No mercado financeiro, o calendário tem alguns dias que são acompanhados com mais atenção pelos investidores. Por exemplo, as reuniões para definição sobre taxa de juros no Brasil e nos Estados Unidos acontecem sempre às quartas-feiras, oito vezes por ano. Quando as duas reuniões acontecem no mesmo dia, ela é chamada de “Super Quarta”.

No caso do agronegócio, uma vez por mês os agentes de mercado, analistas e até mesmo produtores voltam suas atenções para o Wasde, relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) que mostra as projeções para a produção agrícola nos países mais importantes globalmente para o setor.

Nesta sexta-feira, 8 de março, o relatório do USDA mexeu com o mercado, especialmente com as cotações de soja, que pelo menos hoje, fecharam em alta. Mas analistas brasileiros ainda demonstram certa cautela com a continuidade dessa tendência.

O USDA revisou para baixo a projeção para a soja no Brasil, maior produtor da oleaginosa, de 156 milhões de toneladas colhidas, feita em fevereiro, para 155 milhões de toneladas no relatório de março, para a safra 23/24.

Ao mesmo tempo, o órgão norte-americano elevou em 3 milhões de toneladas a projeção de importações de soja pela China, para 105 milhões de toneladas. Por isso, a previsão para estoques globais de soja foi cortada em quase 2 milhões de toneladas, para pouco mais de 114 milhões de toneladas ao final da safra.

Foi o suficiente para que as cotações da soja em Chicago e também no Brasil apresentassem altas de 1,5% nesta sexta-feira.

No entanto, pode ter sido apenas um soluço, na visão de alguns analistas. Isso porque ainda há alguns obstáculos para que o preço da soja tenha uma trajetória mais consistente de alta nos próximos meses.

Vlamir Brandalizze, da Brandalizze Consulting, disse em seu comentário no programa Tempo & Dinheiro, no YouTube e Notícias Agrícolas, que, mais do que o corte na safra brasileira, foi o aumento da projeção de importações pela China que surpreendeu o mercado.

Em princípio, o mercado trabalhava com uma resistência da cotação de soja em Chicago no patamar de US$ 11,80 o bushel. Mas esse patamar foi ultrapassado nesta sexta-feira.

A dinâmica do ciclo de produção no Brasil nesta safra pode, no entanto, atrapalhar essa recuperação da soja, que no acumulado de 2024, apresenta queda de 7%.

O Itaú BBA, em seu relatório mensal mais recente sobre as principais commodities agrícolas produzidas no Brasil, apontou que os plantios mais tardios de soja em várias regiões do país têm apresentado desempenhos melhores em produtividade, por conta da volta das chuvas neste início de 2024.

“A colheita da soja está bem adiantada em relação à safra anterior, com ritmo bem acelerado nos estados do Sudeste e no Paraná”, afirma o banco.

O Itaú BBA aponta que, apesar das reduções promovidas pelo USDA na projeção para a produção brasileira, a estimativa ainda está acima do esperado pelo banco, que é um volume de 153 milhões de toneladas.

Com todo esse cenário, o banco aponta que ainda há muita a soja a ser comercializada no Brasil. “O risco fica para a possibilidade de concentração das vendas em um curto período, o que tende a gerar pressão sobre os prêmios”, afirma o Itaú.

Brandalizze ressalta que muitos produtores deixaram “o cavalinho passar” em novembro de 2023, quando ainda havia uma boa margem para os produtores.

Em novembro, a cotação em Chicago estava na casa dos US$ 13,40. O consultor calcula que os produtores poderiam conseguir pelo menos R$ 30 a mais por saca de 60 quilos em relação aos últimos meses. “Com um volume de 2,2 bilhões de sacas, foram R$ 66 bilhões que o setor deixou de ganhar”.

O comentário foi feito por Brandalizze quando questionado sobre os produtores que resolveram segurar a venda de soja, esperando que a cotação voltaria rapidamente para os R$ 130 a saca.

O consultor Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio, tem uma visão diferente para a soja nos próximos meses.

Ele aponta que os prêmios para a soja vão retomar uma trajetória ascendente a partir de agosto, com aumento de US$ 0,15 por bushel naquele mês, e com elevações de US$ 0,25 e US$ 0,35 por bushel em setembro e novembro, respectivamente.

Assim, Cogo espera que essa melhora nos prêmios impactem os preços domésticos, com os contratos para novembro registrando cotação acima dos R$ 130 por saca de 60 quilos, ante pouco mais de R$ 124 para março..

Cogo aponta como desafio a expectativa de uma colheita recorde de soja nos Estados Unidos na safra 2024/2025, o que leva os contratos futuros a partir de novembro apresentarem viés de baixa.