Indústria, produtores e pesquisadores concordam: os biológicos seguirão crescendo no Brasil e no mundo e representam alternativa fundamental para garantir produtividade e benefícios ambientais e econômicos no agronegócio.
Mas esse “consenso” termina por aí. A batalha para criar uma nova lei que regule a produção e o uso de biológicos na agricultura brasileira segue sendo travada entre as diferentes entidades envolvidas na cadeia.
Um grande evento para discutir a importância de ter um marco regulatório para os bioinsumos foi promovido hoje em Brasília, pela CropLife, que representa as principais empresas fabricantes de defensivos e sementes, inclusive biológicos.
O encontro reuniu pesquisadores referência no assunto, lideranças políticas e empresários. Um dos destaques foi a apresentação de um estudo feito pela FGV Agro sobre o setor.
O documento aponta uma série de desafios que precisam ser encarados pela indústria e pelas autoridades brasileiras para criar um ambiente de regras claras para o desenvolvimento, a fabricação e o uso desses produtos.
Na abertura, lideranças se mostraram otimistas de que uma nova lei para reger os bionsumos no Brasil seja aprovada ainda este ano, apesar de opiniões ainda divergentes em alguns pontos.
O vice-presidente da República Geraldo Alckmin, que abriu o evento, saiu sem conversar com os jornalistas. No discurso apenas defendeu o uso de biológicos “não para substituir os químicos, mas para fazer a sinergia e ajudar a recuperar o solo”.
Durante o evento, a CropLife também apresentou números atualizados sobre o mercado de biológicos. A expectativa é de que a receita do setor cresça “dois dígitos” em 2024. No ano passado o mercado havia crescido 15%, mas segundo a diretora de bioinsumos da entidade, Amália Borsari, é provável que desta vez o crescimento fique abaixo desse patamar.
Segundo o levantamento, o mercado de bioinsumos tem crescido a uma média de 21% ao ano nas últimas três safras, atingindo R$ 5,1 bilhões no período 2023/2024.
Esse ritmo supera a média global, que tem mostrado um crescimento entre 13% e 14%. O mercado global, hoje na faixa de US$ 15 bilhões, deve se manter em expansão, segundo a entidade, chegando a US$ 45 bilhões em 2032.
A queda de braço
São vários os nós no debate sobre o novo marco regulatório do setor, embora alguns já tenham sido desatados. Um deles – que teria sido superado - era permitir a chamada produção on farm, em que os próprios produtores montam biofábricas nas fazendas e manipulam os microrganismos vivos, preparando os defensivos biológicos.
Segundo a Aprosoja Brasil, pelo menos 15 mil produtores rurais associados possuem biofábricas nas fazendas.
A CropLife que no passado chegou a se opor ao sistema, alertando sobre riscos ao meio ambiente, já concorda com essa permissão, desde que haja um “cadastro mínimo” dos produtores, para viabilizar algum tipo de regulação.
Um outro impasse, porém, ainda permanece. A CropLife defende que os bioinsumos sejam registrados e que essa autorização passe, pelo menos em alguns casos, por três órgãos: Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama.
Neste aspecto, até mesmo a indústria ficou dividida. Grandes multinacionais querem mais rigor para valorizar empresas que fazem investimentos bilionários em inovação. Já as empresas de menor porte temem uma burocratização, que poderia prejudicar aqueles que não têm fôlego para esperar por anos a liberação de registro – como ainda ocorre nos agroquímicos.
Há quem diga que um acordo estaria próximo à medida que a indústria estaria disposta a abrir mão do registro para produtos antigos, já conhecidos. Somente os novos itens teriam que passar pela análise mais rigorosa.
Mas a questão é definir o que é “novo” e o que não precisaria de registro – outro nó a ser desatado.
Nova lei deve avançar no Congresso Nacional
O AgFeed mostrou recentemente que duas propostas de uma nova lei para regular os bioinsumos tramitavam no Congresso Nacional. Uma delas começou pelo Senado Federal, o projeto de lei 3668, mais alinhado com os anseios de grandes indústrias, e outro na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 658, com a simpatia das entidades que representam os produtores rurais.
Os debates têm sido intensos no setor porque, pelas legislações hoje em vigor, relacionadas a fertilizantes, orgânicos e agrotóxicos, se nenhuma nova lei for aprovada, a partir de 2025 produtores que fazem o biológico onfarm estariam na ilegalidade, sujeitos à multas e até prisão.
Como o tema atinge até mesmo os produtores de orgânicos, está mobilizando não apenas as entidades, mas também o governo e principalmente a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“O tema já está encaminhado para um grande acordo”, afirmou Nilson Leitão, em entrevista ao AgFeed, após a abertura do Forum Bioinsumos Brasil, em Brasília. Ele é presidente do Instituto Pensar Agro, que reúne entidades setoriais e que dá suporte à FPA.
Leitão afirma que “o único item que tinha um certo conflito” era a exigência de registro para biológicos que já estão sendo produzidos e comercializados no mercado brasileiro, “o que não faz sentido”.
“Esse ponto foi pacificado. Eu acredito que antes do fim do mês de novembro teremos a votação de bioinsumos totalmente pacificada na Câmara Federal”, disse o ex-presidente da FPA.
Segundo ele, esse sinal de que o tema está encaminhado teria vindo do relator do projeto 658, deputado Sérgio Souza. “Já houve conversas inclusive com o Senado”, afirmou.
O diretor presidente da CropLife Brasil, Eduardo Leão, disse ao AgFeed que o projeto que deve ser aprovado ainda este ano, não é “nem um, nem outro”, se referindo às propostas que já tramitam no legislativo.
