2024 já foi comercializada. Um ano antes, estava abaixo de 60%. Mas teve safra no passado que chegou a 75% nessa época do ano, disse Brandalizze.

“No ano passado, de abril a junho, se vendeu menos de 8 milhões de toneladas. Este ano, já soma 10 milhões, com média de 1 milhão por semana”, observou o consultor.

O número indica que parte dos produtores está aproveitando o momento e negociando a safra diante do temor de perda de fôlego do mercado, o que na visão do analista, é o melhor a fazer.

Brandalizze lembra que, entre agosto e setembro, os preços da soja e do milho normalmente caem em dólar em meio ao início da colheita nos Estados Unidos, enquanto a expectativa do mercado é que o dólar tende a seguir pressionado ante o real.

Carlos Cogo acrescenta que a disparada do dólar frente ao real influencia a cotação das commodities na Bolsa de Chicago. “Na leitura do mercado internacional, o produtor brasileiro precisa de menos dólares para exportar soja. Desta forma, a tendência é baixista para os preços futuros de soja após as quedas recentes”, ressalta.