“Vai ser, possivelmente, um texto alternativo, que contemple elementos dos dois projetos e que já está bastante maduro, na nossa opinião. A expectativa da CropLife é de que, até o fim do ano, nós, efetivamente, tenhamos, finalmente, um marco regulatório aprovado”, afirmou.
Um grupo de 50 entidades defende um texto substitutivo que já foi apresentado aos deputados da FPA. A CropLife não assinou este documento, porque ainda há divergências.
“Apoiamos praticamente o texto inteiro”, disse Eduardo Leão. “O único ponto que a gente ainda precisa discutir um pouco, que nós estamos fazendo dentro do Congresso Nacional, com o governo e com as entidades também, são os temas relacionados ao registro dos produtos industriais. A nossa percepção é que para que a inovação continue, e nisso o maior beneficiário é o produtor, é necessário que a regulamentação garanta que seja feita uma avaliação adequada”.
Esse processo “adequado” inclui a polêmica aprovação tripartite, envolvendo Anvisa e Ibama, além do Mapa, em alguns casos.
“Acho que é muito importante ficar bem claro que a gente não defende que essa análise seja feita indiscriminadamente com os três órgãos. Pelo contrário, muitos dos produtos, eles não precisam passar pelo crivo de Anvisa e Ibama”, ponderou Leão.
Sobre a divisão entre “novos e velhos” produtos, o diretor da CropLife concordou que ainda é necessário estabelecer os detalhes.
“Isso merece uma definição, porque às vezes, por exemplo, você tem um produto que já está a ser utilizado, ou seja, ele não é mais novo, mas se há uma mudança substancial na formulação, nos componentes utilizados, então a ideia é que haja uma avaliação, mereceria um tipo de análise complementar”, explicou.
O autor do projeto 658, deputado Zé Vitor (PL-MG) também disse ao AgFeed que, com base no texto do substitutivo proposto pelas entidades, está sendo construído um acordo com o Senado. O parlamentar confia que será votado em plenário na Câmara até o fim do mês.
Para o secretário de defesa agropecuária do Mapa, Carlos Goulart, que também participou do evento da CropLife, é necessário manter a análise dos três órgãos “porque a lógica do registro de biológicos é a mesmo do que ocorre nos químicos”. Porém, ele defende uma legislação mais objetiva, com menos etapas, “proporcionais ao risco de bioinsumos, que é bem menor do que o químico”.
Goulart acredita que os biológicos que já são amplamente utilizados não precisariam passar por uma reanálise, afinal já passaram pela aprovação dos órgãos competentes. Segundo o secretário, o outro polêmico, que era o biológico onfarm, “está totalmente pacificado”.
Evento paralelo
A prova de que o assunto permanece controverso foi a ausência de uma das entidades mais atuantes no tema, a Aprosoja Brasil, no evento promovido pela CropLife. A associação que representa os produtores de soja marcou um evento no mesmo dia e horário, em Brasília, com a mesma intenção, para discutir a importância de buscar mais segurança jurídica na questão dos bioinsumos.
Em vídeo divulgado pela entidade, o diretor executivo da Aprosoja Brasil, Fabrício Rosa, também defendeu a aprovação de uma lei que não traga “excesso de burocracias”. Segundo ele, mais de 60% dos produtores atualmente já usam bioinsumos na propriedade.
No evento da CropLife, representando os produtores participou o diretor técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Luchi.
Em entrevista ao AgFeed, Lucchi disse que o texto que está sendo construído, “como não agrada todo mundo”, sinaliza que já muito pontos foram contemplados para todos os lados. “É difícil achar a redação perfeita porque há muitos envolvidos, mas já temos um material muito bom na mão do relator Sérgio Souza e estamos bem confiantes que projeto avance”.
O diretor da CNA acredita que Ministério da Agricultura fará uma escala de risco para definir quando será ou não necessário envolver os outros órgãos, como Anvisa e Ibama.
Nos bastidores, as demais lideranças procuraram minimizar a ausência da Aprosoja que, segundo a CropLife, havia sido convidada. A visão é de que cada lado seguirá buscando até o fim que seus pleitos sejam contemplados.
Pesquisadores mostram preocupação
Uma das painelistas do Forum de Bioinsumos foi a pesquisadora da Embrapa, Mariângela Hungria, considerada a principal referência no tema entre os cientistas. Ela trabalha com biológicos há 40 anos e destacou a revolução provocada pelo uso da Fixação Biológica de Nitrogênio na cultura da soja há algumas décadas.
Em conversa com o AgFeed, Mariângela Hungria disse que leu o substitutivo defendido pelas entidades há duas semanas e mostrou preocupação.
“Na versão que eu vi, e espero que não seja a final, os pontos considerados essenciais pela Embrapa foram excluídos. Ficamos tristes porque nos dedicamos a pesquisa, não temos nenhum interesse econômico, e por que não ouvem a ciência?”, indagou a pesquisadora.
Ela explicou são três os pontos que a Embrapa não abre mão quando o tema é a produção onfarm de biológicos.
O primeiro é a segurança no uso dos microrganismos, já que “já que alguns podem virar invasores e patógenos, desequilibrando a microbiota do solo”. Hungria defende que só sejam usados microrganismos aprovados por pesquisadores como seguros.
O segundo ponto é a necessidade de ter uma responsabilidade técnica no processo. “Produzir microorganismos exige conhecimento. O pequeno produtor, por exemplo, merece uma extensão agropecuária de qualidade”.
Por último, a Embrapa defende que haja um cadastro para que se identifique em quais propriedades há biofábrica e se houver algum acidente se possa resolver o problema.